Rodrigo Rodrigues Alvim
Em apreço às pesquisas e estudos
de Altamir C. de Andrade.
01. Há qualquer coisa na
pós-modernidade de muito tradicional. Não falo de um aspecto seu ao qual
podemos dar pouca relevância, mas quero dizer de um de seus aspectos considerados
mais distintivos.
02. Não são mais somente as mãos
dos evangelistas que não são mais que mãos da vontade divina. Toda mão de
escritor passou a ser, em última instância, apenas mão de um entrecruzamento
polissêmico de seu contexto. Ver a “sua” obra como outro à medida que vai lendo
o que se escreveu é, certamente, um estranhamento que impressiona: ser já
intérprete (sem que disso comumente se perceba), a cada “correção” que se faz
(por mais sutil que pareça), do que primeiramente se escreveu (assim para
sempre perdido) e, quiçá, em seguida, ser também simples leitor-intérprete
dessa primeira “correção” (e de tantas outras mais) deixa-nos já entrever a
noção de “obra aberta” e interminável (sem início e sem fim, senão ilusórios),
denunciando, surpreendentemente, o quanto nunca houve o que poderíamos chamar
de “primeira mão” ou de “ponto final” em qualquer texto – num constantemente “em
meios”, sem extremos.
03. “De quem é o texto?” é uma
pergunta que nos permite disfarçar essa nossa movediça situação.
04. Autor, auctoritas ou autoridade é aquele para o qual nos dirigimos na
condição de escuta (na condição de seus leitores). No caso do texto, não é a
mão que se emprestou para escrevê-lo, mas o próprio texto “publicado”, ou
melhor, o próprio texto ao qual se pode ir: o texto partilhado. Mutatis mutandi, não nos importa
realmente aqui o evangelista, mas a palavra deixada. O sentido está no texto e
não com o seu escritor (a bem da verdade, apenas, agora, mais um leitor em
potencial). Um texto é a suprassunção de um contexto que também assim se
manifesta. Seu escritor, em tal contexto, foi apenas a oportunidade de tal
realização. Foi um meio inconsciente para tanto, mesmo quando se pensava
plenamente consciente do que escrevia e detentor da situação: tanto mais se
pensa assim, menos assim se é – parecido com um determinado italiano que pensa
que foi ele quem decidiu tomar uma taça de vinho.
05. O sentido está no texto. Se
resta alguma dúvida, retorna-se ao texto. Contudo, sem um leitor, o sentido não
se depreende e é como se não existisse. Assim, um texto está para um leitor,
assim como um leitor está para um texto. Rigorosamente, nenhum subsiste sem o
outro.
06. Não é preciso hipostasiar o
sentido, ao modo de Plotino: em Deus, à maneira da maioria das religiões; em
Leis da Natureza, à forma da ciência moderna; em um Eu Transcendental ,
à espécie de Kant; ou em tantos outros equivalentes. Pode-se assim fazer – e
geralmente é o que acontece –, porém não é necessário. Se se busca um sentido é
porque nele se crê ou por ele se espera. É, pois, secundário (exceto para quem
já crê) se tal sentido existe verdadeiramente assim ou diferentemente. Ele já
está pressuposto em qualquer relação que o homem estabelece ou estabeleça – na
“intencionalidade” própria do humano.
07. Esboço é um termo do grego, σχέδιος, que cabe bem a tudo o que existe (e,
portanto, a nós mesmos), pois significa precisamente "temporário". Como
bem observaram Heidegger e Bergson, cada qual certamente ao seu modo, não somos
no tempo, mas somos tempo: e, entre esse primeiro modo de dizer e o segundo, há
uma grande diferença. Esboços! É tudo o que existe! E ainda que tal
denominação possa ainda alimentar em nós a expectativa do definitivo, não há
perfeição, na pós-modernidade, que ainda não possa ser aperfeiçoada: rascunho.
Prezado amigo!
ResponderExcluirEstou nestes dias, terminando de ler o “Evangelho segundo Jesus Cristo”, de José Saramago. Não sei se tal obra já foi contemplada em suas leituras, mas vem muito a propósito do texto que escreveu. Esboço, neste comentário, apenas algumas impressões iniciais do livro para que nosso diálogo se estenda no futuro. São 450 páginas de muitas sutilezas e reflexões perspicazes, mas já na reta final (em minha opinião) ele se perde bastante. O livro passa a ser, então, as reflexões de um ateu. Outros criticariam minha (talvez) superficial leitura. Seja por causa da envergadura do “autor”, seja pelo caráter de literatura e ficcionalidade do texto. Mas é exatamente por isso que comento: a obra está aberta, a obra é aberta. Muito bem colocada sua reflexão no texto acima “Autor, auctoritas ou autoridade é aquele para o qual nos dirigimos na condição de escuta (na condição de seus leitores). No caso do texto, não é a mão que se emprestou para escrevê-lo, mas o próprio texto “publicado”, ou melhor, o próprio texto ao qual se pode ir: o texto partilhado.” Obrigado pela menção e continuaremos essas conversas!
Este texto ainda está ecoando no meu blog. Abraços!
ResponderExcluirJá dizia o Altamir que mesmo uma grande ideia pode ser aperfeiçoada. Fiquei pensando que se somos obra do Criador, texto do Criador, uma grande ideia do Criador, podemos ser aperfeiçoados. Será que posso pensar isso? Será que posso pensar que somos um esboço ... um rascunho ?
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