Pensar as coisas, pensar sobre o que se pensou e assim sucessivamente. Pensamento que se dobra sobre si mesmo, reflexão. A razão rumina a existência. Absortos, matutando, isto é filosofar. Pense conosco!

Acima, Caipira Picando Fumo
J. F. Almeida Júnior
Óleo sobre tela, 1893
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo





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28 de jan. de 2013

TEXTO XXXIII: Repente para Pensar IV: Mistério.

Rodrigo Rodrigues Alvim



Há coisas que não existem, mas deveriam existir.
E, porque deveriam existir, talvez existam.
E, já nessa nova condição, existem para muitos.
Ora, é justo que perguntemos: e por que, antes, deveriam existir?
Por alguma demonstração racional que ainda não sei?
Por comprovação empírica que somente eu ainda não tenho?
Não, não por isso, mas por simples força do desejo,
traduzido em vontade,
e que, assim e desde então, consegue ver.
Existem!


18 de mar. de 2012

TEXTO XXVIII : Repente para Pensar IV: Voltando ao Mesmo, Sempre Outro - "O Filho Pródigo"

Rodrigo Rodrigues Alvim

01. Há quem leia a Bíblia porque acredita que ela seja palavras divinas reveladas ou inspiradas aos homens. Há quem leia a Bíblia porque simplesmente a compreende como uma junção dos mais influentes livros da práxis ocidental, ou seja, do nosso modo de pensar e agir interagidos, um patrimônio capaz, portanto, de, em larga medida, nos permitir compreender a nós mesmos, que nascemos nesta parte do mundo, ou de nos fazer melhor compreender por aqueles que nasceram em outro contexto. Sempre perde, portanto, a meu ver, quem não lê essa obra, antes para se compreender a si próprio ou a outrem, do que para já criticá-la, sobretudo relativamente ao seu caráter divino ou não.

02. Quem, por exemplo, pode considerar desinteressante a parábola, de autoria atribuída a Jesus, denominada “O filho pródigo”? Ousaria dizer que ela é expressão de algo mais fundamental em todo ser humano, ao modo de “Édipo” para os psicanalistas. Mas como psicanalista não sou, tenho que voltar mesmo ao meu lugar de curioso.

03. Assim está escrito no Evangelho de Lucas:

“Um homem tinha dois filhos. O mais jovem disse ao pai: “Pai, dá-me a parte da herança que me cabe”. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu para uma região longínqua e ali dissipou sua herança numa vida devassa. E gastou tudo. Sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar privações. Foi, então, empregar-se com um dos homens daquela região, que o mandou para seus campos cuidar dos porcos. Ele queria matar a fome com as bolotas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. E, caindo em si, disse: ‘Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome! Vou-me embora, procurar o meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados’. Partiu, então, e foi ao encontro de seu pai.
Ele estava ainda ao longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. O filho, então, disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos seus servos: ‘Ide, depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado!’ E começaram a festejar.
Seu filho mais velho estava no campo. Quando voltava, já perto de casa ouviu músicas e danças. Chamando um servo, perguntou-lhe o que estava acontecendo. Este lhe disse: ‘É teu irmão que voltou e teu pai matou o novilho cevado, porque o recuperou com saúde’. Então ele ficou com muita raiva e não queria entrar. Seu pai saiu para suplicar-lhe. Ele, porém, respondeu a seu pai: ‘Há anos que eu te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. Contudo, veio esse teu filho, que devorou seus bens com prostitutas, e para ele matas o novilho cevado’. Mas o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso que festejássemos e alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!’”


04. Surpreende-me todo o movimento dialético presente nesse texto, antes mesmo que tal movimento se tornasse notório, como aconteceu somente, ao nascer da contemporaneidade, com a filosofia de Hegel. Lembremos que esse mesmo movimento, embora primeiramente destacado por Heráclito na antiguidade grega, fora como tal esquecido ou tomou a forma de uma “lógica da aparência” (entendendo a “aparência” como algo desprezível ao verdadeiro imutável), como apenas um jogo de palavras sem compromisso com a essência universal.

05. Aplicado à Antropologia – ou não é o que tomamos como maioridade de um homem seu “sair de casa”? –, esse movimento tem por afirmação o estar aí onde nasceu e ser, em geral, como aqueles pelos quais se foi gestado, centelha de um mesmo fogo, da mesma lareira, do mesmo lar, “um de casa”. Aí recebe um nome e se compartilha de um mesmo sobrenome, sua identidade original, tentativa por imitação. Mas tal identidade também se esclarece melhor pelo que lhe é oposto, por uma oposição, que, no entanto, se abre como opção, que, por sua vez, e não menos entanto, já implica um lançar-se à novidade: quando se vê, já se transita entre o interior e o lá fora de casa. Nesta crise, pensa-se que ou se fica ou se vai. Alguns se iludem em ficar; outros em sair. Ilusão porque nada mais é como antes, porém nunca se consegue radicalmente esquecer-se de casa: uma síntese, uma nova casa, na qual nascerão novas e mesmas gentes.

06. O pai, personagem desse “mito”, “O filho pródigo” (e mito, para mim, não é algo mentiroso ou ilusório, mas, muito pelo contrário, é um modo possível de se compreender e expressar o que nos acontece), é como que a dialética que já se sabe. Seu filho mais velho, ao contrário, é a personificação de uma espécie de pensamento binário e fixo ora num ora noutro de seus pólos (mas – pensa-se – jamais em ambos, como isso lhe seria possível?), que, se não pode evitar o movimento, despreza-o como perturbador da ordem, pois “é fiel” e “temerário” como “as pedras imóveis na praia” (bela figura de Raul Seixas): contrapondo-se a todo movimento do mar, as pedras! Também elas se movem, sem assim se perceberem a si próprias – e confirmam, também elas, o que pretendem negar: a dialética geral.

07. A vantagem que o movimento tem sobre o não-movimento é muito grande, pois para o não-movimento é preciso que nenhuma parte se mova. A favor do movimento, ao contrário, basta que uma parte se mova, para que arraste todas as demais. Por isso mesmo, o filho mais velho lamenta: eu fiquei (embora deva lhe confundir a sensação de que nada jamais foi o mesmo, sobretudo desde a partida do seu irmão)! Mas sabe que, agora, com o retorno do irmão, mais do que nunca, evidencia-se a realidade humana de que não há como deter a mudança.

08. O pai é a dialética que já se sabe – como disse antes. Por isso, espera pela volta do filho que se foi. Ele, o pai (mas que um dia era somente filho), certamente com os olhos sempre postos no horizonte, reconhece o filho ainda ao longe. Esse filho é, por sua vez, a dialética que se faz. É pelo filho mais novo que a novidade se faz – e novidade é movimento. Mas, no ápice da contradição dialética, a novidade tem consigo o mesmo de uma repetição (é repetição que abriga o novo e a mesmidade). A dialética do filho novo já está presente no velho pai que, por isso, o espera todos os dias. A volta é o movimento para o mesmo lugar, é “re-torno”. Mas o mesmo, nunca é o mesmo (entendam-me como a um dialético): há um mesmo antes da partida, um mesmo durante a partida, um mesmo depois da volta. Logo, posso dizer que a lógica binária não é simplesmente um erro, mas seu erro é não se perceber apenas possível no trato de um momento que se quer analisar como único (um interessante e até importante exercício na circunscrição ficcional de um momento tomado como um todo).

09. Com dinheiro e com amigos, sem já seus bens e também sem amigos, na contradição de um trabalho que lhe dá a condição de como um sem-trabalho, de se ver sem-ser-porco a disputar a lavagem dos porcos, como se porco igualmente fosse, situação que o faz opor seu patrão que o maltrata ao pai que é bom com os seus próprios serviçais... Melhor voltar à sua casa, ao mesmo que não mais o mesmo, pois espera para si a condição de um serviçal do próprio pai, condição que, ao contrário de humilhá-lo, conforta-o e serve-lhe como mola agora em sentido oposto ao mote que o fez, um dia, deixar a sua casa.

10. Que as coisas nunca mais seriam as mesmas, sabe o filho mais novo: de retorno, abraçando o pai (pois seu pai mesmo), diz que já não é mais digno de ser tratado como filho. De fato, o pai não o trata mais como o filho dantes, mas melhor. Quem o prova é o reclame do filho mais velho. Antes, como filhos, nenhum deles teve a morte de um novilho (o melhor, aliás) para uma festa! E para surpresa do filho mais velho (que está à procura da coerência binária), o pai lhe confirma, mas de modo positivo e não negativo, pois – esclarece seu pai – um filho perdido (como que morto) foi reencontrado (como que voltando à vida). Aborda, assim, o acontecimento de uma maneira completamente estranha ao filho mais velho (e elucidativa ao mais novo), pois o filho mais velho não percebe que a sua própria indignação (a própria contradição) significa a transitoriedade de todas as coisas (significa o eixo da lógica dialética): ele, que ficou, quando seu irmão partiu, por “amor” ao pai (e por obediência, seguramente), nega-lhe compreensão e amor filial, agora, no momento em que seu irmão retorna para casa e seu pai se encontra feliz. “E, no entanto [como Galileu balbuciou entre os seus inquisitores, quanto à natureza], tudo se move”, de tal modo que o que nos parece um adiante pode não ser mais que uma tentativa de reparação; e uma reparação, também um modo de se ir adiante.

20 de jan. de 2012

TEXTO XXI: Repente para Pensar III: Loucura

Rodrigo Rodrigues Alvim

Do meu encontro com Altamir Andrade (teólogo e filósofo), Márcio Alvim (físico), Marcos Gonzaga (artista plástico) e Marina Tavares (enfermeira).

01. Quando escrevi “Sobre Estamira” (Texto XX, dentro da categoria "Antropologia Filosófica", neste mesmo Blog), iniciei o texto com uma citação de Friedrich Nietzsche. Não por acaso, mas alguém poderia dizer que hoje se toma este filósofo por motivos tão díspares entre si e, muitas vezes (o que talvez seja pior), tão distantes do que os mais renomados estudiosos de sua obra entendem ser os reais motivos desse pensador, que isso também caberia ao meu caso. No entanto, não estava escrevendo uma tese, na qual tal relação fosse importante defender e, menos ainda, não sou um especialista em Nietzsche para que pudesse participar de um bom debate acadêmico a esse respeito.



02. É, pois, nesse espírito de liberdade (demais para alguns, mas – por Deus! – estamos num Blog), que eu chamei à cena esse filósofo. E, agora (para descabelamento ainda maior desses mesmos), chamo igualmente ao centro das minhas elucubrações Vincent Van Gogh. O que têm eles em comum? Poderia eu dizer que eles foram coetâneos: Nietzsche viveu entre 1844 e 1900; Van Gogh, entre 1853 e 1890. Porém, o que me interessa é que ambos morreram em estado de “loucura”, como o de Estamira.



03. “Estamira” é um assunto que nos toca de perto, pois ainda que solitários fôssemos, somos seres expressivos. Ou seja: somos seres expressivos, antes mesmos de pretendermos nos comunicar (uma das funções da linguagem, hoje em destaque, mas, como se vê, apenas uma dentre outras). Se estou triste, meu semblante pode expressar esse meu sentimento, sem nenhuma intenção de comunicá-lo à outrem. Aliás, às vezes, expressões podem contrariar o que queremos comunicar, tal como o “sorriso amarelo”. Contudo, efetivamente somos seres gregários e isso nos impõe uma existência que depende da confirmação de si mesma por outras existências humanas. Assim, esforçamo-nos para como que sairmos de nós próprios e nos darmos aos outros. É uma peleja, pois se é certo que nos expressemos, agora e muitas vezes mais, para nos comunicar aos outros, não é tão certo que realmente consigamos nos comunicar aos outros. Há muita significação, mas não há como certificarmo-nos de que a codificação e a decodificação são afins, pois isso implicaria outras codificações e decodificações mais. Talvez, por isso, confessamo-nos ao melhor amigo, mas, mesmo assim, continuamos com aquela sensação de que, apesar de todo empenho de todas as partes (minha e do meu amigo), ele ainda não me compreendeu fidedignamente. Afinal, embora eu seja eu mesmo, sinto-me embaraçado também diante da pergunta “quem sou eu?”. A peleja é de todos e a maioria, de alguma forma, tem a impressão de ser compreendido – ainda que sem garantias. Essa maioria consegue sentir-se sintonizada nesse código pretensamente padrão a que chamamos “sociedade”, pelo qual a singularidade propriamente dita se perde. Do contrário, são singularidades “brutas”, “in-compreendidas”, a quem denunciamos como “anormais” ou vítimas da loucura.

04. Poderíamos dizer que essas minhas palavras não são adequadas a Nietzsche, a Van Gogh e nem mesmo a Estamira, pois todos eles são ou foram vítimas de uma loucura de causa psico-fisiológica (o que, ao que parece, não é o caso descrito acima, que eu poderia denominar “existencial”). Isto é verdade, mas nem tudo termina aqui.

05. No caso de Nietzsche, segundo Christoph Türcke em sua obra “O louco – Nietzsche e a mania da razão”, para a loucura desse filósofo não se encontrou explicação médica ou psicológica, pelo menos não de forma suficiente:

Já se levantaram as mais diversas hipóteses sem se conseguir qualquer prova: amolecimento cerebral herdado do pai, lesão cerebral como consequência de sífilis ou consumo de drogas, uma forma rara e extrema de epilepsia, trauma quando da ruptura de amizade com Wagner, ou simplesmente psicose maníaco-depressiva.

06. Basicamente, foram as mesmas hipóteses levantadas em relação a Van Gogh por Paul Gachet, por Dietrich Blumer, por Karl Jaspers, por Paul L. Wolf e por Kay Redfield Jamison, dentre outros. E se Nietzsche teve um Richard Wagner em sua vida, este fica representado à altura por um Paul Gauguin na vida de Van Gogh. (Estou sabendo que o meu amigo Marcos Vinícius Leite está para romper comigo a qualquer hora!).

07. Parece-me, todavia, que importa a Türcke não negar aspectos fisiológicos do processo de enlouquecimento de Nietzsche, mas precisamente mostrar o quanto esse mesmo enlouquecimento está entrelaçado com o seu pensamento filosófico. Nesse aspecto, Türcke ressaltou palavras do filósofo em que este último parece ter consciência do quanto estão estreitadas a sua frágil saúde mental com a sua filosofia. Escreveu Nietzsche em “Crepúsculo dos ídolos”:

Este rapaz está ficando prematuramente pálido e sem vitalidade. Seus amigos dizem: a culpa é desta e daquela doença. Eu digo: que ele tenha ficado doente, que ele não tenha resistido à doença, foi já a consequência de uma vida empobrecida [vida empobrecida: “a morte de Deus”, o fim da metafísica: “Desaparece então toda verdade objetiva, na qual o intelecto humano poderia agarrar-se para fazer face à instabilidade da labuta cotidiana e a alma poderia encontrar repouso.” (Türcke).].

08. Escreve Nietzsche também em “Ecce homo”:

Se é que se tem de alegar alguma coisa contra a doença, contra a fraqueza, isto consiste no fato de que neste estado acaba se apagando no homem o próprio instinto de cura, ou seja, o instinto de defesa e de arma. Não se sabe desembaraçar-se de nada, não se sabe levar a cabo nada, repelir nada – tudo fere. Pessoa e coisa se envolvem demais, as vivências tocam por demais profundamente, a recordação é uma ferida purulenta. Estar doente é uma espécie mesma de ressentimento, [pois] nada consome mais depressa a gente do que o ressentimento [ressentimento: negação ou inversão dos valores, do que já está posto].

09. Como Nietzsche tem lucidez trágica de sua loucura, também Van Gogh a tem da sua, bem expressa, neste caso, em sua repulsa em viver, conforme a sua biografia por Ingo Walther, com os outros doentes mentais de hospitais psiquiátricos. É bem ver o mundo por cores ainda difíceis de comunicar para ser bem compreendido, sensação que o “Louco” da "Gaia ciência", de Nietzsche, em sua solitária constatação, balbuciou:

Venho cedo demais, ainda não é meu tempo. Esse acontecimento monstruoso está em curso e não chegou aos ouvidos dos homens.





Ao lado, um dos mais famosos quadros de Van Gogh: Noite Estrelada (Starry Night)



10. Por um poema cantado, talvez finalizemos melhor o que Van Gogh e Nietzsche viveram. Se daí vier alguma emoção é porque tivemos, penso eu, por um lapso que seja, a capacidade de revisitar a instância de nós mesmos da qual parece que não há como sair: como pode tanta confusão e loucura em tão clara luz?

Abaixo, AUDIOVISUAL
(Vincent, música, letra e interpretação de Don McLean):




9 de mai. de 2011

Repente para Pensar II: Virtual

Rodrigo Rodrigues Alvim

Comumente, tendemos a listar algumas coisas como absolutamente reais e outras coisas como absolutamente virtuais. A compra que fazemos no mercado do nosso bairro, por exemplo, é tomada como “real”, mas a compra que fazemos pela Internet é tomada como “virtual”.

Apesar disto, “virtual” é algo relativo e, por isto mesmo, não temos como afirmar ou negar que algo seja, de uma vez por todas, “virtual”, pois mesmo o “impossível” ou o “necessário” – porque, respectiva e precisamente, impossível ou necessário – não possuem quaisquer “virtualidades”. Logo, o “virtual” se encontra no rol do “possível”, ou seja, da contingência, podendo, pois, ora ser e ora não mais ser.

Assim, não é tarefa fácil conceituar o “virtual”. Contudo, fazemo-lo de algum modo, pois é a partir deste conceito que predicamos ou não predicamos das coisas a “virtualidade”. Se o senso comum o faz, embora não explicitamente, e nós aceitamos como uma das tarefas da filosofia, quando não a única, a “terapia” da linguagem, então se torna desafio à filosofia o significado de “virtual”.

Nestes termos, exponho à crítica dos aqui leitores a concepção do “virtual” como aquilo que pretende se passar por (outro), normalmente, expresso pela partícula “como se” ou afins. Por este sentido, dentro do rol do possível, toda coisa em relação a si mesma é “real”, mas, “virtual”, se pretende se passar por outra coisa que ela não é.

Nisto estaria a razão maior pela qual dificilmente conseguimos bem distinguir efetivamente o “virtual” do “real”, pois tanto mais “virtual” tanto mais próximo do “real”, sem, no entanto, sê-lo.


A peça que hoje pela manhã se encontrava na entrada da Biblioteca era, pois, como tal, “real”, mas como pretensamente um “aquário”,“virtual”.

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Repente para Pensar I: Aula da Saudade

Rodrigo Rodrigues Alvim

Fui convidado para ministrar uma "aula da saudade" para formandos em Filosofia em fins do ano de 2009. Fiz dessa própria expressão tema do que deveria-lhes ser a última aula.


Preciso mesmo anunciar que a “aula da saudade”, para a qual viemos, está efetivamente adiada?

Preciso mesmo anunciar que, efetivamente, ela, na verdade, nunca se realizará?

Desejá-la é tudo o que ora podemos, se e quando a saudade da qual necessitamos para realizá-la ainda não existe.

Sim, há certamente entre nós muito desejo neste instante, mas não ainda saudade.

O impressionante é que quando a saudade brotar, também lá a “aula da saudade” não mais acontecerá, pois cada um consigo mesmo, já longe de seus professores e colegas de classe, apenas realizará essa “aula” por obra de sua solitária imaginação sobre os recortes de sua memória.

Se saudade é mesmo desejo do antes presente, mas agora ausente, dessa “aula”, propriamente dita, jamais poderemos ter saudades: saudades teremos, isto sim, das aulas que já aconteceram, mas, também, deste momento em que, mal posto, a “aula da saudade” somente poderia ter acontecido.

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