Pensar as coisas, pensar sobre o que se pensou e assim sucessivamente. Pensamento que se dobra sobre si mesmo, reflexão. A razão rumina a existência. Absortos, matutando, isto é filosofar. Pense conosco!

Acima, Caipira Picando Fumo
J. F. Almeida Júnior
Óleo sobre tela, 1893
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo





18 de mar. de 2012

TEXTO XXVIII : Repente para Pensar IV: Voltando ao Mesmo, Sempre Outro - "O Filho Pródigo"

Rodrigo Rodrigues Alvim

01. Há quem leia a Bíblia porque acredita que ela seja palavras divinas reveladas ou inspiradas aos homens. Há quem leia a Bíblia porque simplesmente a compreende como uma junção dos mais influentes livros da práxis ocidental, ou seja, do nosso modo de pensar e agir interagidos, um patrimônio capaz, portanto, de, em larga medida, nos permitir compreender a nós mesmos, que nascemos nesta parte do mundo, ou de nos fazer melhor compreender por aqueles que nasceram em outro contexto. Sempre perde, portanto, a meu ver, quem não lê essa obra, antes para se compreender a si próprio ou a outrem, do que para já criticá-la, sobretudo relativamente ao seu caráter divino ou não.

02. Quem, por exemplo, pode considerar desinteressante a parábola, de autoria atribuída a Jesus, denominada “O filho pródigo”? Ousaria dizer que ela é expressão de algo mais fundamental em todo ser humano, ao modo de “Édipo” para os psicanalistas. Mas como psicanalista não sou, tenho que voltar mesmo ao meu lugar de curioso.

03. Assim está escrito no Evangelho de Lucas:

“Um homem tinha dois filhos. O mais jovem disse ao pai: “Pai, dá-me a parte da herança que me cabe”. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu para uma região longínqua e ali dissipou sua herança numa vida devassa. E gastou tudo. Sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar privações. Foi, então, empregar-se com um dos homens daquela região, que o mandou para seus campos cuidar dos porcos. Ele queria matar a fome com as bolotas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. E, caindo em si, disse: ‘Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome! Vou-me embora, procurar o meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados’. Partiu, então, e foi ao encontro de seu pai.
Ele estava ainda ao longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. O filho, então, disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos seus servos: ‘Ide, depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado!’ E começaram a festejar.
Seu filho mais velho estava no campo. Quando voltava, já perto de casa ouviu músicas e danças. Chamando um servo, perguntou-lhe o que estava acontecendo. Este lhe disse: ‘É teu irmão que voltou e teu pai matou o novilho cevado, porque o recuperou com saúde’. Então ele ficou com muita raiva e não queria entrar. Seu pai saiu para suplicar-lhe. Ele, porém, respondeu a seu pai: ‘Há anos que eu te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. Contudo, veio esse teu filho, que devorou seus bens com prostitutas, e para ele matas o novilho cevado’. Mas o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso que festejássemos e alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!’”


04. Surpreende-me todo o movimento dialético presente nesse texto, antes mesmo que tal movimento se tornasse notório, como aconteceu somente, ao nascer da contemporaneidade, com a filosofia de Hegel. Lembremos que esse mesmo movimento, embora primeiramente destacado por Heráclito na antiguidade grega, fora como tal esquecido ou tomou a forma de uma “lógica da aparência” (entendendo a “aparência” como algo desprezível ao verdadeiro imutável), como apenas um jogo de palavras sem compromisso com a essência universal.

05. Aplicado à Antropologia – ou não é o que tomamos como maioridade de um homem seu “sair de casa”? –, esse movimento tem por afirmação o estar aí onde nasceu e ser, em geral, como aqueles pelos quais se foi gestado, centelha de um mesmo fogo, da mesma lareira, do mesmo lar, “um de casa”. Aí recebe um nome e se compartilha de um mesmo sobrenome, sua identidade original, tentativa por imitação. Mas tal identidade também se esclarece melhor pelo que lhe é oposto, por uma oposição, que, no entanto, se abre como opção, que, por sua vez, e não menos entanto, já implica um lançar-se à novidade: quando se vê, já se transita entre o interior e o lá fora de casa. Nesta crise, pensa-se que ou se fica ou se vai. Alguns se iludem em ficar; outros em sair. Ilusão porque nada mais é como antes, porém nunca se consegue radicalmente esquecer-se de casa: uma síntese, uma nova casa, na qual nascerão novas e mesmas gentes.

06. O pai, personagem desse “mito”, “O filho pródigo” (e mito, para mim, não é algo mentiroso ou ilusório, mas, muito pelo contrário, é um modo possível de se compreender e expressar o que nos acontece), é como que a dialética que já se sabe. Seu filho mais velho, ao contrário, é a personificação de uma espécie de pensamento binário e fixo ora num ora noutro de seus pólos (mas – pensa-se – jamais em ambos, como isso lhe seria possível?), que, se não pode evitar o movimento, despreza-o como perturbador da ordem, pois “é fiel” e “temerário” como “as pedras imóveis na praia” (bela figura de Raul Seixas): contrapondo-se a todo movimento do mar, as pedras! Também elas se movem, sem assim se perceberem a si próprias – e confirmam, também elas, o que pretendem negar: a dialética geral.

07. A vantagem que o movimento tem sobre o não-movimento é muito grande, pois para o não-movimento é preciso que nenhuma parte se mova. A favor do movimento, ao contrário, basta que uma parte se mova, para que arraste todas as demais. Por isso mesmo, o filho mais velho lamenta: eu fiquei (embora deva lhe confundir a sensação de que nada jamais foi o mesmo, sobretudo desde a partida do seu irmão)! Mas sabe que, agora, com o retorno do irmão, mais do que nunca, evidencia-se a realidade humana de que não há como deter a mudança.

08. O pai é a dialética que já se sabe – como disse antes. Por isso, espera pela volta do filho que se foi. Ele, o pai (mas que um dia era somente filho), certamente com os olhos sempre postos no horizonte, reconhece o filho ainda ao longe. Esse filho é, por sua vez, a dialética que se faz. É pelo filho mais novo que a novidade se faz – e novidade é movimento. Mas, no ápice da contradição dialética, a novidade tem consigo o mesmo de uma repetição (é repetição que abriga o novo e a mesmidade). A dialética do filho novo já está presente no velho pai que, por isso, o espera todos os dias. A volta é o movimento para o mesmo lugar, é “re-torno”. Mas o mesmo, nunca é o mesmo (entendam-me como a um dialético): há um mesmo antes da partida, um mesmo durante a partida, um mesmo depois da volta. Logo, posso dizer que a lógica binária não é simplesmente um erro, mas seu erro é não se perceber apenas possível no trato de um momento que se quer analisar como único (um interessante e até importante exercício na circunscrição ficcional de um momento tomado como um todo).

09. Com dinheiro e com amigos, sem já seus bens e também sem amigos, na contradição de um trabalho que lhe dá a condição de como um sem-trabalho, de se ver sem-ser-porco a disputar a lavagem dos porcos, como se porco igualmente fosse, situação que o faz opor seu patrão que o maltrata ao pai que é bom com os seus próprios serviçais... Melhor voltar à sua casa, ao mesmo que não mais o mesmo, pois espera para si a condição de um serviçal do próprio pai, condição que, ao contrário de humilhá-lo, conforta-o e serve-lhe como mola agora em sentido oposto ao mote que o fez, um dia, deixar a sua casa.

10. Que as coisas nunca mais seriam as mesmas, sabe o filho mais novo: de retorno, abraçando o pai (pois seu pai mesmo), diz que já não é mais digno de ser tratado como filho. De fato, o pai não o trata mais como o filho dantes, mas melhor. Quem o prova é o reclame do filho mais velho. Antes, como filhos, nenhum deles teve a morte de um novilho (o melhor, aliás) para uma festa! E para surpresa do filho mais velho (que está à procura da coerência binária), o pai lhe confirma, mas de modo positivo e não negativo, pois – esclarece seu pai – um filho perdido (como que morto) foi reencontrado (como que voltando à vida). Aborda, assim, o acontecimento de uma maneira completamente estranha ao filho mais velho (e elucidativa ao mais novo), pois o filho mais velho não percebe que a sua própria indignação (a própria contradição) significa a transitoriedade de todas as coisas (significa o eixo da lógica dialética): ele, que ficou, quando seu irmão partiu, por “amor” ao pai (e por obediência, seguramente), nega-lhe compreensão e amor filial, agora, no momento em que seu irmão retorna para casa e seu pai se encontra feliz. “E, no entanto [como Galileu balbuciou entre os seus inquisitores, quanto à natureza], tudo se move”, de tal modo que o que nos parece um adiante pode não ser mais que uma tentativa de reparação; e uma reparação, também um modo de se ir adiante.

10 de mar. de 2012

TEXTO XXVII: O Pensamento Alheio: Por Outro Caminho, com o Mesmo Descartes

Rodrigo Rodrigues Alvim

Este artigo foi primeiramente publicado na Rhema – Revista de Filosofia e Teologia do Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio, Juiz de Fora, v. 14, p. 71-66, 2008. ISSN 1516-3954.

RESUMO

Este artigo incide na reconstrução do itinerário dos escritos de René Descartes que lhe forneceu as condições para a intuição do cogito, para, a partir daí, declinar as suas conseqüências lógicas, fazendo com que estas, em seguida, retroajam no esclarecimento maior dessa res cogitans (deste algo “que duvida, que nega, que conhece poucas coisas, que ignora muitas, que ama, que odeia, que quer e que não quer, que também imagina e que sente”), confirmando-o ainda mais através das compreensões que os principais estudiosos da filosofia cartesiana têm dessa intuição do pensamento quanto à sua existência e à sua natureza.  Espera-se que tal empreendimento nos permita, pela cadeia de um raciocínio rigoroso, superar, a partir das próprias obras de René Descartes, o solipsismo da consciência por ele mesmo estabelecido. Tal cadeia, em resumo, pode ser assim expresso: sendo a “vontade”, para o próprio René Descartes, uma das atividades do pensamento, ou seja, do “eu” do qual tenho evidência, o constrangimento desta “vontade” que sou é uma boa razão para concluirmos pela existência de pensamento além do meu, pois uma vez que “disponho” do mundo entendido como res extensa, aquele constrangimento só pode advir de uma vontade distinta da minha, de uma “outra” res cogitans. Sendo assim, isto, que se contrapõe ao solipsismo instaurado pela filosofia de Descartes, ao mesmo tempo e paradoxalmente, dela se infere necessariamente.

PALAVRAS-CHAVE: Cogito, solipsismo, vontade errante, alteridade.

ABSTRACT

This article concerns about the reconstruction of Rene Descartes writings’ itinerary who gave them the conditions to the cogito’s intuition, for, thereafter declining to its logical consequences, making them go back in the greatest  clarification in this res cogitans (something that " doubts, denies, that knows few things, it ignores many, who loves, hates, wants, doesn’t want and which also imagines and feels"), further confirming the understanding that through the mainly studious of the Cartesian philosophy of intuition have thought about their existence and their nature. It is hoped that this venture will allow us, through a chain of rigorous reasoning, to overcome, from their own works of Rene Descartes, the solipsism of consciousness established by himself. This chain, in short, may be stated thus: being the "wish" for René Descartes himself, one of the activities of thoughtthe "I " of which I have evidence, the embarrassment of this "wish" is that I have a good reason to conclude that there is beyond my thoughts, because once that "dispose" of the world understood as res extensa, that embarrassment can only stem from a desire of my distinguished from an "other" res cogitans. So this, as opposed to solipsism philosophy initiated by Descartes, at the same time and paradoxically, it is inferred necessarily.

KEY WORDS: Cogito, solipsism, wandering desire, otherness.

1. Introdução

01. Com o desenvolvimento inconteste da inteligência artificial nas últimas décadas, bem como a necessidade ou simples interesse de mantê-la em desenvolvimento, as ciências cognitivas (sejam psicológicas e/ou comportamentais, sejam neurofisiológicas) passaram a ocupar um lugar de destaque no campo das pesquisas de maior investimento. O que surpreende é que muitas das questões balizadoras dessas investigações correspondem indisfarçavelmente a seculares questões filosóficas. Entretanto, em virtude da amplitude do seu arco de estudo, a filosofia, neste particular, passou a denominar-se “filosofia da mente” e hoje já assim se apresenta em muitos currículos de cursos superiores de filosofia.

02. Em uma obra introdutória aos temas de interesse dessa área, o professor Cláudio Ferreira Costa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, destacou, dentre outras, a seguinte questão: “como conhecemos os nossos estados mentais e os de outras pessoas?” (COSTA, 2005, 8).[1]

03. De uma tradição não muito longínqua de nós, herdamos (e, por isso, por ela somos, de algum modo, constituídos) o pensamento de René Descartes, convencionalmente considerado, aliás, o “pai da filosofia moderna”. Já nele, aquela questão acima destacada, que Cláudio Costa apresenta como afim à “filosofia da mente”, é central – e o seu desdobramento, uma obra-prima da filosofia.

04. Verdadeiramente, como críticos favoráveis ou críticos desfavoráveis aos princípios e conseqüências de seu pensamento, Descartes ocupou a atenção de muitos estudiosos desde o século XVII. Depurando o que se chama de “eu”, a leitura atenta das suas “Meditações sobre a filosofia primeira” (sua obra filosófica por excelência) é a mais bem elaborada recusa do empirismo ingênuo e ressalvas ao empirismo sofisticado.

05. O professor João de Fernandes Teixeira, da Universidade Federal de São Carlos, escreve, na conclusão de seu livro “O que é filosofia da mente”, que uma das questões que vem sendo rediscutida pela filosofia contemporânea pode ser assim elaborada: “como é possível que nossas idéias espelhem o mundo fora de nós?” (TEIXEIRA, 1994, 294). Se alguma parte dos escritos de Descartes se delineia motivada precisamente por esta questão, isso, entretanto, no decurso de sua filosofia, só acontece bem depois ao enfrentamento, em primeiro lugar, do problema da “minha” existência enquanto instância do que o professor João de Fernandes Teixeira então chama de “nossas idéias” e, em segundo lugar, da possibilidade de existência de um mundo fora de nós que corresponda à certeza de um mundo em mim, em meu pensamento – “minhas idéias” ou percepções que chamo de “mundo”:

(...) no que concerne às idéias, se as considero somente nelas mesmas e não as relacionamos a alguma outra coisa, elas não podem, propriamente falando, ser falsas; pois quer eu imagine uma cabra ou uma quimera, não é menos verdadeiro que eu imagino tanto uma quanto a outra. (DESCARTES, 1988, 33).[2]

06. Tal “locus” originariamente indubitável do “mundo” – que posteriormente encontrará fortes ecos na filosofia moderna e já contemporânea, seja na “mônada sem janela” de Gottfried Wilhelm Leibniz, seja no “eu penso” (“eu transcendental” ou “razão pura”) de Immanuel Kant, seja ainda no “espírito absoluto” à maneira de Johann Gottlieb Fichte ou à maneira de Georg Wilhelm Friedrich Hegel – encontra sua dívida para com o passado do pensamento ocidental ou, precisamente, com a admiração, preocupação e genial reação especulativa de Aurélio Agostinho ao ceticismo acadêmico de seu tempo, quando, pois, revela a inquestionabilidade do “mundo em mim”, do “para mim”, do hoje denominado “mundo fenomênico”.

07. Admitido o “mundo fenomênico”, podemos juntar aqui os solipsismos ensejados por David Hume e por Arthur Schopenhauer, bem como discutidos por Ludwig Wittgenstein, dentre outros, a fim de percebermos com nitidez que a solidão última das experiências que se tem – destas fazendo a dita “realidade” – não é uma quimera filosófica, mas uma das mais difíceis questões que, aos filósofos, cabe decidir.

08. De nossas experiências de alguma entidade fora de nós, a mais instigante é a que nos remete ao que comumente tomamos como uma consciência como que distinta da nossa: o “outro humano” ou, num termo mais breve e corrente nas academias, a “alteridade”. Contudo, embora a “subjetividade” seja “algo” consolidado, do ponto de vista teórico – sobremaneira desde a filosofia cartesiana –, a “intersubjetividade”, tão facilmente propalada em nosso tempo, parece se fazer alheia aos desafios que lhe foram apresentados pelos escritos de Descartes. Certamente, não faltaram grandes pensadores que contradisseram o “solipsismo do eu” cartesiano (como Peter Frederick Strawson, por exemplo, ou, indiretamente, Ludwig Wittgenstein contra si mesmo), mas o fizeram como que “de fora” das raias dentro das quais a filosofia de Descartes se elaborou. Neste sentido, os adeptos da “filosofia da alteridade” ainda se ressentem intimamente da falta de uma “crítica forte” contra Descartes e a favor da “intersubjetividade”, ou seja, daquela crítica capaz de “vencer” Descartes por dentro dele mesmo, por dentro de suas próprias raias, no interior de seus escritos mesmos. Como escreveu em recente artigo o professor André Constantino Yazbek, da Universidade Católica de São Paulo, intitulado “O filósofo francês Descartes e o problema do outro”, “trata-se de uma encruzilhada que assombra a filosofia desde há muito e que, com efeito, por vezes emerge como o ‘nó górdio’ do pensamento filosófico moderno e contemporâneo.” (YAZBEK, 2008, 19).

09. Pensando nisso, esbocei, em 1995, no artigo intitulado “Exercícios sobre o subjetivismo moderno”, um caminho possível para desfazer este nó cartesiano de incerteza teórica quanto à existência de uma consciência outra além da que “eu sou” e que foi passada em revista, em 2007, pelo Núcleo de Pesquisa do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, tendo, sob minha própria orientação, três discentes do Curso de Filosofia desta mesma Instituição de Ensino Superior[3], mas que ainda requer amparo de pesquisa para um aprofundamento ainda mais consistente.

2. Com Descartes, a intuição de uma consciência outra

10. A minha tese importa num deslocamento de nossa atenção do “eu” cartesiano como entendimento para o “eu” cartesiano como vontade. Tal deslocamento é permitido, pois René Descartes apresenta a “res cogitans” como

(...) uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que afirma, que nega, que conhece poucas coisas, que ignora muitas, que ama, que odeia, que quer e que não quer, que também imagina e que sente. Pois, (...), conquanto as coisas que sinto e imagino não sejam talvez nada fora de mim e nelas mesmas, estou, entretanto, certo de que essas maneiras de pensar que chamo sentimentos e imaginações somente na medida em que são maneiras de pensar, residem e se encontram certamente em mim. (DESCARTES, 1988, 31).

11. Importante aí notar que as primeiras atividades que Descartes apresenta do que ele toma como pensamento correspondem à vontade: o ato de duvidar ou de ajuizar (afirmar ou negar).[4] Logo após, o filósofo faz menção ao entendimento, mas de modo bastante restrito (o ato de conhecer poucas coisas, ignorando muitas). Por fim, seguem-se os sentimentos (relativos às geralmente denominadas “experiências” internas), os desejos (os atos de querer e de não querer simplesmente – que valeriam um estudo à parte quanto em que medida distam da vontade que se adianta ao entendimento), as imaginações e outros sentimentos (estas relativas às “experiências” como que externas – geralmente tomadas por sensações).

12. Já noutra parte anterior de suas “Meditações”, Descartes não se faz diferente, mais uma vez dando primazia à atividade da dúvida, seguida pelo entendimento:

Mas o que sou eu, portanto? Uma coisa que pensa. Que é uma coisa que pensa? É uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina também e que sente. (DESCARTES, 1988, 27).

13. Além disso, o deslocamento da atenção do “eu” cartesiano como entendimento para o “eu” cartesiano como vontade, por mim realizado, é permitido porque a dignidade humana, segundo o próprio Descartes, não se encontra apenas no entendimento, rigorosamente detentor do universal, mas também na vontade que, livre (ou seja, de certa forma “infinita”), nos faz à imagem e semelhança do nosso Criador – a substância perfeita:

Não posso tampouco me lastimar de que Deus não me tenha dado um livre arbítrio ou uma vontade bastante ampla e perfeita, (...). (...) de todas as outras coisas existentes em mim, não há nenhuma tão perfeita e tão extensa que eu não reconheça efetivamente que ela poderia ser ainda maior e mais perfeita. Pois, por exemplo, se considero a faculdade de conceber que há em mim, acho que ela é de uma extensão muito pequena e grandemente limitada e, ao mesmo tempo, eu me represento a idéia de uma outra faculdade muito mais ampla e mesmo infinita; e, pelo simples fato de que me posso representar sua idéia, conheço sem dificuldade que ela pertence à natureza de Deus. (...): de sorte que é principalmente ela que me faz conhecer que eu trago a imagem e semelhança de Deus. (DESCARTES, 1988, 50).

14. Disso, em Descartes, infiro graves conseqüências. Se a atividade do entendimento nos conduz ao (conhecimento) universal, então, ainda que pressupusermos diferentes consciências assim em atividade, cada qual se conduziria ao mesmo independentemente uma da outra e tudo o que alcançaria não lhe seria, precisamente em virtude de sua universalidade, distintiva dentre as demais. A atividade da vontade, por seu turno, embora possa se realizar pelo “fácil” caminho do bem entendido (único verdadeiramente livre para Descartes) ou se deter na ausência deste (o que corresponderia à dúvida), pode, no entanto, pelo seu exercício “livre” (em sentido inadequado para Descartes), “errar” por aqui ou acolá:

Donde nascem, pois, meus erros? A saber, somente de que, sendo a vontade muito mais ampla e extensa que o entendimento, eu não a contenho nos mesmos limites, mas estendo-a também às coisas que não entendo; das quais, sendo a vontade por si só indiferente, ela se perde muito facilmente e escolhe o mal pelo bem ou o falso pelo verdadeiro. O que faz com que eu me engane e peque. (DESCARTES, 1988, 51; 1989a, 81).

15. Precisamente enquanto capacidade de se enganar, o percurso da vontade é múltiplo. E, em vista das oposições nisto possíveis, a pressuposição agora de diferentes consciências, permite-nos entrever o confronto de uma com as outras no aceite de que se faz excludente. Isto significa que agora não “definiria” ou “saberia” de mim por uma consciência outra, por um outro que me nega, mas, concomitantemente, saberia do eu (que sou) e do outro (que não sou).[5] Antes, tomando-me como atividade de entendimento, nada, que não uma consciência outra enquanto vontade, poderia me confrontar, pois a tese cartesiana de que vivemos no melhor dos mundos possíveis[6] o impediria em definitivo, num inextrincável arranjo entre o meu entendimento, o mundo e Deus, as três substâncias.

3. O pensamento como originalmente entendimento

16. Nenhuma das obras cartesianas esconde o comprometimento do seu autor com uma instância pretensamente universal, da qual todas as coisas verdadeiras emanariam. Um só método para todas as ciências ou as mesmas normas para condução do nosso pensamento é o confesso objetivo de Descartes, seja em seu “Discurso do Método”, seja em suas “Regras para a direção do espírito”. Estes, para tanto, necessitam de raízes metafísicas (como em seu tempo era um imperativo hegemônico), o que o fez redigir obras como as suas “Meditações sobre a filosofia primeira” e os seus “Princípios da filosofia”. É a persistência em tal encalço que impôs a Descartes dar relevo ao pensamento em sua atividade de entendimento, capacidade de imediatamente conceber ou de intuir evidências (aquilo que não pode ser pensado de outro modo), que, portanto, só podem ser e existir assim mesmo como são determinadas.

17. As evidências do pensamento, então necessárias e universais, destinam-se às ciências e às suas operações, mas igualmente deveriam ser tomadas pela vontade humana como guia de quaisquer ações. Mesmo antes de seu método de conduta para todas as ciências ou regras de conduta para o espírito, Descartes elabora uma “moral” que, apesar de “provisória” (à espera possivelmente da consolidação de um método universal, ao crivo do qual também ela deveria ulteriormente ser submetida – segundo alguns intérpretes da filosofia de Descartes), não perde, mesmo assim, por boa retórica de seu autor, a intenção de servir a todos os homens comprometidos não menos que ele com o alcance do universal e indubitável.

18. Dizemos isto, a fim de, mais uma vez, realçar e justificar a tendência de Descartes de sublinhar o pensamento em sua origem lógico-metafísica e existencial como entendimento, dele distraindo-se como não menos atividade duvidante ou vontade. Afinal, por aqueles juízos mediante os quais a vontade acompanha as intuições do entendimento, segue outra intuição, devida ao caráter universal das primeiras, de que há apenas “um” pensamento, o “meu” pensamento, que não depende de outro (pois, nesse sentido, não há realmente “outro”). Por conseguinte, há aqueles que interpretam que o pronome em “‘eu’ penso” é somente um “acidente gramatical”, porque poderia (e deveria para os apressados adeptos e defensores da intersubjetividade) ser um “‘nós’ pensamos”. Entrementes, um “nós” pelo “universal” não teria qualquer força de “diferença”, pela qual a intersubjetividade, apropriadamente dita, poderia se dar. Seria uma identidade, uma mesmidade, antes que precisamente “alteridades”. Ademais, como bem notou Descartes, sei da minha consciência como detentora de um dado por ela mesma enquanto for ela detentora desse dado: eis originalmente o que tomamos por “reflexão. Se sei da minha consciência como detentora de um dado (e de um dado universal por inclusão) – e é precisamente disso e, por princípio, somente disso que eu não posso duvidar na ordem da atividade que sou e que se exerce sobre algum dado, não posso, todavia, ter essa mesma intuição de uma consciência outra (pois já é, em verdade, minha consciência), ainda que, sendo um dado universal, é um dado para qualquer “outro”. Tanto que, como vimos e veremos melhor, se o meu ato de duvidar não pode recair sobre a minha existência enquanto essa atividade duvidante de mim mesmo (e que, paradoxalmente, me recoloca como evidentemente um ser que é, que existe), esse mesmo ato meu de duvidar pode recair sobre uma consciência universal outra além da minha sem “contradição performativa”. Logo, mal sei de uma consciência outra indiretamente por minha consciência, mas tão somente por “mediação” da minha consciência ou “analogia” à consciência que sou. Somente a minha consciência me é autofundante, autônoma e, por fim, existente por si só.

19. Repassando. Na ordem das minhas “intuições” como atividade do entendimento, somente o entendimento de mim como entendimento me é diretamente dado. Uma atividade de entendimento outra só me é dada indiretamente e já por mediação a mim. Com certeza, pois, só existe em meu entendimento e, assim, é meu entendimento e não, efetiva e obrigatoriamente, algo distinto de mim ou entendimento operante verdadeiramente outro. Por esta perspectiva lógico-metafísica, somente existe, clara e distintamente, um pensamento autobastante em primeira pessoa do singular. A existência de outra(s) consciência(s), quando muito, nessa mesma perspectiva, somente se encontra(m) no rol do possível e da qual, portanto, é-se possível duvidar.

20. Mas – ainda assim – e se eu estiver enganado em relação a tudo isso? E se o meu entendimento primeiro for um erro? Eis uma importante autocrítica de Descartes. Paralelo como esta autocrítica nas filosofias lógico-metafísicas encontra-se no “Proslógio” de Anselmo de Cantuária, quando, ao tomar a universalidade da concepção ou pensamento de “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, adverte contra si mesmo e contra toda uma tradição filosófica: “Na verdade, ter a idéia de um objeto qualquer na inteligência e compreender que existe realmente são coisas distintas”. A esta surpresa, segue-se outra maior, a de que, apesar do outrora posto, este pensamento ou concepção – e somente ela – deve existir inevitavelmente: “Mas ‘o ser do qual não se pode pensar nada maior’ não pode existir somente na inteligência; se, pois, existisse apenas na inteligência, poder-se-ia pensar que há outro ser existente na realidade, e que seria maior.” (CANTUÁRIA, 1988, 102).

4. Sou uma coisa que duvida – o “eu” como vontade

21. O deslocamento do “eu” cartesiano como entendimento para o “eu” cartesiano como vontade que a minha tese promove não se justifica pela simples dupla dignidade humana, pois, mesmo assim, se Descartes opta por continuar seu itinerário filosófico em atenção ao “eu” em sua atividade como entendimento, poderia parecer arbitrário pretender, sem mais, tentar um outro itinerário em atenção ao “eu” em sua atividade como vontade. Nesse sentido, além da ambigüidade da dignidade humana antes esboçada, destaco a ambigüidade da própria intuição do “eu” cartesiano, pois a atividade primeira que se “entende” como eu é, paradoxalmente, uma atividade “duvidante” [“pensar que tudo era falso” (DESCARTES, 1987a, 46)]. Ora, se há dúvida é porque não há entendimento; se há dúvida, há vontade de entendimento, pois, como o próprio Descartes escreve, quando a vontade ajuíza antes do entendimento, erra comumente:

(...), se me abstenho de formular o meu juízo sobre uma coisa, quando não a concebo com suficiente clareza e distinção, é evidente que o utilizo muito bem e que não estou enganado; mas se me determino a negá-la ou a assegurá-la, então me sirvo como devo de meu livre-arbítrio. Se me garanto o que não é verdadeiro, é evidente que me engano, e até mesmo, ainda que julgue segundo a verdade, isto não ocorre senão por acaso e eu não deixo de falhar e de me utilizar mal do meu livre-arbítrio. (DESCARTES, 1988, 52).

22. Ora, a suspensão do juízo à espera do entendimento é atividade da vontade, a qual denominamos “duvidar”.  Logo, pela expressão “se duvido, sou” (donde “penso”, logo existo) o entendimento de existência do eu se infere do ato de nenhum entendimento ainda, mas já de vontade de entendimento, de “dúvida”: “(...), pelo fato mesmo de eu pensar em duvidar da verdade das outras coisas, seguia-se mui evidentemente e mui certamente que eu existia”. (DESCARTES, 1987a, 46). Assim, eu só me entendo enquanto primeiro entendimento de mim mesmo depois que me entendi como fundamentalmente “dúvida” ou “vontade”.

23. Não pode a minha vontade, porque livre, ajuizar alheia ao entendimento? Para desfazer-se de qualquer ilusão, Descartes levanta a hipótese de um “gênio maligno”, de um artífice que nos engana precisamente quando intuímos universais como os existentes nos campos da aritmética e da geometria. Essa hipótese, embora imprescindível à dúvida hiperbólica, permite-nos, não raras vezes, argumentar a favor da intuição de um “eu” que “duvida”, que “pensa” ou que “engana-se” de forma muito fraca. É preciso, pois, compreender que, se Descartes também faz uso dessa forma de argumentação, só o faz por acréscimo à sua argumentação forte a favor da intuição do “eu” que necessariamente existe.

24. Há, assim, quem, para evidenciar a existência do cogito cartesiano, baseado nesse artifício de um “deus” que engana a res cogitans (e tanto mais quando esta não vê porque duvidar), recorra à construção segundo a qual “eu existo” enquanto aquele pensamento que é enganado. Ora, esta construção é a mais imprópria para explicitar a existência irrefutável do cogito cartesiano, pois o próprio Descartes, no desdobrar de sua filosofia, há de recusar a existência de um “deus embusteiro” (em verdade, apenas um artifício para radicalização da dúvida) pela inferência de um “Deus bom e veraz”. Retroativamente, pois, a negação do “deus enganador” arrasta inevitavelmente consigo a certeza de existência de um “eu” que é enganado.

25. Há quem, por sua hora, construa a evidência da existência do cogito cartesiano mais brevemente da seguinte forma: se eu de tudo duvido, então existo necessariamente como aquele que duvida. Essa forma, indiscutivelmente melhor do que a anterior, é, todavia, incompleta, não permitindo prontamente discernir a “‘necessidade lógica’ de existência” entre o “‘eu’ que come”, por exemplo, e “‘eu’ que duvida” ou mesmo, de maneira mais refinada, entre o “‘eu’ que entende” e o“‘eu’ que duvida”.

26. No campo lógico-ontológico, estas distinções se fazem importantíssimas e, não percebê-las, apesar de boa-fé, é índice de que se está falando de outro “lugar”. Assim sendo o argumento de Descartes incompletamente formulado, dá margem a alguém confundir a força de existência lógica do “‘eu’ que duvida” com, por exemplo, a do “‘eu’ que come”. Guardadas as devidas proporções, seria como confundir a necessidade de existência de “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, explicitada por Anselmo de Cantuária, com uma “ilha perdida” no oceano, como ocorreu fazer um de seus opositores, chamado Gaunilo. Este parece ter se distraído ao, lendo o “Proslógio”, passar pelas letras em que Cantuária, ao admitir – contra, aliás, a sua própria tese – a não identidade entre “ser” (existir) e “pensar”, exceto no caso – como ele bem o demonstra mais tarde – daquilo que se concebe como sendo o maior. (CANTUÁRIA, 1988, 129 e passim).

27. A incompletude da boa construção do argumento cartesiano, no qual se conclui pela existência óbvia e irrefutável da res congitans, também contribui para deixar nebulosa a delicada distinção lógica entre o “‘eu’ que entende” e o “‘eu’ que duvida”. Afinal, posso, no momento em que de tudo duvido, duvidar igualmente de que entendo? Logicamente que sim! Mas posso, no momento em que de tudo duvido, duvidar de que de tudo duvido? Logicamente que não! E é precisamente por este último que se segue à primeira intuição inequívoca e, rigorosamente, ao primeiro entendimento.

28. É claro que, enquanto eu entendo, posso, então, entender-me como sendo o que entende. Contudo, nada logicamente me impede de eu duvidar (ato livre da vontade) disso (de que sou atividade de entendimento), pois posso estar enganado, malgrado meu. Para evitar tal engano ou outro qualquer é que se faz importante a dúvida radical. Diferentemente, se eu de tudo duvido, inclusive disto também (supondo que eu possa estar enganado), então existo necessariamente como aquele que de tudo duvida (e disto também) e, assim, por diante. Eis, por fim revelada, a singularidade do “duvidar”: a sua suficiência existencial.

29. Com ou sem toda e qualquer dúvida, sou, conforme Descartes, uma atividade duvidante, uma atividade da vontade, precisamente “onde” não há entendimento. Porque duvido, disso não posso duvidar, ainda que disto duvide. Fundante do meu eu como res cogitans, é também este “duvidar” que garantirá a certeza (lógica – “ordem das razões”) da existência da res infinita[7] que, como substância, é, no entanto (“ontologicamente – ordem das coisas”), distinta de mim e “anterior” a mim.[8] Ressaltamos isso aqui, não porque nos convém tratar de Deus, mas somente para mostrar, mais uma vez e de outro modo também, o importantíssimo papel que o “cogito”, como “eu duvido”, exerce, de modo insubstituível, dentro do pensamento cartesiano.

 5. A “alteridade” como vontade “errante” ou “caprichosa”

30. Eis as palavras com as quais Descartes inaugura as suas “Meditações sobre a filosofia primeira”:

Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era necessário seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e constante nas ciências. (DESCARTES, 1988, 17).

31. Comparemo-las às últimas palavras de Descartes em sua mesma obra:

(...) como a necessidade dos afazeres nos obriga amiúde a nos determinar antes que tenhamos tido o lazer de examiná-las tão cuidadosamente, é preciso confessar que a vida do homem está sujeita a falhar muito freqüentemente nas coisas particulares; e, enfim, é preciso reconhecer a imperfeição e a fraqueza de nossa natureza. (DESCARTES, 1988, 74).

32. O próprio solipsismo, fruto de uma atenção pouco ordinária, pode parecer, aos que ignoram ou se fazem avessos a tal atenção característica do filosofar, uma simples “tentação dos filósofos” e contra-intuitiva. O próprio Ludwig Wittgenstein, entre a escalada por sua “escada” filosófica e o cotidiano do “mundo da vida”, respectivamente transitará entre a admissão séria do solipsismo e a sua recusa.

33. De qualquer modo, as “Meditações sobre a filosofia primeira” de Descartes, em suas palavras iniciais e finais, parecem ensinar a nós todos o que Émile Durkheim, muito posteriormente, também resumiu nestes seus termos: “A ciência é fragmentária, incompleta; avança muito lentamente e jamais está concluída; mas a vida não pode esperar.” (DURKHEIM, 1989, 509).

34. Assim tomado, o “eu” parece estar fadado a mais erros do que acertos. Esta assertiva pode parecer marginal em Descartes, pois suas obras, como já o dissemos, estão estreitamente comprometidas com o edifício de uma ciência segura. No entanto, já o seu próprio método (universal) deixa entrever o quanto mais provável é o erro do que a certeza, pois, das suas quatro regras, as três últimas são um esforço no sentido de se assegurar a evidência, conteúdo da sua primeira regra – regra, a bem da verdade, a qual todas as demais se reduzem. Nesse sentido, o método é um amparo à vontade, à nossa capacidade de julgar, a fim de que evitemos os enganos aos quais estamos tão propensos.

35. Redige Descartes: “(...) experimento em mim mesmo certa capacidade de julgar (...), (...) que não poderei jamais falhar, quando usar como é necessário.” (Grifo meu), (DESCARTES, 1988, 47-48). O método cartesiano não é senão um esforço de nos criar o hábito de manter os nossos “livres” juízos ou assentimentos da vontade nos limites do entendimento, pois, como admite numa de suas cartas para Mersenne, os nossos enganos não advêm apenas de uma vontade que, na ausência de entendimento, ajuíza mesmo assim, mas também “(...) somos sempre livres de deixar de perseguir um bem que nos é claramente conhecido ou de adquirir uma verdade evidente[9]

36. “Dúvida” ou “engano”, ambos são atividades da vontade no pensamento de Descartes. Contudo, metodologicamente, fica claro que a primeira tem preferência sob a segunda, pois duvidar significa abster-se de “formular um juízo” na falta do entendimento: “Ora, se me abstenho de formular meu juízo sobre uma coisa, quando não a concebo com suficiente clareza e distinção, é evidente que o utilizo muito bem e que não estou enganado.” (Grifo meu). Existencialmente, tais atividades se equivalem, pois o erro (ou o engano) “é uma privação de algum conhecimento que parece que eu deveria possuir” (DESCARTES, 1988, 48) – o que coloca Descartes, mais uma vez, na esteira de Agostinho, quando este assim propôs contra o ceticismo da transição da Antigüidade para o Medievo:

Tais verdades desafiam todos os argumentos dos acadêmicos, que dizem: Quê? E se te enganas? Pois, se me engano, existo. Quem não existe não pode enganar-se; por isso, se me engano, existo. Logo, se existo, se me engano, como me engano, crendo que existo, quando é certo que existo, se me engano? Embora me engane, sou eu que me engano e, portanto, no que conheço que existo, não me engano. Segue-se também que, no que conheço que me conheço, não me engano. (AGOSTINHO, 1990, 47).

37. A dúvida (suspensão do juízo e da ação) ou o juízo à luz dos limites do entendimento parece ser, enfim, um esforço anteposto à facilidade de se equivocar, pois, confessa Descartes, “retornando a mim, a experiência me ensina que estou, (...), sujeito a uma infinidade de erros (...).”(DESCARTES, 1988, 48).

38. Não obstante superar esta condição ao erro seja o intento da ciência cartesiana, demorar-se nesse cogito “errante” permite-nos inferências muito interessantes. A que ora nos interessa – e que julgamos a de maior quilate – é a que instaura um cogito outro, uma consciência autônoma à minha própria consciência, a “alteridade” na ordem da minha própria substância.

39. Seguindo a tradicional ênfase da atividade pensante na filosofia de Descartes – o entendimento –, a possibilidade de outras consciências humanas – pela analogia de Descartes ao seu “chapéu e sobretudo” (DESCARTES, 1988, 29) –, conduz-nos a vetores paralelos que jamais se entrecruzariam, pois cada entendimento teria a capacidade por si mesma de se conduzir às universais intuições claras e distintas.

IDÉIAS UNIVERSAIS


(...)
Ct
Cj
Ce
(...)

40. Enfatizando, por sua vez, a atividade pensante como vontade – e vontade em sua condução ordinária, ou seja, “errante” (se não espera por entendimento do que ajuíza) ou “caprichosa” (se ajuíza diferentemente do entendimento) –, a difusão de vetores de cada consciência humana, da qual analogicamente Descartes suspeita, há de levar, em toda a sua infinita extensão, inevitavelmente ao seu entrecruzamento com vontade adversa em todas as oposições possíveis.







Ct
Cj
Ce







41. Se posso, pois, dispor do mundo à medida em que eu o conheço e nele intervenho pelo uso de um método seguro que combina a minha vontade com o meu entendimento, o que, conforme Descartes, há de “nos tornar como que senhores e possuidores da natureza” (DESCARTES, 1987a, 63), então não há oposição real entre elas, como a própria concepção de “substância”, que lhes assiste, já também deveria assegurar: veja toda a dificuldade de Descartes, por isso mesmo, em sua tentativa de explicar à rainha Elizabeth, sobretudo em sua obra denominada “As paixões da alma” (DESCARTES, 1987b, 73-154), como pode a alma ressentir-se do corpo e vice-versa.[10] Ora, tal projeção de disponibilidade se faz então impossível a mim relativamente ao espectro arbitrário da vontade “errante” que contraria a minha própria vontade e que é, portanto e indubitavelmente, outra. Aliás, algum constrangimento à minha consciência só poderia advir na ordem dessa minha mesma substância, ou seja, como “res cogitans”.


42. Este constrangimento à minha vontade (atenta ou não ao meu entendimento) não deve ser confundido com a coerção afim às minhas “experiências externas”, expressas por Descartes, por exemplo, nos seguintes termos:

(...) eu experimentava que elas [as coisas] se apresentavam ao meu pensamento sem que meu consentimento fosse requerido para tanto, de sorte que não podia sentir objeto algum, por mais vontade que tivesse, se ele não se encontrasse presente ao órgão de um de meus sentidos; e não estava de maneira alguma em meu poder não o sentir quando ele aí estivesse presente. (DESCARTES, 1988, 64).

43. É imprescindível que se perceba que o que acontece, malgrado meu, em virtude de uma vontade outra, não se dá em mim passivamente como no caso dessas sensações, que Descartes considerou possível por alguma faculdade em mim ainda desconhecida (DESCARTES, 1988, 64) – consideração certamente muito fraca como contra-argumentação –, mas se dá a mim ativamente, por ato que escapa ao meu entendimento atual e de sempre, visto advinda de vontade arbitrária que não a minha mesma. Não está este ato na ordem de uma simples sensação em mim, contra a qual eu apresento a minha vontade, mas na ordem de um “não sei o que” que se apresenta a mim contra a minha vontade.

44. Ademais, ao cabo de sua “Meditação sexta” e última – após considerar, mais amiúde, da perfeição de Deus, a criação por este do melhor dos mundos possíveis (no qual o seu mínimo mal ainda é aquele que concorre para um bem maior) –, assevera Descartes:

(...) essa consideração me serve muito, não somente para reconhecer todos os erros a que minha natureza está sujeita, mas também para evitá-los ou para corrigi-los mais facilmente: pois, (...) podendo usar (...) meu entendimento, que já descobriu todas as causas dos meus erros, não devo temer doravante que se encontre falsidade nas coisas que me são mais ordinariamente representadas pelos meus sentidos. (DESCARTES, 1988, 73-74).

45. Referindo-se a esta parte, comenta Gérard Lebrun, corroborando tal parecer: “o mundo é restabelecido na sua verdade: dispomos dos meios para evitar o máximo o erro” (DESCARTES, 1988, 74). Ora, se um Deus “bom e veraz”, “o melhor dos mundos possíveis” e um “método” que realiza uma vontade nos limites do entendimento superam-nos a coerção instaurada entre os sentidos e a vontade, não pode superar, contudo, o constrangimento entre uma vontade “errante” ou “caprichosa” e a minha vontade, seja esta igualmente “errante”, seja ela para dentro dos limites seguros do meu entendimento.


46. Diante disso, portanto, só nos cabe frisar que, pela radicalização da mente como capacidade de entendimento, a “coerção” do mundo sensível tende a desaparecer, enquanto que, pela radicalização da mente como capacidade volitiva, o “constrangimento” da mente “errante” ou “caprichosa” não pode deixar de ocorrer. Nisto reside, em nosso tempo, o valor da minha tese, da qual fizemos tema deste artigo, pois como recentemente publicou Thomas Nagel,

há um tipo especial de ceticismo que continua a ser um problema mesmo que você admita que sua mente não é a única coisa que existe – que o mundo físico que você aparentemente vê e sente ao seu redor, até mesmo seu próprio corpo, de fato existe. Trata-se do ceticismo quanto à natureza ou mesmo quanto à existência de outras mentes ou experiências além da sua. (NAGEL, 2007, 19).

47. Finalmente, sendo mesmo assim de tudo o que pudemos averiguar de escritos de René Descartes, ratifico a tese, que, pela primeira vez, esbocei no meu artigo “Exercícios sobre o subjetivismo moderno”, de que há uma perspectiva na obra cartesiana que, estendida, leva-nos a admitir a existência de um pensamento outro além do meu – o que importa, por conseguinte, na superação teórica, dentro dos próprios espaços dessa obra, de uma de suas extrações mais marcantes (pelo seu rigor lógico-metafísico e, ao mesmo tempo, pelo mal-estar que comumente provoca), qual seja, a da redução de toda dita “realidade” à mais completa solidão de minha própria existência.



Notas

[1] Na íntegra, são as seguintes questões apresentadas por este autor, literalmente: “Qual a natureza dos estados mentais? Como eles se relacionam com o cérebro? São os estados mentais estritamente biológicos, ou computadores seriam em princípio também capazes de tê-los? Havendo um eu unificador dos estados mentais, em que ele consiste? Como conhecemos os nossos estados mentais e os de outras pessoas? (...): o que é uma pessoa? Quando dizemos que uma pessoa é a mesma? (...): qual é a natureza e estrutura da ação humana? (COSTA, 2005, 8 e 9).
[2] Antes, escreveu Descartes mais demoradamente: “Haverá, (...), (...) [o] que se possa dizer que existe separado de mim mesmo? Pois é por si tão evidente que sou eu quem duvida, quem entende e quem deseja que não é necessário nada acrescentar aqui para explicá-lo. E tenho também o poder de imaginar; pois ainda que possa ocorrer (...) que as coisas que imagino não sejam verdadeiras, este poder de imaginar não deixa, no entanto, de existir realmente em mim e faz parte de meu pensamento. Enfim, sou eu mesmo que sente, (...). Mas dir-me-ão que essas aparências são falsas e que eu durmo. Que assim seja; todavia, ao menos, é muito certo que me parece que vejo, que ouço e que me aqueço; e é propriamente aquilo que em mim se chama sentir e isto, tomado assim precisamente, nada é senão pensar.” (DESCARTES. 1988, 31).
[3] Fábio Rodrigues Milioni, James Jesuíno de Souza e Thiago Marques Lopes são os nomes dos alunos pesquisadores. Como co-orientador, inscreve-se o professor Miguel Ângelo Guimarães Juliano. O orientador, professor Rodrigo Alvim, também se fez relator desse trabalho, conforme já se encontrava anunciado no projeto de pesquisa afim. Acompanhou informalmente tal trabalho o aluno Guilherme Delmonte, do Curso de Psicologia do CES-JF.
[4] Quanto às atribuições do entendimento, esclarece-nos Descartes que “só pelo entendimento, não asseguro nem nego coisa alguma, mas apenas concebo as idéias das coisas que posso assegurar ou negar.” (DESCARTES, 1988, 49). Já a vontade “consiste somente em que podemos fazer uma coisa ou deixar de fazer (isto é, afirmar ou negar, perseguir ou fugir) ou antes, somente em que, para afirmar ou negar, perseguir ou fugir às coisas que o entendimento nos propõe, (...).” (DESCARTES, 1988, 50). Melhor: “Todas as maneiras de pensar que experimentamos em nós podem reduzir-se a duas gerais. Consiste uma em apreender pelo entendimento e a outra em determinar-se pela vontade. Assim, sentir, imaginar e mesmo conceber coisas puramente inteligíveis são formas diferentes de apreender; mas desejar, ter aversão, confirmar, negar, duvidar são formas diferentes de querer.” (DESCARTES, 1989a, 79).
[5] Esta foi uma das grandes questões da qual Johann Gottlieb Fichte, ao seu modo próprio, cuidou, sobremaneira em seus “Princípios de toda a doutrina da ciência”, no terceiro princípio, de um modo particular, e no seu “O princípio da doutrina da ciência” (Ver, respéctivamente: FICHTE, Johann Gottlieb. A doutrina da ciência de 1794 / O princípio da doutrina da ciência. Tradução de J. Rubens Rodrigues Torres Filho. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 52-62 / 177-185. (Coleção Os pensadores: Fichte).
[6] Relativamente a isto, escreve-nos Descartes: “(...) não devemos considerar uma única criatura separadamente, quando pesquisamos se as obras de Deus são perfeitas, mas de uma maneira geral todas as coisas em conjunto. Pois a mesma coisa que poderia talvez, com alguma forma de razão, parecer muito imperfeita, caso estivesse inteiramente só, apresenta-se muito perfeita em sua natureza, caso seja encarada como parte de todo este Universo.” (DESCARTES, 1988, 49).
[7] Escreve Descartes: “(...) quando considero que duvido, isto é, que sou uma coisa incompleta e dependente, a idéia de um ser completo e independente, ou seja, de Deus, apresenta-se a meu espírito com igual clareza e distinção.” (DESCARTES, 1988, 47).
[8] Cf. DESCARTES, 1988, 47, em nota 97 do tradutor, observação que se faz a partir da obra: GUÉROULD, Martial. Descartes selon lórdre des raisons. Paris: Aubier, 1950. 2 v.
[9] DESCARTES, 1988, 51, em nota 118 do tradutor.
[10] Nessa perspectiva, a proposta de Nicolas Malebranche para resolver o problema do dualismo cartesiano, conhecida pelo nome “ocasionalismo”, apesar de fantástica, parece melhor respeitar, no sentido de se evitar qualquer intercâmbio entre a alma e o corpo, as primeiras disposições do pensamento do próprio Descartes, desde, por exemplo, o seu “Tratado do homem”, quando, claramente, desde o seu primeiro parágrafo, considera aí o homem apenas em sua condição corpórea, isto é, como uma “máquina”, como um “autômato”, e não em sua condição atual (alma/corpo) ou em sua essência (alma): “Este homens serão como nós, compostos de uma alma e de um corpo. E é necessário que eu descreva, primeiro, o corpo, separadamente, e depois a alma, também separadamente. Enfim, será necessário que eu mostre como estas duas naturezas devem estar unidas para compor os homens que se assemelham a nós.” (DESCARTES, 1993, 139). O segundo e terceiro momentos deste seu plano de estudo, apesar de anunciadas aí, não se encontram no “Tratado do homem”.

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