Pensar as coisas, pensar sobre o que se pensou e assim sucessivamente. Pensamento que se dobra sobre si mesmo, reflexão. A razão rumina a existência. Absortos, matutando, isto é filosofar. Pense conosco!

Acima, Caipira Picando Fumo
J. F. Almeida Júnior
Óleo sobre tela, 1893
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo





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10 de dez. de 2020

TEXTO XL: Bases do Materialismo Moderno e Contemporâneo.

Rodrigo Rodrigues Alvim 

01. Estamos numa condição temporal, a qual, em geral, denominamos “mundo”, “vida”, “existência”, “realidade”, etc. Nela, as coisas vêm a ser e deixam de ser, num movimento (devir) que nos permite intuir o tempo – são as coisas que nos são dadas à nossa sensação, as coisas “visíveis”, “materiais”.

02. Apesar disso, perpassando a história, vemos surgir nesses entremeios um pretenso atemporal ou eterno, também, por isso mesmo, denominado “extramundano”, “extraordinário”, “sobrenatural”, como se o mundo “visível” e “material” não pudesse ser compreendido (quiçá existir) por si mesmo, mas somente se pressupondo esse “invisível” e “imaterial”.


03. Essa distinção se reproduz de diversas maneiras e por diversos outros nomes. Na própria constituição humana, pareceu que o corpo corresponderia ao visível, material e corruptível, enquanto a nossa capacidade de pensamento, a alma, pareceu correspondente ao invisível, “espiritual” e eterno, pensamento capaz de apreender, inclusive, para além do imediatamente fugaz aos olhos corpóreos, o permanente e incólume.

04. O caráter naturalmente precário e contingente do sensível foi, enfim, desabonado como fonte e suporte do que se apresentava como impossibilidade de ser de outro modo (o necessário e essencial, que não pode deixar de ser, imutável e absoluto).

05. Desde a antiguidade da nossa cultura, exemplos, nesse sentido, foram multiplicados. Paradoxalmente, até no movimento encontrou-se o imobilismo, como no movimento dos planetas, o “sempre e mesmo” movimento, o cíclico. Notou-se na multiplicidade do movimento de uma espécie de animal, um hábito que nos sugeriu a existência de um mesmo “instinto”. Aliás, o termo espécie já é uma expressão de uma “conformidade” entre inumeráveis indivíduos. As matemáticas também nos concatenam, desde os seus primórdios, tantas outras expressões universais, “abstratas” aos dados sensivelmente imediatos.

06. Assim, mesmo quando os primeiros filósofos da cultura grega tentaram uma compreensão do mundo prontamente manifesta a partir do próprio mundo, alheia às entidades fundantes míticas e religiosas, apresentando a “água”, o “ar”, o “fogo”, a “terra” como a origem de tudo, essa abordagem significou o salto inaugural da maneira racional de compreender o nosso mundo por si só, mas não foi suficiente para romper radicalmente com a ideia de transcendentes ao mundo, bem ilustrado no pensamento de quem é considerado o primeiro filósofo ocidental, Tales de Mileto, a quem se atribui, por um lado, a afirmação de que a “água” é a origem de tudo e, por outro lado, de que tudo está prenhe de “deuses”.


07. O “humano, mundano e profano” também foram apresentados como antitéticos ao “divino e sagrado”, reforçando essa distinção entre o transitório e o imutável, entre o material e imaterial. No período medieval ou feudal da cultura europeia, quando predominou a cosmovisão religiosa de mundo, a igreja cristã se tornou a guardiã maior desse dualismo e Deus, por sua vez, a entidade absoluta por excelência, traduzindo-se na filosofia especulativa e racionalista no supraconceito do pensamento metafísico, abstrato, dogmático e imaterial.

08. Por esse mesmo prisma, também se pode compreender em alguma medida a modernidade, pois uma de suas características marcantes é o que se nomeou “processo de secularização”. “Secular” é, por sua etimologia, aquilo que está no tempo. Trata-se, portanto, do que é imanente e não transcendente ao mundo imediatamente dado aos nossos sentidos e material.

09. No âmbito das reflexões políticas modernas, esse “processo de secularização logo se fez sentir. O antigo regime estava assentado na governança monárquica absolutista, que, por seu tuno, estava assentado na ideia do direito divino dos reis, pela narrativa de que Deus mesmo havia escolhido o primogênito humano para governar e que o rei de então era o mais próximo dessa origem. Sem detalhar, podemos ver surgindo, nesse contexto, filósofos que defenderão que o poder não advém de Deus, mas de um acordo que os homens (que assim se tornam uma comunidade) fazem entre si, seja para preservar pretensos direitos naturais (sua vida, sua liberdade, suas posses) ao modo de um John Locke, seja para assegurar simplesmente a duração da vida, ao modo de um Thomas Hobbes. Mesmo antes, por Nicolau Maquiavel, tentou-se pensar o comportamento político, em especial do governante, não mais à luz de valores etéreos, universais e transcendentes (como estabelecia a ética religiosa cristã), mas como resultado do próprio interesse humano de manter a ordem vigente, podendo inclusive recorrer a meios condenáveis ética e religiosamente, todavia efetivos para a própria manutenção do poder e do “status quo”. Portanto, o que move a política são estritamente os interesses humanos – e comumente os mais baixos – e não a observância de preceitos sagrados. Vê-se, por esses exemplos, que o pensamento moderno tendeu a esclarecer os próprios atos humanos, as suas interações e disposições por motes mundanos mesmo e não mais por motes ideais e veneráveis.


10. De igual modo, podemos encontrar os delineamentos desse "processo de secularização" na elaboração da cosmologia e física modernas. Já Galileu-Galilei defendia que os textos bíblicos não tinham interesse em tratar das coisas naturais e que, portanto, não seria coerente recorrer a eles para contrapor argumentos à sua investigação da natureza, que se pretendia comprovada por suas observações da natureza, especialmente da lua e de Júpiter - ressalvando-se que hoje se sabe que algumas de suas importantes “experiências” não eram propriamente sensíveis, porém mentais (como a ideia do movimento no vácuo e inercial). Como Galileu, também Kepler e Newton não contrapuseram os resultados de suas pesquisas naturais à teologia cristã, mas trataram de considerar que o interesse e modo de tratamento dessas duas áreas eram completamente diferentes, auxiliados por filósofos importantes, que, no contexto dos primeiros séculos da modernidade, abordaram questões de método investigativo adequado à ciência, como René Descartes e Francis Bacon, que, embora apresentando instâncias de decisão últimas do real e verdadeiro diferentes (respectivamente, a capacidade racional e a capacidade de experiência sensível), ambas instâncias eram estritamente humanas e comuns a todos os seres humanos, não dependendo de uma ocasional revelação divina, como se pensava presente na própria escrituração da Bíblia ou em outras ocorrências que consideravam sobrenaturais - os milagres. Para muitos desses pensadores da modernidade, a ordem do mundo é expressão da inteligência de um arquiteto divino e que podia o ser humano, dotado de inteligência, revelar, independentemente da ação direta de Deus. A ideia de um Deus como um relojoeiro e o mundo como o seu relógio bem ilustrava o quanto o funcionamento da criatura já não mais dependia da presença do seu criador. A inteligência do criador estava no seu relógio, mas já não era o seu próprio criador, de tal modo que, nesta distinção, Deus era transcendente (e imaterial, pois não espácio-temporal) e, como tal, completamente transcendente às capacidades humanas, e o mundo era o imanente (e material, pois submetido ao tempo e ao espaço), no qual estamos inseridos, sendo-nos acessível e passível de ser por nós perscrutado diretamente, alcançando as constantes de seus movimentos. Pouco a pouco e cada vez mais, a teoria do conhecimento moderna acreditava-se desvinculada dos pressupostos metafísicos, ainda predominantemente compreendida como o que não nos é dado imediatamente aos nossos sentidos corpóreos.


11. Essa tendência no campo epistemológico moderno alcançou o seu ápice com a ciência pensada ao modo kantiano, que tenta manter a ciência para dentro dos limites da razão humana e que se constrói a partir da experiência. Para além dos limites dessas nossas capacidades, somos incapazes de conhecimento rigoroso, ficando entregues às especulações, antinomias ou aporias lógicas, divagações e ilusões. Em contrapartida, temos aqui um “subjetivismo transcendental”, que incidirá numa efervescência filosófica chamada “idealismo alemão”, que na pena de Hegel tudo reduzirá a um “Espírito Absoluto”, a uma unidade inegavelmente metafísica, ainda que se apresente como desdobramento histórico panteico.


12. É nesse período de predominância do pensamento hegeliano que surgem as reflexões de Ludwig Feuerbach, que inclusive participa de um grupo de pensadores “revolucionários”, a “esquerda hegeliana. O importante na obra de Feuerbach é que ela se irrompe no seio da esfera que se tem inequivocamente como “metafísica”, a religião, alvejando a concepção maior da filosofia da religião, o conceito de Deus, reduzindo toda teologia a uma antropologia, ou seja, reduzindo todo o seu caráter ainda metafísico às contingências das necessidades mais mundanas do ser humano, que é a de expressão de si próprio, mas dialeticamente. Tudo o que é limite ou falta em si mesmo (subjetivo), o homem o projeta para fora de si (objetivo): se o homem conhece algumas coisas, mas não tudo, a onisciência está para além do humano; se o homem tem algum poder, mas não todo poder, a onipotência está para além dele; se o homem se faz presente aqui e agora, a onipresença é algo para além dele... Ou seja, projetamos para fora de nós mesmos o que, sendo falta em nós, se nos apresenta como objeto maior do nosso amor, acreditando que o poder infinito, o conhecimento infinito, etc., são o próprio infinito, ao qual também chamamos de Deus ou Absoluto. Em Deus se encontra maximamente o que almejamos e, assim, amamos a Deus sobre todas as coisas. E como Deus (embora assim criado por nós) nos parece ulteriormente maior do que nós mesmos, tomamo-lo não na condição de objeto (como realmente é), mas como sujeito, ao mesmo tempo que nós que o criamos disso esquecemos e nos percebemos a nós mesmos como por ele criados, na condição, pois, de objetos. Finalmente, consideramos que fomos criados por ele à sua imagem e semelhança, não obstante, em verdade, fomos nós quem o criamos à nossa imagem e semelhança. Conclui-se disso, que nem mesmo o sumo-conceito metafísico tem a existência em si e por si mesmo, mas é produto humano, não ultrapassando as cercanias mundanas. Tudo sucumbe à condição concreta do mundo humano. Estabelece-se, assim, as bases do materialismo contemporâneo, seguro que o Deus da religião está morto, por não ser precisamente como o homem religioso o pensa, mas não é irreal, quando é compreendido como a expressão máxima e infinita de tudo o que o ser humano mais ama.

29 de out. de 2020

TEXTO XXXIX: Algumas Palavras sobre a Ética Kantiana.

Rodrigo Rodrigues Alvim

01. Tratamos em outro texto (1) do pensamento de Immanuel Kant em relação à ciência. Segundo as razões apresentadas pela filosofia kantiana, a ciência seria o único modo de compreensão e expressão de mundo que poderia ser adequadamente denominado “conhecimento”. Isto seria o mesmo que dizer que tratamos de uma de duas de suas obras de maior referência ainda hoje, intitulada Crítica da Razão Pura, na qual Kant define a capacidade racional humana, cujos limites estabelecem o que humanamente podemos conhecer (cientificamente) e o que, estando para além das fronteiras dessa nossa capacidade racional, não podemos conhecer. Toda essa reflexão kantiana acontece, obviamente, em seu diálogo indireto com as principais considerações epistemológicas de seu contexto, da cultura europeia moderna, expressas sumamente por quatro vertentes, o intelectualismo, o empirismo, o fideísmo e o ceticismo, das quais também já tratamos em outro texto (2). Disso resultou a posição epistemológica paradigmática à transição da modernidade para a contemporaneidade filosófica europeia, a qual comumente denominamos “criticismo”, que assim pautará as dedicações das filosofias mais marcantes do início deste período histórico ao qual ainda dizemo-nos pertencer.


02. A Crítica da Razão Pura defendeu ao seu modo a tese do filósofo David Hume quanto à impossibilidade de um conhecimento da natureza pretensamente metafísico, insistindo Kant, pois, que todo conhecimento começa com a experiência do mundo, precondição da “nova” ciência, da ciência moderna a que as obras “físicas” de Galileu-Galilei e Isaac Newton estavam filiadas. Pela dialética das formas da sensibilidade e das categorias do entendimento humanas aplicada à matéria da experiência, temos para nós um mundo onde tudo acontece em arranjo necessário, expressas em leis científicas. No contexto desse “reino da necessidade”, onde as coisas só podem assim ser, a ciência é imperatriz e resultado de uma razão que reconhece os seus próprios limites, daí concluindo que muito se pode conhecer, mas não o que possa se encontrar para além desses seus limites, como a metafísica historicamente se aventurou em temas como a existência de Deus, a liberdade da alma humana, o mundo em sua inteireza.

03. Nem tudo, todavia, termina aí para Kant, o que nos revela aquela segunda obra que, com a Crítica da Razão Pura, garantiu fama ao seu autor, obra que recebeu o título de Crítica da Razão Prática.


04. A história da filosofia foi vivamente movida por atenção a dois horizontes: pelo horizonte concernente ao conhecimento humano (e verdadeiro) acerca do mundo e pelo horizonte concernente ao agir humano (e virtuoso) no mundo. Para Kant, é a ciência que adequadamente realiza o primeiro, sendo a ética a realização do segundo. Se a ciência cuida do conhecimento do “reino da necessidade”, conforme ao que no mundo é ou pode ser, a ética nos reporta à ação humana no “reino da liberdade”, conforme ao que deve ser. Se no primeiro reino o homem se submete à experiência do mundo – o que faz da ciência obrigatoriamente “antimetafísica”, no segundo reino o homem decide sem levar em conta o que o mundo possa lhe oferecer, o que, neste sentido, faz da ética uma manifestação “metafísica”. 

05. Compreendamos isso melhor, mas já tomando por certa a nossa compreensão da concepção dessa ciência “antimetafísica” em Kant, pelo que, já dito, tratamos em outro lugar, de maneira que agora ficamos tão-só disponíveis à abordagem ética.

06. Como a responsabilidade da ação humana só pode ser atribuída ao sujeito da ação enquanto sujeito livre, Kant não permite uma associação da ética à “heteronomia” ou, em outras palavras, da decisão do agir por uma adesão a uma norma ou regra originalmente estranha ao sujeito da ação e, neste sentido, “mundana”. A determinação da ação do sujeito deve se dar a partir da consciência que ele é e a partir da qual ele, portanto, responde ao que o contexto lhe coloca. Então, Kant propõe uma decisão que acontece no mundo em que o humano se insere, mas que não se impõe pelo mundo ao humano. A responsabilidade e virtuose éticas evocam “autonomia” do sujeito. Veremos, contudo, que esta decisão subjetiva não é relativa ou arbitrária, porém, muito pelo contrário, é ela, por princípio, universal, pois radica na consciência de todo e qualquer ser humano, uma vez que, para Kant, como igualmente presente em sua epistemologia, o que nos faz especificamente humanos é compartilharmos de uma mesma estrutura psíquica ou mental, uma consciência ou razão que Kant chama de “transcendental”, de tal modo que todas as particularidades são, para ele, aquisições posteriores que, aqui, não devem ser levadas em conta. Essas aquisições “a posteriori” são de interesse de uma antropologia empírica (que hoje denominaríamos predominantemente de cultural). À antropologia “transcendental” kantiana, somente aquela estrutura formal e inata em todo e qualquer ser humano importa na garantia de uma instância que seja, por consequência, universal ao humano e universalizante do humano.

07. Observa-se, então, que Kant, em sua obra ética Crítica da Razão Prática retorna à sua concepção do sujeito transcendental, cuja estrutura não se define pelos contextos acidentais vividos por cada ser humano, mas por aquilo que ele é aprioristicamente, como que antes de toda e qualquer experiência sua no mundo ou contextualização particular. Para Kant, o sujeito transcendental é constituído do que ele denominou “imperativos categóricos”, de mandatos de ação presentes em toda consciência humana e que se fazem ouvir no sujeito que, estando no mundo, tem que tomar decisões em conformidade com essa sua própria consciência transcendental, incondicional, garantindo-lhe, assim, a sua liberdade, responsabilidade e decisão eticamente adequada. Escreve Kant:

“Proposições fundamentais práticas são proposições que contêm uma determinação universal da vontade, « determinação » que tem sob si diversas regras práticas. Essas proposições são subjetivas ou máximas, se a condição for considerada pelo sujeito como válida somente para a vontade dele; mas elas são objetivas ou leis práticas, se a condição for conhecida como objetiva, isto é, como válida para a vontade de todo ente racional.” (3).

08. Esses “imperativos categóricos” que devem nos nortear a todos e não somente a alguns e em determinadas situações são diferentes dos “imperativos hipotéticos”, pois enquanto estes últimos visam a determinados fins no mundo, sendo a sua fórmula “se (queres) X, então (faças) Y”, aqueles primeiros não estabelecem propriamente finalidades ou, na insistência de se manter tais termos, só se poderia dizer que eles têm fins em si mesmos, na própria consciência transcendental dos quais são constitutivos, na humanidade, jamais admitindo o próprio humano como meio, sendo a sua fórmula simplesmente “(deves) W”, quando, pois, à possível pergunta “mas, por que devo?”, não se tem resposta em outra coisa, senão nele mesmo: devo porque devo.

09. Quem, pois, assim não decide, porém decide pelo que o mundo, o seu contexto, possa naquele momento lhe impor como determinação de sua ação, torna-se escravo do mundo, não é livre, é “heterônomo” e se põe tutelado ao mundo, à experiência do mundo, como se assim não houvesse ainda saído de uma menoridade moral. Eis, para Kant, a lei fundamental da razão prática pura:

“Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal.” (4).


10. Como palavras finais, deixo as palavras finais do próprio Kant em sua obra Crítica da Razão Prática, num paralelo breve do que tratou nesta obra (a ética) e o que tratou na Crítica da Razão Pura (a ciência):

“Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre nova e crescente, quanto mais frequente e persistentemente a reflexão ocupa-se com elas; o céu estrelado acima de mim e a lei moral em mim. Não me cabe procurar e simplesmente presumir ambas como envoltas em obscuridade, ou no transcendente além de meu horizonte; vejo-as ante mim e conecto-as imediatamente com a consciência de minha existência. A primeira começa no lugar que ocupo no mundo sensorial externo e estende a conexão, em que me encontro, ao imensamente grande com mundos sobre mundos e sistemas de sistemas e, além disso, ainda a tempos ilimitados de seu movimento periódico, seu início e duração. A segunda começa em meu si-mesmo [Selbst] invisível, em minha personalidade, e expõe-se em um mundo que tem verdadeira infinitude, mas que é acessível somente ao entendimento e com o qual (mas deste modo também ao mesmo tempo com todos aqueles mundos visíveis) reconheço-me, não como lá, em ligação meramente contingente, mas em conexão universal e necessária. O primeiro espetáculo de uma inumerável quantidade de mundos como que aniquila minha importância enquanto criatura animal, que tem de devolver novamente ao planeta (um simples ponto no universo) a matéria da qual ela se formara, depois que fora por um curto espaço de tempo (não se sabe como) dotada de força vital. O segundo espetáculo, ao contrário, eleva infinitamente meu valor enquanto inteligência, mediante minha personalidade, na qual a lei moral revela-me uma vida independente da animalidade e mesmo de todo o mundo sensorial, pelo menos o quanto se deixa depreender da determinação conforme a fins de minha existência por essa lei, que não está circunscrita a condições e limites dessa vida mas penetra o infinito.”

“No entanto, admiração e respeito podem, em verdade, estimular a investigação, mas não substituir a sua falta. Que é que se precisa, pois, fazer para pôr em marcha esta investigação de modo útil e adequado à sublimidade do objeto? Exemplos podem servir aqui de advertência, mas também para a imitação. A contemplação do mundo começou do mais grandioso espetáculo que só os sentidos humanos podem sempre oferecer e que só o nosso entendimento, em sua vasta abrangência, pode sempre suportar perseguir, e terminou – na astrologia. A moral começou na mais nobre propriedade da natureza humana, cujo desenvolvimento e cultura voltam-se a uma utilidade infinita, e terminou – no fanatismo [Schwärmerei] ou na superstição. Assim se passa com todas as tentativas ainda rudes, nas quais a parte mais nobre do ofício depende do uso da razão, que não se verifica por si mesmo, como o uso dos pés, pelo exercício frequente, principalmente se ele concerne a propriedades que não podem apresentar-se tão imediatamente na experiência comum. Mas depois que, embora tardiamente, entrou em voga a máxima de examinar antes bem todos os passos que a razão se propõe dar, e de não a deixar seguir o seu curso de outro modo que na linha de um método bem refletido o ajuizamento do sistema do universo tomou uma direção totalmente diversa e, com essa, ao mesmo tempo uma saída incomparavelmente mais feliz. A queda de uma pedra, o movimento de uma funda, resolvidos em seus elementos e nas forças que neles se mostram e elaborados matematicamente, produziram enfim na estrutura do mundo aquela perspiciência clara e imutável para todo o futuro, que pela observação continuada só pode esperar ampliar-se sempre, mas jamais deve temer que tenha de voltar atrás. 

“Aquele exemplo pode aconselhar-nos a encetar agora este caminho no tratamento das disposições morais de nossa natureza e dar-nos esperança de um bom êxito semelhante. Pois temos à mão os exemplos da razão que julga moralmente. Ora, analisando-os em seus conceitos elementares, propondo-se – mediante repetidos ensaios sobre o entendimento comum – na falta da Matemática, um procedimento, contudo, semelhante à Química, de separar o empírico do racional suscetível de encontrar-se neles, podem ambos os elementos ser com certeza reconhecidos por nós em sua pureza e o que cada um possa por si só realizar. Deste modo pode em parte evitar-se a desorientação de um ajuizamento ainda rude e pouco exercitado e, em parte (o que é de longe mais necessário), as extravagâncias do gênio, pelas quais, como sói acontecer com os adeptos da pedra da sabedoria, sem nenhuma investigação metódica e nenhum conhecimento da natureza são prometidos tesouros sonhados e são dissipados tesouros verdadeiros. Em uma palavra, a ciência (buscada criticamente e introduzida metodicamente) é a porta estreita que conduz à doutrina da sabedoria, se por esta não se entender simplesmente o que se deve fazer, mas o que deve servir de norma a mestres para aplanar bem e demarcadamente o caminho da sabedoria, que cada qual deve seguir, e proteger a outros de caminhos falsos; uma ciência cuja guardiã tem que permanecer sempre a Filosofia, em cuja investigação sutil o público não tem de tomar nenhuma parte, mas certamente nas doutrinas, que após uma tal elaboração podem tornar-se pela primeira vez verdadeiramente claras a ele.” (5).
___________________________ 

(1) “Immanuel Kant e a ciência”. 
(2) “Traços da filosofia moderno” 
(3) KANT, Immanuel. Crítica a razão prática. Tradução, introdução e notas de Valerio Rohden. 4. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016. p. 31-32. 
(4) Idem. p. 51. 
(5) Idem. p. 255-258.

11 de nov. de 2016

TEXTO XXXVIII: Immanuel Kant e a Ciência


Rodrigo Rodrigues Alvim

01. Não obstante houvesse, no início da modernidade, diferentes filósofos em disputa quanto à instância de garantia última do conhecimento, sobressaindo, de um lado, os racionalistas e, por outro, os empiristas, já, no século XVIII, os pensadores denominados iluministas tenderam a considerar o conhecimento como uma conciliação dessas duas capacidades humanas: de razão e de experiência.


02. A sistematização oferecida por Immanuel Kant à tese de que o conhecimento (ciência) é resultado do esforço conjunto das atividades racionais e empíricas marcou a filosofia, senão toda a cultura ocidental, sendo, para alguns, um divisor de águas entre a modernidade e a contemporaneidade. De fato, foi um pensamento que permitiu nascer um novo cenário na filosofia, promovido, por sua vez, por filósofos de grande envergadura, como aqueles que elencam o movimento denominado Idealismo Alemão e que, como já se observa nessa expressão, coloca definitivamente os germânicos no rol dos grandes pensadores ocidentais.

03. Lia-se, no contexto de Kant, respeitáveis filósofos em defesa da fundamentação empírica na elaboração do conhecimento, capaz de não deixar com que este terminasse em vãs especulações, tal qual já avaliavam muitas das chamadas “querelas medievais”, que pressupunham as mais fantasiosas entidades etéreas para justificar uma proposição por uma prévia ideia geral do mundo. Destacamos aqui, para exemplificar o empirismo, a obra Ensaios sobre o conhecimento humano, de John Locke, que recupera a tese aristotélica de que “nada há no intelecto humano que não tenha passado primeiramente pelos sentidos”, ou seja, sem os dados sensoriais, sem a experiência do mundo, a razão humana é uma “tabula rasa” (uma tábua lisa), literalmente sem qualquer marca ou expressão, um papel em branco, um vazio, simplesmente inexistente.

04. Havia, no extremo oposto, contudo, obras de filósofos que defendiam que os dados instáveis e até mesmo contraditórios fornecidos pelos sentidos humanos acerca do mundo não são capazes de justificar as certezas que a ciência considera possuir. Tais certezas – sugerem – são, de algum modo, fornecidas pelo próprio pensamento humano ao pensá-las. Como contraponto ao empirismo, podemos destacar a obra, de Gottfried Wilhelm Leibniz, Novos ensaios sobre o conhecimento humano, na qual esse autor repete Locke, no sentido de que “nada há no intelecto humano que não tenha passado primeiramente pelos sentidos”, mas acrescenta, em seguida, “a não ser o próprio intelecto”. Este adendo firma a posição racionalista de Leibniz: o intelecto humano, antes de toda e qualquer experiência, não é uma “tabula rasa” ou um vazio como presumiam os empiristas. Porque humano, tal intelecto devia ser algo precisamente determinado ao modo de um intelecto humano, de tal maneira que o dado empírico é compreendido à luz dessa predeterminação ao modo, para Leibniz, de “ideias virtuais”.

05. Nesse contexto, provocado sobretudo pela obra de um empirista escocês chamado David Hume, que, ao combater quaisquer pressupostos metafísicos dos racionalistas, depara-se com o ceticismo, Kant propõe examinar se há razão humana antes de toda e qualquer experiência do mundo. Assim, importa a Kant que a razão se esforce, antes de atuar criticamente sobre os dados de experiência das coisas, para tomar-se a si mesma como alvo primeiro de sua própria crítica. Essa descentralização ou deslocamento, que vai do exercício do pensamento humano sobre as coisas para o ato do pensamento pensar a si próprio, Kant o compara à Revolução Copernicana que descentralizou a Terra e colocou o Sol como eixo do Cosmos. E é precisamente essa “Revolução Copernicana Kantiana” que justificará o título da mais famosa obra de Kant, Crítica da razão pura, entendendo que crítica é justamente prerrogativa da razão. Enfim, esta razão se torna centro de seu interesse, quanto àquilo que ela é necessariamente e independente, pois, de tudo mais que se lhe possa agregar, tratando-se, dessa forma, da razão “pura”, “a priori” ou, como preferirá Kant dizer, “transcendental”.

06. Se, como disse Kant, foi Hume que o despertou do sono do dogmatismo, o que se seguiu foi a tese kantiana contra Hume, de que a rotina sobre as coisas que consideramos assim conhecer não é condicionada por nossos hábitos adquiridos de repetidas experiências e projetadas, sob a forma de crença e expectativa, em relação às coisas e aos acontecimentos por vir, mas é-nos assegurada, isto sim, por determinações originalmente constitutivas do que denominamos “razão” – formas e categorias “a priori”. O esforço de Kant é, portanto, como que esvaziar a razão de tudo o que lhe é estranho e que ela absorveu da experiência das coisas do mundo, para, por fim, avaliar o que restou e do qual não é possível se desfazer, sem que igualmente a razão se desfaça de si mesma. O que assim soçobra é acidental à razão, restando-lhe apenas o que lhe é constitutivo. Porém, o que lhe é constitutivo, sem mais, só pode ser pensado, mas não propriamente conhecido, conforme diz-nos Kant, porque o conhecimento exige, além dessa forma racional apriorística, a matéria da experiência, na qual aquela possa se aplicar e moldar. Curiosamente, Kant responde metafisicamente a impossibilidade de um conhecimento ou ciência metafísica, ou seja, que despreze a experiência do mundo, mas também considera inaceitável a defesa de um conhecimento ou ciência que se constitua de experiências que se arranjem por si sós e que se depositem num receptáculo mental humano completamente passivo e inoperante. Escreveu ele, ao dar a público a sua Crítica da razão pura: “O conhecimento começa com a experiência, mas nem todo ele advém da experiência.”

07. Desse modo compreendido, percebe-se que Kant elaborou uma teoria do conhecimento efetivamente incapaz de dissociar o sujeito epistêmico da coisa que pretende conhecer. O resultado dessa relação, para ele, é o conhecimento de um objeto. Em outros termos, o que se conhece é o que a coisa é ao modo das predeterminações ou constituição inata do que denominamos capacidade racional do ser humano. Não é, por conseguinte, a compreensão da coisa em si mesma (“noumenon”), porém daquilo que a coisa é para nós (“fe-noumenon”). Claramente, para Kant, o que tomamos por mundo é representação humana. Entretanto, não é representação qualquer, mas assentada, de um lado, em formas e categorias precisas da mente humana e, por outro lado, na coisa tal e qual. Nada além disso, de maneira que Kant condena qualquer elemento passional ou tendência emotiva entre esses extremos e capaz de variar e comprometer a objetividade. Assim, outra curiosidade no pensamento kantiano: o conhecimento é humano, é subjetivo, não impossibilitando, contudo, vencer o relativismo epistemológico; ao contrário, porque somos detentores de mesma capacidade racional, formalmente, e enquanto estamos diante das mesmas coisas, sem mais, conhecemo-las do mesmo modo.

08. O aparato racional inato que garante o mesmo “modus operandi” no trato das coisas do mundo, permitindo, assim, conhecê-las à maneira humana, é constituído por duas capacidades em nós: a faculdade de sensibilidade e a faculdade de entendimento.

09. Para Kant, as coisas sensíveis se dispõem, se organizam, se arranjam primeiramente (por nós, em nós e para nós) por duas formas que nos são “a priori”: o espaço e o tempo. Logo, contra o senso comum, a filosofia kantiana sustenta que espaço e tempo talvez não sejam nada independentemente de nós ou fora de nós. Não são, pois, possivelmente, propriedades ou predicados do mundo, mas são, certamente, formas pelas quais temos a sensação assim mesmo como nos ocorre: todo sensível se distribui no espaço e no tempo. Tal defesa não afronta apenas o senso vulgar, mas afronta igualmente a respeitada física moderna newtoniana, mesmo que seja esta última uma grande inspiradora do Iluminismo, movimento intelectual do qual Kant faz parte: se Isaac Newton considerou espaço e tempo como atributos universais da natureza (“physis”), Kant confirma tal universalidade, mas substituindo, paradoxalmente, seu estatuto físico por um estatuto psíquico, como homens que, possuidores de retinas róseas, sem que o saibam, apreendem um mundo rosado e sempre rosado, como rosado fosse todo o mundo.

10. Se as coisas nos são assim sensíveis (âmbito que Kant denominará “estética”), o que já implica alguma maneira humana de composição, sobre elas podem atuar as categorias ou conceitos, também “a priori”, da faculdade do entendimento humano (âmbito que, por seu turno, Kant chamará de “analítica”). São 12 (doze) essas categorias, que podem ser resumidas em 4 (quatro):

I
QUANTIDADE
II
QUALIDADE
III
RELAÇÃO
IV
MODO

1) Totalidade
2) Pluralidade
3) Unidade
1) Realidade
2) Negação
3) Limitação
1) Substância
2) Causalidade
3) Reciprocidade
1) Possibilidade
2) Existência
3) Necessidade

11. Entendemos as coisas (damo-las-nos) segundo tais categorias – o que não quer dizer que são tais coisas em si mesmas assim como nós as entendemos. Por isso, ajuizamos sobre as coisas segundo essas categorias, o que nos permite sobrepor-lhes o seguinte quadro de juízos:

1) Universais
2) Particulares
3) Singular
1) Afirmativos
2) Negativos
3) Indefinidos
1) Categóricos
2) Hipotéticos
3) Disjuntivos
1) Problemáticos
2) Assertóricos
3) Apodíticos

12. Exemplificando cada juízo:

1) Todo X é Y
2) Algum X é Y
3) Este X é Y
1) X é Y
2) X não é Y
3) X é não-Y
1) X é Y
2) Se X é Y e Y é Z, então X é Z
3) X é Y ou X é Z
1) É possível que X é Y
2) De fato, X é Y
3) Necessariamente, X é Y

13. Isto responde, ao modo kantiano, à pergunta de David Hume de como podemos considerar conexões habituais (advindas das simples experiências corriqueiras e afins, mas contingentes) como conexões necessárias, o que para Hume é logicamente impossível, ilusório e sustentado na precariedade psicológica do costume e da crença de que o futuro dar-se-á tal e qual o passado. Contudo, para compreendermos melhor isso, precisamos recuperar as considerações que preliminarmente Kant faz acerca dos juízos.

14. Segundo a tradição, que Kant adota, há juízos acerca das coisas que são “analíticos” ou “sintéticos”, bem como “a priori” ou “a posteriori”.

15. Se ajuízo que “o corpo é extenso”, realizo um juízo analítico, pois, ao analisar o que faz de um corpo exatamente corpo, entendo que é tudo aquilo que necessariamente o constitui ou tudo aquilo sem o que o corpo deixa de ser o que é: corpo! Ora, ao enumerar esses predicados essenciais a todo e qualquer corpo, vejo ali a “extensão”. Não há como pensar corpo que já não seja algo extenso e de tal maneira que consideramos que todo corpo ocupa um lugar no espaço. Logo, caso eu ouça alguém gritando “olha, um corpo”, sei que este corpo, embora dele eu não tenha experiência, é obrigatoriamente algo extenso ou, do contrário, não é um corpo. Daí que tal predicado não é um acidente ao corpo, mas um atributo do corpo em geral, universal. Podemos, então, ousar dizer não somente que “o corpo é extenso”, mas que “todo corpo é extenso”, os já dados à nossa sensação ou não. Por isso mesmo, todo juízo analítico é também “a priori”, quero dizer, pode ser considerado antes que dele se tenha experiência, como acabamos de fazer no exemplo dado. Trata-se de um juízo estritamente conceitual, racional.

16. Se ajuízo que “o corpo é móvel”, realizo um juízo sintético, pois, ao analisar o que faz de um corpo exatamente corpo, entendo que é tudo aquilo que necessariamente o constitui ou tudo aquilo sem o que o corpo deixa de ser o que é: corpo! Ora, ao enumerar esses predicados essenciais a todo e qualquer corpo, não vejo ali a “mobilidade”. Há como pensar corpo que seja algo “móvel” ou “não móvel”. Logo, caso eu ouça alguém gritando “olha, um corpo”, não sei dizer, sem a experiência do mesmo, se ele está em movimento ou não. Daí o predicado “móvel” (poderia se “imóvel”) é um acidente ao corpo, um atributo que lhe é acessório, que lhe é associado ou sintetizado contingentemente. Por isso mesmo, todo juízo sintético é também “a posteriori”, quero dizer, só posso considerá-lo após dele ter experiência. Trata-se de um juízo imediato e sensível. Neste limite da minha experiência (e acompanhando o exemplo dado), só me cabe dizer que “este corpo é móvel” ou (porque conceitualmente pode deixar de sê-lo ou de outro corpo não o ser) que “algum (ou pelo menos um) corpo é móvel”.

17. Daí, podemos sumamente dizer que para a tradição filosófica havia dois tipos de juízos: os juízos analíticos “a priori” e os juízos sintéticos “a posteriori”. Isso fez com que, por suas características opostas, duas vertentes de pensamento se digladiassem, respectivamente: o racionalismo e o empirismo.

18. Os juízos analíticos “a priori” apresentavam a vantagem de serem enunciados indiscutíveis, donde um René Descartes pudesse, então, pretender erguer o edifício da ciência logicamente rigorosa. Todavia, esses juízos foram acusados de ter a sua certeza calcada numa espécie de redundância, como a tautologia A = A, o que, se por um lado é evidente, por outro lado é praticamente inútil, sendo geralmente chamados de juízos “metafísicos”.

19. Os juízos sintéticos “a posteriori” apresentavam a vantagem do conceito predicado acrescentar algo novo ao conceito sujeito da proposição, o que lhe é assegurado,segundo Francis Bacon, pela experiência do mundo. Porém, o próprio Bacon já compreendia o defeito lógico da indução e que, em tese, produzia prejuízos à garantia técnica no poder de intervenção desse tipo de saber.

20. Foi nesse contexto, pouco promissor, que Kant ousou elaborar uma questão que, se não fosse imediatamente absurda à tradição filosófica, lhe seria de fácil resposta negativa. Perguntou ele sobre a possibilidade de um tipo de juízo que preservasse somente as vantagens de ambos os juízos tradicionais, ao qual chamou de “juízo sintético ‘a priori’”, ou seja, uma proposição pela qual houvesse um incremento do saber (pois, sendo sintético, o conceito predicado acrescentaria algo novo ao conceito sujeito), mas, simultaneamente, este vínculo fosse necessário e não contingente. Surpreendentemente, a resposta que o próprio Kant deu à sua questão não foi negativa. Kant defendeu que há esse tipo de juízo, que é ele o único que se pode fielmente chamar de “conhecimento”, que ele implica uma feliz conciliação de razão e experiência, que é por ele que a ciência moderna se constrói. Por isso mesmo, as teorias científicas se pretendem respaldadas pela experiência do mundo, ao mesmo tempo em que se pretendem universais.

21. Quando dizemos, por exemplo, que “a reta é a menor distância entre dois pontos”, percebemos que o conceito predicado é quantitativo (pois expressa uma medida), mas que o conceito sujeito não é quantitativo, mas qualitativo (tanto que estudamos a reta ao lado de outras ideias como a curva e a quebra – que não se distinguem entre si pelas medidas que têm; aliás, podemos até pensá-las tendo a mesma medida e nem, por isso, são idênticas). Ora, se assim é, então também é inegável que o predicado (quantitativo) acrescenta algo novo ao sujeito (qualitativo). No entanto, tal predicado não é acidental ao sujeito, mas lhe é necessário e universal.

22. Essa novidade, Kant a apresenta como possível, porque, embora possa o homem incrementar o saber através de sua capacidade de experiência do mundo, o modo pelo qual tal material que daí resulta é articulado são segundo as formas e as categorias inatas a todo homem e as quais chamamos, enfim, de razão humana, conforme elucidamos antes. Para Kant, somente esse produto pode ser denominado “conhecimento”. Escreveu ele, nesse sentido, que “conceitos [categorias] sem intuições [intuições sensíveis, matéria da experiência] são vazios e intuições sem conceitos são cegos”.

23. Essa teoria do conhecimento é, para Kant, um despertar do sono dogmático da filosofia metafísica (avessa à experiência do mundo para a construção de um pensar rigoroso), do qual ele mesmo se disse, certa vez, vítima, mas não deixou de ser também um despertar para os que fossem vítimas de um empirismo ingênuo que partia do pressuposto de que as coisas se arranjavam por si mesmas e se davam como tal a um sujeito do conhecimento que fosse “tabula rasa”. Para Kant, o sujeito cognoscente tem que se desfazer de todos os sentimentos, emoções, paixões e tendências passionais que comprometerão a lisura de sua investigação científica, mas não tem como se desfazer da precondição correspondente ao seu aparato psíquico e racional, constitutivo de todo ser humano (por ser precisamente isso que o faz humano). É esta precondição que Kant chama de “transcendental”.


24. Apesar disso tudo, Kant termina a sua obra Crítica da razão pura inquieto com uma questão que será o fio condutor para a sua Crítica da razão prática. Kant considera a ciência como produto da modernidade, como produto recente da humanidade. Ao contrário, a metafísica é algo à qual a humanidade se dedica há muito mais tempo. Ora, se a metafísica não alcança o estatuto de ciência do mundo (defesa de Kant), qual é o estatuto da metafísica, que a fez produto cultural secular do Ocidente? Oportunamente, podemos tratar dessa questão aqui, dando continuidade a este artigo, que, por ora, pretendeu apenas abordar a teoria do conhecimento do pensamento kantiano. Contudo, é instigante já adiantar que, para Kant, a metafísica não responde aos apelos epistemológicos que temos (e conforme vimos), mas aos nossos apelos éticos, isto é, aos desafios de como devemos nos conduzir na vida.

7 de mai. de 2011

TEXTO XIII: Traços da Filosofia Moderna

Rodrigo Rodrigues Alvim

01. Tamanho foi o impacto sofrido pelos europeus em razão do seu maior contato como o Extremo Oriente e, sobretudo, com o seu descobrimento do “Novo Mundo”, que o maior antropólogo do final do século XX, Claude Lévi-Strauss, ao desenvolver um estudo desse tempo, asseverou:

Nunca a humanidade tinha conhecido provação mais pungente, e nunca voltará a conhecer outra igual, a menos que um dia se verifique que outro globo, situado a milhões de quilômetros do nosso, é habitado por seres pensantes (1).


02. No século XVI, o mundo, especialmente a Europa, era um palco no qual se entrecruzava um sem número de modos de se pensar e se comportar, de objetos sobre os quais refletir e objetivos à vista dos quais agir. Entrecortava-se igualmente uma riqueza incalculável de espécimes de flora e de fauna. Todo e qualquer trabalho de síntese nesse contexto parecia não só temporariamente insuficiente, mas, para sempre, impossível de se realizar. O universal nunca pareceu tão ilusório. E quem nele ainda cria fez-se assim duplamente dogmático: primeiramente, no sentido mais antigo, consoante o que tudo aquilo que está para fora do conceito, tudo o que já não participa de algum modo do conceito é dado como falso e inexistente; em segundo lugar, no sentido pejorativo, segundo o qual aquilo que tem tão poucas chances de se fazer convencer numa discussão, deve-se furtar a qualquer embate crítico, tornando-se, pela esta sua própria recusa, indiscutível.

03. Por fim, na Europa que se fazia berço da “modernidade”, o próprio ato de se questionar se relativizava em cotejo com outrora. Nas viagens que se empreendia às Américas, costumava-se, quando de retorno, trazer de lá, junto a tantas outras novidades, alguns de sua própria gente. Foi, então, numa dessas ocasiões, que o filósofo Michel de Montaigne conheceu três índios com quem a nobreza francesa, conjuntamente com o Rei Carlos IX, entretinha-se. “Ensinaram-lhes como era uma cidade grande”. Entretanto, tão logo foi-lhes permitido, fizeram eles, os índios, três observações acerca de tudo o que viram no “Velho Mundo”, das quais citaremos apenas a última nos próprios termos do filósofo francês:


Observaram que há entre nós gente bem alimentada, gozando as comodidades da vida, enquanto metades de homens emagrecidos, esfaimados, miseráveis mendigam às portas dos outros (...); e acham extraordinário que essas metades de homens suportem tanta injustiça sem se revoltarem e incendiarem as casas dos demais (2).

04. Ainda que acreditando-se senhora e juíza do mundo, a Europa não pôde impedir que também se fizesse vítima de negativas avaliações, advindas de sociedades que violentamente submetia ao seu mando. E, como se já não bastasse, paralelamente a esta “crítica exótica” desenvolveu-se uma ofensiva no seu próprio interior, uma autocrítica ou “crítica esótica” que não a poupava menos de censuras e retaliações.

* * *

05. Fundamentalmente, quatro procedimentos filosóficos se destacaram no sentido de posicionar-se frente à nova situação do mundo moderno. São eles: o intelectualismo, o empirismo, o fideísmo e o ceticismo. Estes, no entanto, podem ser agrupados em duas denominações radicalmente excludentes: o racionalismo (que abarca aqueles dois primeiros) e o irracionalismo (que abriga os outros dois restantes).

06. Os racionalistas, como o próprio nome já deixa entrever, crêem na possibilidade da razão humana atingir verdades absolutas, ou por si mesma, isto é, a priori – é o caso de intelectualistas como René Descartes – ou por via da experiência, isto é, a posteriori – como é o caso de empiristas como John Locke. Os irracionalistas, então, têm uma opinião antagônica: a racionalidade do homem, pela própria finitude e contingência de todo humano, nunca seria capaz de abranger o absoluto em sua infinitude e transcendência. Somente por um ato de fé, afirmarão os fideístas, o homem alcançaria tal absoluto, mas que continuaria indemonstrável racionalmente. Mais extremistas, contudo, são os céticos, para quem nem por um engajamento absoluto apreenderíamos algo de inquestionavelmente verdadeiro. Assim, a suspensão de todo juízo último resume o seu único conselho.

07. A substituição da astronomia ptolomaica pela copernicana e da física aristotélica pela galileana era, para os racionalistas, a prova cabal do poder humano no conhecimento da verdade acerca do mundo, assim como a física newtoniana será, mais tarde, a “menina dos olhos” dos filósofos iluministas. Por conseguinte, o homem poderia encontrar conforto em si mesmo, em sua razão, do mesmo modo que, no feudalismo, o homem fez de sua fé num único Deus onipotente, onisciente, onipresente e providente (o próprio absoluto, universal e verdadeiro) o sustentáculo do seu universo. Neste caso, os filósofos modernos serão adeptos da religião natural que assevera que Deus criou o mundo, mas, logo após, como que o abandonou sob a regência de sua vontade, leis fixas, razão divina da natureza, cuja apreensão estaria a cabo do homem (criatura especial, dotado de razão pelo mesmo Deus, a fim de prever e prover segundo os seus interesses, os quais, obviamente, deveriam visar o bem da própria humanidade).

08. Todavia os céticos modernos não eram menos convincentes em sua desconfiança dessa autonomia da razão na apreensão da Razão Universal, pois ainda que esta de fato exista – diziam – não existe como tal, entretanto, para uma criatura determinada, isto é, com precisos limites sensíveis, intelectivos, lingüísticos, geográficos, históricos... E com referência aos prováveis avanços científicos, por exemplo, podemos ter um acesso à interpretação cética, recorrendo, outra vez, ao atento Montaigne:

O céu e as estrelas foram durante três mil anos considerados em movimento. todos acreditaram, até que (...) se lembrou de sustentar que a terra é que girava em torno do seu eixo (...); e em nosso tempo Copérnico demonstrou tão bem esse princípio (...). Quem sabe se daqui a mil anos outro sistema não os destruirá a ambos? (3).

09. Ainda mais adiante, tomando em sua atenção outro fato que lhe era recente, o mesmo pensador retorna com a mesma questão de inegáveis traços céticos:

Ptolomeu (...) determinava os limites de nosso mundo; os filósofos antigos pensavam nada ignorar a esse respeito acerca do que existia, salvo algumas ilhas longínquas que podiam ter escapado às suas investigações; (...) e eis que neste século se descobre um continente de enorme extensão (...). Pergunto então se, visto que Ptolomeu enganou outrora (...), não seria tolice acreditar resolutamente nas idéias de seus sucessores (...)? (4).

10. Francês como Montaigne, Descartes, porém, não é cético. E como bom racionalista proporá a elaboração de uma mathesis universalis (5) (já precedentemente esboçada por Nicolau Oresme). A razão (ou o “bom senso” – como Descartes primordialmente a denominou) é estabelecida como “a coisa do mundo melhor partilhada” (6). Ou seja, a fim de conter toda diversidade e toda contingência que, em seu tempo, marcam a esfera dos costumes e o campo da moral, Descartes estende a razão, tão cara aos “civilizados”, até os bárbaros, anteriormente destituídos dela – e sobretudo dela. Pode-se, inclusive, encontrar, desde então, um maior uso da razão num selvagem do que no homem europeu (7). Tudo jaz, portanto, na sujeição à solidificação dessa razão, a única capaz de recuperar o universal, eterno e não contraditório – ela, a própria unidade comum. Antes dessa tarefa de fundamentação da razão, assim como da exposição de seu bom uso, isto é, de seu método, tudo o mais é provisório, como os preceitos morais que se conformam, nesse primeiro instante, às circunstâncias particulares da época (8). Por fim, somente um método de cunho universal poderia ousar guiar adequadamente razão tão excelsa na construção daquela “ciência plena”. Descartes, entretanto, julga já tê-lo descoberto (9). E ao investigador exige-se que seja sempre ativo e nunca passivo, que nunca a sua alma inquisitiva sofra despreocupadamente as determinações dos sentidos do corpo, pois estas, por si mesmas, propendem-nos ao erro. O homem em sua razão, dominador absoluto da situação, somente assim ascenderia à verdade incondicional, à presença incontinenti.

11. Essa razão cartesiana, porém, é denominada na filosofia de Blaise Pascal – outro francês, este agora de contorno fideísta – de “espírito de geometria”. E, como tal, não é de modo nenhum universal, mas apenas peculiar à matemática e a algumas outras áreas mais afins. Ela mesma, em sua cadeia, está na dependência do “coração”, ou melhor, daquilo que Pascal chamou de “espírito de finura”, que, por sua vez, é constituída de princípios sutis, “apenas entrevistos, mais pressentidos do que vistos”, indemonstráveis (posto que, de outra maneira, incorreríamos numa petição de princípio) e não manipuláveis como aquelas dos geômetras (10). Este espírito sutil é, pois, acima de tudo, um sentimento e, assim sendo, irracional – de um modo especial, porque muito mais intenso, para a tradição racionalista. É, por isso, que a filosofia pascalina foi difundida e guardada numa só e mesma epígrafe, qual seja, a de que “o coração tem razão (entenda-se “princípios”) que a própria razão (a dos geômetras e racionalistas) desconhece” (11). Portanto, aquilo que tão-só por si mesma a razão cartesiana aceita imediatamente como evidente, porque claro e distinto (ou como verdadeiro, conforme a primeira regra do seu método), não seria com fidelidade entendimento, mas sim intuição (12). Aliás, é evidente e inquestionável, porque indemonstrável pela razão. É chão sobre o qual se eleva o edifício da ciência e a partir do qual todos os elos da cadeia do raciocínio podem-se tornar, agora sim, demonstráveis e justificáveis e ser, em vista disso, considerados pela força da lógica do entendimento.

12. Também para Pascal a grandeza humana está em sua razão (13). No entanto, almejar a sua absolutização para aí fundar toda a certeza é tolice e ilusão. Afinal, devemos convir que não somos absolutos:

Conheçamos, pois, nossas forças; somos algo e não tudo; o que temos que ser priva-nos do conhecimento dos primeiros princípios que nascem do nada; e o pouco que temos de ser impede-nos a visão do infinito (14).

13. Trágico e paradoxal não é então somente Pascal, mas todo homem, inclusive e – talvez principalmente – esses que não se atentam para a condição humana de intermediário entre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno, de um ser que se faz destacar pela atividade de sua razão, mas que logo se interrompe e sucumbe ao som de uma insigne mosca (15). Singularmente, a diversidade do século XVII, que se abriu por todos os lados, circunscrevendo o ser humano, faz deste, ainda mais, uma criatura atônita. À medida que as décadas foram se sucedendo umas às outras para constituírem-se em séculos também sucessivos, certamente as diferenças já existentes multiplicaram-se ainda tantas vezes mais, resultando em diversidades inestimáveis. Infinitas. Mas a acentuação da tragédia desses primeiros séculos da “modernidade” está justamente na sua proximidade com a Idade Média, que lhe é, em precisos aspectos, destoante, realçando, por isso mesmo, os tons próprios e exclusivos de um tempo e outro. Movia-se como que num tempo distinto do qual se nascera, sem que contudo o tivesse visto passar. Entre a “fortuna” e a “virtu” (16), entre um destino que se crê plenamente traçado e o horizonte que se percebe completamente aberto, tenta o homem contemporâneo de Pascal proteger-se outra vez sob a mão do absoluto, que, no seu pretérito, já havia serenado tanto temores humanos. Porém não mais existia aquele tipo de crença necessário no absoluto pessoal e providente, cuja abundância era notória no medievo. E, não obstante tudo isto, era difícil a esse mesmo homem acostumar-se tão repentinamente ao espírito aventureiro que o novo momento lhe exigiu em substituição ao espírito missionário daqueles anos idos.

(...), o homem de pascal (...): ele não está mais abrigado sob a ordem cósmico-teológica da visão cristão-medieval do mundo, nem voltado, como o homem cartesiano, para o senhorio e posse da natureza (17).

14. Os estreitos limites humanos em face do universo ilimitado, se reconhecidos pelo homem, detêm toda prepotência de sua razão no que concerne à sua habilitação para compreender não só o imanente em sua totalidade, mas também o Ser que lhe é completamente transcendente: o Deus absconditus cristão (18). Logo, em sua condição de grande físico e matemático, Pascal atenta-nos para o fato de que é pura ilusão humana pensar na realidade de um método único e universal que nos proporcione todo e qualquer conhecimento. Se é o “método geométrico” que nos confere os precisos dados matemáticos, o uso do “método experimental” será, por sua ordem, imperativo no campo da física (como ocorreu na sua teoria sobre o vácuo) (19). E nesse campo não há propriamente certeza, mas apenas uma hipótese mais provável do que outra(s). Ou seja, caso haja aí alguma evidência, ela diz respeito à falsidade da hipótese afastada, por nos conduzir a absurdos, e não à inquestionabilidade da hipótese que se firmou como a teoria aceita (20). Afinal, teorias antes dominantes – pois as melhores para a sua época – em épocas seguintes foram falsificadas e substituídas por outras (21).

15. Já como pessoa religiosa, adepta do jansenismo, Pascal pondera que a fé em Deus é graça concedida pelo próprio Deus a alguns homens, seus eleitos. E somente a autoridade da revelação divina, que se encontra na tradição da Igreja e na Bíblia, fornece-nos os seus preceitos. Desse modo, ao homem sem fé resta apenas “apostar” na existência de Deus, se almeja a transcendência. Pois a razão só pode nos fornecer uma pseudodivindade, um ser absoluto artificial, semelhante à res infinita cartesiana, “ab-usada”, por Descates, para legitimar definitivamente a sua física e metafísica (22). As palavras seguintes de Pascal ratificam o seu apontamento para um engajamento absoluto:

Se há um Deus, ele é infinitamente incompreensível, pois, não tendo partes nem limites, não tem nenhuma relação conosco. Somos, portanto, incapazes de conhecer não só o que ele é como também se existe. (...). Examinemos, pois, esse ponto e digamos: “Deus existe ou não existe”. (...). Em que apostareis? Pela razão não podereis atingir nem uma nem outra; (...). Pensemos o ganho e a perda escolhendo a cruz, que é Deus. Consideremos esses dois casos: se ganhardes, ganhareis tudo; se perderes, não perdereis nada. Apostai, pois, que ele existe, sem hesitar (23).

16. Conseqüentemente, na maneira de entender de Blaise Pascal, Deus e os princípios do coração não são exatamente definíveis de forma racional. Esta tendência perdurará no campo da filosofia e da ciência e radicalizar-se-á, respectivamente, na “morte de Deus” nietzscheana e na “negação da pura indução” popperiana. Mais proximamente a Pascal e como que num “rito de passagem”, os filósofos iluministas destruirão a noção de um Deus tão íntimo e arbitrário, sustentado pela fé cristã, e apenas aceitarão, no seu limite, um Deus de vontade rígida, cujo conhecimento se tem indiretamente pela apreensão racional das leis da natureza. Em poucas palavras, o que importa não é mais tanto a existência de um Deus, porém, isto sim, a de um mundo de razão e que, como tal, pode ser conhecido progressivamente pela razão do homem. Somente nisto Deus ainda recebe alguma atenção devida: como mantenedor do mundo em sua ordem eterna pela sua vontade imutável. Trata-se, então, de um Deus dissolvido no mundo, do “extra-ordinário” tornado também ordinário, numa superação do dualismo entre natural e “sobre-natural”. Sim, o iluminismo instaura uma nova religião, a religião natural, em companhia da qual a religião antiga, da revelação, torna-se, em considerável extensão, supersticiosa. Não há como negar que muitos iluministas ainda são “homens de fé”; todavia, relembremos, toda essa ambigüidade é característica desse tempo de transição e que pende tais iluministas para onde a própria transição indica: os dados revelados, que podem ser expressos racionalmente, estes permanecem; aqueles que assim não podem ser transcritos dirigem-se imperceptivelmente para o esquecimento.

17. Quanto aos “princípios do coração”, o mais genial dos filhos gerados pelo Iluminismo, Isaac Newton, parece considerá-los, ainda que sem notar claramente – ele, que almejou negar toda metafísica como alicerce de sua física. Pois quais são expressamente alguns desses princípios? Pascal mesmo citou-nos alguns:

(...) pelo coração; é desta maneira que conhecemos os princípios (...). Sabemos que não sonhamos (...). Pois o conhecimento dos princípios, como o da existência de espaço, tempo, movimentos, números, é tão firme como nenhum dos que nos proporcionam os nossos raciocínios (24).

18. Ora, são precisamente três desses princípios, básicos para a física newtoniana, que o seu autor apresenta sem demonstração ou definição alguma, justificando-os como evidentes:

Até aqui só me pareceu ter que explicar os termos menos conhecidos, mostrando em que sentido devem ser tomados na continuação deste livro. Deixei, portanto, de definir, como conhecidíssimos de todos, o tempo, o espaço, o lugar e o movimento (25).

19. Em muitos outros pontos, todavia, os iluministas são cartesianos. Pois da autonomia da razão, já conferida por Tomás de Aquino na esfera do natural, observar-se-á uma passagem para uma autonomia absoluta da razão, possível por aquela redução entre o transcendente e a natureza. Tal obra permitirá a Ernest Cassirer escrever hodiernamente sobre aquela época:

O século XVIII está impregnado de fé na unidade imutável da razão. A razão é una e idêntica para todo o indivíduo-pensante, para toda a nação, toda a época, toda a cultura. De todas as variações (...) destaca-se um conteúdo firme e imutável, consistente, e sua unidade e sua consistência são justamente a expressão da essência própria da razão (26).

20. Nesse primeiro instante, grande é o otimismo humano que instaura a si mesmo, enquanto capacidade cognitiva de compreensão de todas as coisas que o mundo contém, como o novo e verdadeiro eixo de tudo o que existe. Todavia, quando em breve reconhecer os seus fracassos e o não cumprimento de muito do que prometera naquele seu primeiro momento de entusiasmo, a razão do homem concomitantemente reconhecerá os seus próprios limites. E é isso o que corrobora Ernest Cassirer, caso prossigamos em sua leitura:

Para nós – se bem que estejamos de acordo, no plano das idéias e dos fatos, com determinadas teses da Filosofia do Iluminismo – a palavra “razão” deixou de ser há muito tempo uma palavra simples e unívoca. Assim que recorremos a esse vocábulo, sua história logo revive em nós e ficamos cada vez mais conscientes da gravidade das mudanças de sentido que ele sofreu no transcurso dessa história (27).

21. Igualmente imprescindível, mas contra o intelectualismo, é a experiência do mundo, para os iluministas, a fim de que, pela observação, possa se chegar a generalizações teóricas, dotadas de caráter explicativo o suficiente para esclarecer aqueles fatos particulares, que as ensejaram, e outros mais similares que certamente escaparam até então às observações feitas. Este aspecto fará com que os empiristas neguem todo “a priori”, toda idéia inata no homem, defendida veementemente por intelectualistas como, além de Descartes, Gottfried Wilhelm Leibniz (28). Isaac Newton, assim procedeu ao tentar negar toda hipótese e metafísica em sua análise do mundo:

Esta análise consiste em fazer experimentos e observações, e em traçar conclusões gerais deles por indução (...). Pois as hipóteses não devem ser levadas em conta... (29).

22. Mas quem melhor tratará dessas questões será o empirista britânico, David Hume, contemporâneo e conhecedor de Newton, que lucidamente reconhece a riqueza preceitual e prática de seu tempo, mas que paradoxalmente – como esse próprio ínterim histórico – incita ainda mais a ânsia humana pelo universal:

Até agora, os moralistas estão habituados, quando consideram a multiplicidade e a diversidade das ações que despertam nossa aprovação ou nossa repulsa, a procurar um princípio comum do qual poderia depender esta variedade de opiniões. E, embora tenham às vezes levado o assunto demasiado longe devido à sua paixão por algum princípio geral (...). Análogos têm sido os esforços dos críticos, dos lógicos e mesmo dos políticos (30).

23. Levando as teses empiristas às suas últimas conseqüências, Hume abala irreversivelmente a “pedra angular” de toda “filosofia difícil e abstrata”, de todo pensamento racionalista e metafísico. Esta se resume no princípio de causa e efeito que tem raízes no “hábito” e no “costume” (31) (formados por sucessivas experiências semelhantes numa mesma ordem de contigüidade e na “crença” de que o futuro tem por modelo o passado) (32) e não numa idéia inata da razão ou numa “conexão necessária” da natureza (33). No entanto não só as “relações de idéias” sofrem, finalmente, o golpe dessa conclusão humeana, mas também as “questões de fato” (34) que não mais escaparão à sua irredutibilidade, pois, por ser o contrário de um fato sempre possível, não implicando jamais em contradição (35), a espera de um fato-efeito, que habitualmente sempre seguiu a um fato-causa, acaba inevitavelmente dado lugar, se visto por este ângulo, à dúvida. Assim, toda capacidade humana de ciência tem que se restringir ao que os nossos sentidos nos fornecem imediatamente, o que, desse modo, não pode ser denominado, exatamente, Filosofia. Pode-se, agora, compreender todo aquele espaço que Hume concede ao ceticismo em suas obras. O termo médio de toda preposição não encontra qualquer impressão que lhe corresponda (36). No entanto, sua recusa, inevitável se se tem o empirismo de Hume como pano de fundo, implica na aceitabilidade tão somente do que nos é fornecido ao nível do simples dado sensível. Visto como resultado da imaginação humana, o delírio do termo médio desacredita toda metafísica, desde aquilo que concerne à existência de Deus até ao que se afirma acerca da unidade do “eu” ou toda afirmação antecipada como “o sol nascerá amanhã”.

24. As conclusões a que chegou o pensamento humeano provocaram um grande impacto dentro do recinto epistemológico, fazendo surgir reflexões outras, que, por sua vez, realizariam verdadeiras revoluções de contornos filosóficos, permitindo, inclusive, que os seus próprios promotores se sentissem como que demasiadamente alienados do antigo modo de se pensar. É nessas circunstâncias que emerge o trabalho intelectual de Immanuel Kant. Ele próprio se considerava um apaixonado pela metafísica (37), mas, paradoxalmente, despertado, por Hume, desse “sono dogmático” (38). A “filosofia contemporânea”, nasceu exatamente aqui, indicando, pois, esse novo tipo de investigação, que agora se faz em plena luz do dia, em plena luz natural, em plena razão finalmente, assim como almejavam os iluministas de seu tempo (39). E o que a inaugura é a assim chamada “revolução copernicana kantiana”, segundo a qual o conhecimento não se traduz em sua base primeira por uma simples e passiva adequação do pensamento, do sujeito, ao objeto que investiga, mas, em radical oposição, ele se traduz, antes de tudo, por uma adequação da coisa investigada à maneira própria do sujeito dar-se o mundo. Caberia, portanto, à razão, que se crê apreendedora da constituição mais íntima de todas as coisas, ou seja, da verdade absoluta do mundo, sair desse seu conformismo, dessa sua comodidade, de sua pretensa imobilidade e centralidade, diante da qual tudo o mais se circunscreve e se mostra, à “razão imperatriz”, como de fato é em si mesmo. Caberia-lhe, então, para dizer de outro modo, projetar-se a si própria para fora dessa sua aparente e ingênua onipotência, a fim de perguntar-se, primordialmente, pelos seus próprios limites no conhecimento das coisas. Arma-se, dessa forma, como que um grande tribunal da razão, do qual é ela não só juíza como também ré.

25. Com efeito, a possibilidade humana de conhecimento, em Kant, não é mais absoluta, como anteriormente ainda podia-se acreditar. Afinal, para ele, numa concessão de igual medida aos empiristas e intelectualistas, o conhecimento propriamente dito exige a experiência do que se quer compreender, mas igualmente a sua conformidade com as formas e categorias a priori do aparelho psíquico humano (matéria da Crítica da Razão Pura de Kant).

Intuição e conceitos constituem, pois, os elementos de todo o nosso conhecimento, de tal modo que nem os conceitos sem uma intuição de certa maneira correspondente a eles nem intuição sem conceitos podem fornecer um conhecimento (41).

26. Ora, vivendo neste mundo, o homem só pode ter experiência do natural e não do sobrenatural. E ainda que algum visionário como Swedenborg afirme ter esta experiência de seres transcendentes, tais visões obtidas não estariam, por assim dizer, à disposição de todos aqueles que também desejassem tê-las ou confirmá-las. Esta privacidade da “experiência mística” constitui-na, por conseguinte, como um sonho, somente tendo alguma validade e importância para aquele que sonha (42). Além disso, mesmo o conhecimento do mundo natural tem estreitos limites, anteposto que o modus humani de dar-se ao próprio homem esse mesmo mundo é apenas um modo dentre outros tantos possíveis e existentes (como mais tarde postulará Friedrich Nietzsche, por analogia à condição de uma “mosca”, em uma de suas obras de teor claramente epistemológico) (43). Assim – pode-se perguntar –, o que é o mundo em si mesmo, se cada espécie o capta de maneira diferente? A resposta – por superação de todo antropocentrismo exacerbado – somente pode configurar-se da seguinte forma: o que se obtém, num processo de conhecimento das coisas, não são as coisas em si mesmas, mas apenas as coisas como são para nós. E mesmo que um antropocentrismo exacerbado se restaure (se re-instaure), ele jamais poderá oferecer-nos uma prova cabal de que a coisa-para-nós coincida com a coisa-em-si, isto é, que o fenômeno (fe-noumenon) do mundo humano coincida com o noumenon do mundo em si próprio, com a essência das coisas, ainda que estas mesmas coisas tenham sido bem averiguadas e confirmadas a partir de um método que seja o mais adequado. Dito isso, não nos cabe mais preocuparmo-nos com as essências ou com aquele tradicional “mundo das idéias” platônico, com aquela esfera que nos transcende ou transcenderia, com o sobrenatural ou meta-natural (mesmo porque o que chamamos de natureza já é especificamente natureza humanizada).

27. Conscientes de nossos limites, abdicamo-nos forçosamente do absoluto. Deste não mais devemos ter sede nas ciências, justamente porque aí ela não pode ser saciada. Como problema insolúvel, a coisa-em-si deixa de ser problema. E a crítica que a razão exerce sobre si própria absolutiza-a, enfim, exata e paradoxalmente, ao apontar-se a si mesma como não absoluta, visto que conclui que a única realidade para o homem é justamente essa realidade já humanizada e na qual tudo segue, grosso modo, a jurisdição da razão. Desde então, trabalhar-se-á com tal noção de (falso) absoluto, estendendo-a até à rediscussão moral, quando toda regra ou norma só terá validade se instituída por essa razão que, soberana, agora não mais requer a experiência do que lhe é estranho, de um mundo (natural ou sobrenatural) que a transcenda (matéria da Crítica da Razão Prática de Kant). E será nessa sua mesma soberania que se reconhecerá a sua autonomia: ela é aquela que impera sobre si mesma, sendo, pois, livre (não heterônoma) ao submeter-se a nada que lhe seja estranho, a nada que não seja senão ela mesma.

28. Finalmente, com a Crítica do Juízo de Kant, essa tendência adquirirá a sua fronteira última(44). Toda organização e inteligibilidade do mundo serão postas como obras do próprio sujeito, ponto do qual germinará toda a filosofia idealista alemã posterior, pois sendo o aparelho psíquico o mesmo em todos os homens, chamar-se-á essa mesmidade de “Eu transcendental”. Estruturalmente igual, todo produto estritamente subjetivo ou voltado para a mesma coisa-em-si (sem qualquer gama de passionalidade) é, em verdade, objetivo. Por essa razão, embora o mundo já seja incondicionalmente humanizado, sua objetividade é garantida justamente por esse seu traço subjetivo.


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1) LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. Lisboa: 70, 1981. p. 69.
2) MONTAIGNE, Michel de. Dos canibais. In: ______. Ensaios. Tradução de Sérgio Milliet. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 105. (Coleção Os pensadores: Montaigne I).
3) Idem. Apologia de Raymond Sebond. In: ______. Ensaios. Tradução de Sérgio Milliet. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 264. (Coleção Os pensadores: Montaigne I).
4) Idem. Ibidem.
5) Cf. DESCARTES, René. Regras para direção do espírito. Tradução de João Gama. Lisboa: 70, 1989. p. 11-13 e 41-46.
6) Cf. Idem. Discurso do Método. Tradução de J. Guinsburg e de Bento Prado Júnior. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 29. (Coleção Os pensadores: Descartes I).
7) Idem. Ibidem. p. 36.
8) Idem. Ibidem. p. 41-46.
9) Cf. Idem. Meditações. Tradução de J. Guinsburg e de Bento Prado Júnior. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 74. (Coleção Os pensadores: Descartes II).
10) Cf. PASCAL, Blaise. Pensamentos. Tradução de Sérgio Milliet. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 37-38. (Coleção Os pensadores: Pascal).
11) Idem. p. 107.
12) Logo, não se trata da intuição entendida como “conceito da mente pura e atenta (...), que nasce apenas da luz da razão”, segundo a terceira regra cartesiana para a direção do espírito.
13) Cf. PASCAL, Blaise. Pensamentos. Op. cit. p. 123.
14) Idem. Ibidem. p. 53.
15) Cf. Idem. Ibidem. p. 127.
16) Alusão a Maquiavel. Cf. CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias. Tradução de Lydia Cristina. 4. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1989. p. 27.
17) VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia filosófica I. São Paulo: Loyola, 1991. p 85.
18) Cf. PASCAL, Blaise. Pensamentos. Op. cit. p. 84.
19) Cf. VALVERDE, José Maria. et al. História do pensamento: Renascimento e filosofia moderna. São Paulo: Nova Cultural, 1987. v. 2, p. 310.
20) Cf. Idem. Ibidem.
21) Cf. REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da filosofia: do humanismo a Kant. Revisão de H. Dalbosco e L. Costa. São Paulo: Paulinas, 1990. v. II, p. 611-612.
22) Cf. PASCAL, Blaise. Pensamentos. Op. cit. p. 57-58.
23) Idem. Ibidem. p. 95. Deve-se observar, nessa aposta pascalina de aposta no que nos proporciona as maiores vantagens com os menores riscos, a influência de seus estudos acerca do “cálculo de probabilidades”, do qual é fundador.
24) Idem. Ibidem. p. 107.
25) NEWTON, Isaac. Princípios matemáticos da filosofia natural. Tradução de Carlos Lopes de Mattos e de Pablo Rubén Mariconda. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 156. (Coleção Os pensadores: Galileu/Newton). Conferir também em: SELVAGGI, Filippo. Filosofia do mundo: cosmologia filosófica. Tradução de Alexander A. MacIntyre. São Paulo: Loyola, 1988. p. 227.
26) CASSIRER, Ernest. A filosofia do iluminismo. Tradução de Álvaro Cabral. Campinas: Unicamp, 1992. p. 23.
27)Idem. Ibidem.
28) Cf. LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. As noções inatas. In: ______. Novos ensaios sobre o entendimento humano. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 23-38. (Coleção Os pensadores: Leibniz I).
29) NEWTON, Isaac. Óptica. Tradução de Pablo Rubén Mariconda. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 204. (Coleção Os pensadores: Galileu/Newton).
30) HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano. Tradução de Anoar Aiex. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1989. p. 168. (Coleção Os pensadores: Berkeley/Hume).
31) Idem. Ibidem. p. 86.
32) Cf. Idem. Ibidem. p. 83-84, 88 e 90.
33) Cf. Idem. Ibidem. p. 80-81.
34) Cf. Idem. Ibidem. p. 102.
35) Cf. Idem. Ibidem. p. 77.
36) Cf. Idem. Ibidem. p. 82.
37) Cf. REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da filosofia: do humanismo a Kant. Op. cit. p. 865.
38) Cf. KANT, Immanuel. Prolegómenos a toda metafísica futura. In: FERNANDEZ, Clement. Los filósofos modernos: selección de textos. Madrid: EDICA, 1976. v. I, p. 535.
39) Cf. VALVERDE, José Maria. et al. História do pensamento: Renascimento e filosofia moderna. Op. cit. p. 437.
40) O juízo que cumprirá tal exigência foi qualificado por Kant como “sintético a priori”, sendo capaz de conservar concomitantemente o caráter de “novidade” e “incrementação” e o de “necessidade” e “universalidade” das proposições científicas.
41) KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de ValérioRohden e de Udo Baldur Moosburger. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 55. (Coleção Os pensadores: Kant I).
42) Cf. REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da filosofia: do humanismo a Kant. Op. cit. p. 869.
43) NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 31. ( Coleção Os pensadores: Nietzsche I).
44) Apesar de se fazer necessário, segundo Kant, pensar uma inteligência outra, que não o “Eu transcendental”, que institua e assegure um uma finalidade no mundo (para que assim o desenvolvimento do mundo – conhecido pelas ciências – e o agir humano nesse mesmo mundo – determinado pelo puro eu – não se conflitem), tal necessidade é, também ela, elaboração da razão pura, do próprio homem portanto, ainda que aquela inteligência – voltamos a insistir – seja instituída pela lógica humana como independente de qualquer propriedade humana.