Pensar as coisas, pensar sobre o que se pensou e assim sucessivamente. Pensamento que se dobra sobre si mesmo, reflexão. A razão rumina a existência. Absortos, matutando, isto é filosofar. Pense conosco!

Acima, Caipira Picando Fumo
J. F. Almeida Júnior
Óleo sobre tela, 1893
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo





26 de abr. de 2011

TEXTO XII: Deus Existe?

Rodrigo Rodrigues Alvim

No primeiro semestre de 2010, fui convidado para ministrar, sob a forma de mesa redonda, a aula inaugural dos Cursos de Filosofia e Teologia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, CES-JF, com o filósofo e teólogo Elílio de Faria Mattos Júnior. O tema proposto foi "Deus existe?". Mais do que um tema, tratava-se de um livro publicado com esse título, em torno do qual, pois, deveríamos apresentar algumas palavras. O texto que se segue transcreve as palavras iniciais que proferi naquela oportunidade.


A leitura do livro Deus existe? deixa-nos a sensação de que não é propriamente seu título a questão provocadora do debate, ocorrido no ano de 2000, entre o então Cardeal alemão Joseph Ratzinger (hoje o Papa Bento XVI) e o filósofo italiano ateu Paolo Flores d’Arcais, bem como de seus textos adjuntos.

O que incomoda d’Arcais é a interpretação de Ratzinger, mas também do então Papa João Paulo II e de outros cristãos católicos, que considera o cristianismo como que a coroação da racionalidade motriz do pensamento ocidental, não somente no contexto dos primeiros séculos do seu surgimento, mas ainda e sobretudo hoje.

É certo que esta discussão prévia se faz importante, uma vez que definiria os limites dentro dos quais a questão da existência de Deus poderia se desdobrar. No entanto, essa mesma delimitação já se torna o centro mesmo de toda discussão que fora possível e que, não concluída, deixou definitivamente à margem o tema da existência (ou não) de Deus.

Não soube, assim, se deveria me comprometer com o debate ocorrido, mas que para mim fugiu ao tema, ou se com o tema propriamente dito desta mesa redonda.

Minhas breves palavras de abertura serão, portanto, lançadas como se seguirão e, a partir do diálogo entre nós, vislumbrarei as expectativas dos aqui presentes e tentarei melhor atendê-las.

Podemos nos assegurar hoje uma prova empírica ou racional da existência de Deus, ou seja, uma demonstração publicamente disponível de que Deus existe? Considero que não a temos, desde que igualmente consideremos a analogia como analogia, isto é, como a semelhança entre entidades que, por isso mesmo e também, são entidades distintas; considero que não a temos, desde quando Kant elucidou as antinomias da nossa razão pura, isto é, as conclusões radicalmente opostas a que podemos chegar por força estritamente lógica, mas que, contudo, apresentam a mesma força, apesar de serem excludentes; considero que não a temos, por fim, desde que não tomemos a existência como um predicado (contrariamente ao que encontramos no que denominamos o argumento ontológico de Anselmo acerca da existência de Deus). Noutros termos, considero que não possuímos tal demonstração ao modo como pensamos que se pensa racionalmente hoje, ou seja, ao modo científico moderno e contemporâneo, “racionalidade” esta indubitavelmente hegemônica, bastando-nos perceber a impressão decisiva que comumente uma conclusão científica, simplesmente porque dita “científica”, tem sobre o senso comum, até sobre este mesmo que, por sua própria natureza, é pouco afeito ao procedimento sistemático da investigação científica.

Nesse sentido, sei que me aproximo das advertências do filósofo Paolo Flores d’Arcais.

Porém esta “racionalidade” está histórica e culturalmente situada. Ela ainda pretende-se a si própria, se não detentora, destinatária de uma verdade objetiva, de uma verdade excludente, pouca afeita, por isso mesmo, a outras formas humanas de compreensão e expressão da realidade, como a metafísica, a arte, a religião e os mitos, com os quais ainda hoje a ciência convive, embora malgrado seu. O inegável processo de secularização pelo qual passamos nesses cinco últimos séculos – e do qual ninguém em sã consciência, seja crente, seja não-crente, discorda – avaliza a hegemonia dessa “racionalidade”, fio sobre o qual pelejamos em nos equilibrar.

Tal noção de razão e de verdade da ciência moderna e contemporânea aludida por d’Arcais foi fundamentada pelos iluministas franceses e por outros filósofos, particularmente dos séculos XVII ao XVIII, que a adotaram como critério de decisão entre “o verdadeiro” e a “superstição”, tomando como um de seus passatempos mais importantes a sujeição das proposições de fé da Igreja Católica ao crivo dessa razão: toda certeza por fé cristã que não conseguisse se traduzir nessa nova racionalidade era desmascarada como engodo – uma reprodução de uma fórmula já dos primeiros filósofos patrísticos, apesar de pelas avessas e pessimista. Especialmente Agostinho, mas também seguido por outros, tomou a racionalidade filosófica predominante em seu tempo para traduzir as verdades da fé cristã (sobrenaturais e por isto mesmo divinamente reveladas) em termos da capacidade natural da qual todo homem é dotado, ou seja, nos termos da razão (o que permitiria, pois, que os dados da fé cristã fossem assim acessíveis, compreensíveis, inclusive aos então denominados pagãos), expressando, dessa maneira, o otimismo de que, sendo a verdade, porque a verdade, una, a razão bem exercida chegaria, pelos seus próprios caminhos, às verdades antecipadas pela revelação de Cristo.

D’Arcais trás à luz as observações céticas historicamente feitas a tal racionalidade que, grosso modo, eu chamaria de “analítica”, mas se opõe sobremaneira e de modo mesmo sarcástico à racionalidade mais “hermenêutica”, na qual ele entrevê, especialmente nos textos de Heidegger, uma “última margem da teologia”. Enumerando aspectos contraditórios na concepção cristã católica, precisamente porque se pretende ela o suprassumo da racionalidade, d’Arcais parece melhor conviver com cristãos que confessassem a sua visão de mundo por simples fé, pois sublinha que toda fé que se pretenda racional guarda intimamente consigo a intolerância a qualquer modo diverso ao seu, que se arvora verdadeiro ou como o verdadeiro sentido da vida.

Contudo, há palavras de d’Arcais que, a um filósofo como me fiz, causam muito desconforto, principalmente quando se querem pronunciadas por um também filósofo. Tomo, dentre outros exemplos possíveis, duas expressões finais de d’Arcais, presentes em mesmo parágrafo. Vou inverter suas ordens originais, a fim de que o mal-estar filosófico possa ficar mais patente. Diz ele: “A razão não só não pode demonstrar a existência de Deus e da imortalidade da alma, como também não pode demonstrar ‘que não existam’”. Mas também diz imperativamente: “(...) a filosofia há de estabelecer, sobriamente, que Deus não existe e que é falso que exista uma alma imortal”. Pela insuficiência disso, eu afirmo que não é a filosofia que dá razão a d’Arcais, mas que é o seu ateísmo confesso que assim o impeliu a destinar a filosofia.

24 de abr. de 2011

TEXTO XI: Breve Comentário acerca da Existência de Deus - Uma perspectiva filosófica

Rodrigo Rodrigues Alvim

I. Colocação do problema (1)

01. “Vã filosofia” tornou-se o veredicto final dos neopositivistas a qualquer tratamento racional acerca de Deus (2), ainda que tal filosofia se queira no âmbito de seu desenvolvimento histórico, posto que mesmo este, para eles, só adquire sentido com o advento da racionalidade científica moderna, que, por sua vez, é a superação da própria historicidade (3).

02. Apesar disso, a questão de Deus em nenhum momento fora esquecida, embora o processo de secularização do mundo atual seja incontestável, mesmo para aqueles homens que abertamente ainda professam alguma religião (4). E é aqui que deparamo-nos com a mesma observação que Immanuel Kant fez em relação à metafísica, que, ao termo da Crítica da Razão Pura, não encontrava qualquer justificativa para a sua existência; e, no entanto, a metafísica existia, tendo inclusive alcançado a sua maturidade num tempo em que a ciência sequer se poderia dizer insipiente (5); a questão de Deus é uma das temáticas basilares da filosofia, de onde ulteriormente nasceram todas as demais ciências; logo, não obstante a ciência recuse significado à problemática de Deus, isto outra coisa não faz senão denunciar claramente a própria não exclusividade do discurso científico e, enfim, a sua insuficiência no tratamento de muitas das dimensões do mundo humano; a existência da questão de Deus, num regresso histórico, perde-se num tempo imemorial e mantém-se ainda hoje, o que nos impele a considerá-la, de qualquer modo, como expressão insubstituível de alguma característica peculiar e co-fundante do ser humano.

II. O “nascimento de Deus”


03. Frente ao politeísmo grego, Xenófanes de Colofão (570-528 a.C.) se destacou como um perturbador dos espíritos míticos e místicos de seu tempo, uma vez que não cessava de denunciar o perfil antropomórfico que os deuses de sua terra e de povos longínquos assumiam:

(...) Os mortais acreditam que os deuses são gerados, que como eles se vestem e têm voz e corpo. (...). Os egípcios dizem que os deuses têm nariz chato e são negros, os trácios, que eles têm olhos verdes e cabelos ruivos (6).

04. Sua crítica recaia principalmente sobre os traços humanos indesejáveis, que não eram menos atribuídos aos deuses, não obstante fossem índices de imperfeição:

Tudo aos deuses atribuíram Homero e Hesíodo, tudo quanto entre os homens merece repulsa e censura, roubo, adultério e fraude mútua (7).

05. A tendência geral, pois, é esta: cada qual imagina o seu Deus em conformidade consigo mesmo, ou seja, com os seus aspectos particulares e circunstanciais. Em condições propícias, certamente até os animais - pensa Xenófanes - não fugiriam dessa concorrência:

Mas se mãos tivessem os bois, os cavalos e os leões e pudessem com as mãos desenhar e criar obras como os homens, os cavalos semelhantes aos cavalos, os bois semelhantes aos bois, desenhariam as formas dos deuses e os corpos fariam tais quais eles próprios têm (8).

06. A alguns hegelianos de esquerda couberam a recuperação e a atualização dessa crítica, dentre os quais Ludwig Feuerbach (1804-1872) adquiriu maior vulto. Este, como materialista convicto, tematizou os principais “mistérios” da religião, especialmente os dogmas da religião cristã, a fim de representá-los como magníficas produções humanas, extraordinárias nesse sentido, mas nunca no sentido de supra-humanas e apropriadamente divinas, como até então ocorrera erroneamente. Em síntese, toda teologia, todo discurso acerca de Deus não seria outra coisa senão um discurso do homem sobre si mesmo, a mais profunda das antropologias, visto que se incumbe daquilo “que não são mistérios estranhos, mas íntimos, os mistérios de natureza humana” (9):

O homem projeta espontaneamente através da imaginação a sua essência interior; ele a mostra fora de si. Esta essência da natureza humana contemplada, personificada, que atua sobre ele através do poder irresistível da imaginação como lei do seu pensar e agir, é Deus (10).

07. Conseqüentemente, já não se admite mais que Deus nos tenha criado à sua imagem e semelhança, porém, opostamente, fomos nós quem o criamos à nossa própria imagem, identidade esta camuflada pela religião, ao tomar o predicado por sujeito e o sujeito como predicado. E no desejo de agravar ainda mais a intencionalidade dessa sua consideração, Feuerbach, tal como Xenófanes, escreveu ironicamente que “se Deus fosse objeto para o pássaro, (...): o pássaro não conhece nada mais elevado, nada mais feliz do que o ser alado. (...). O ser supremo é para o pássaro exatamente o ser do pássaro” (11).

III. A “morte de Deus” no Ocidente


08. Quando aquele estranho chegou à praça proclamando a “morte de Deus” (12), sua loucura não se encontrava no anúncio de um acontecimento por vir e, portanto, ainda insensível aos comuns. Muito diversamente, sua loucura radicava-se no desvelamento do que todos encobriam e do qual, por conseguinte, todos tinham suficiente ciência. Assim sendo, o “louco” dirigia-nos para um fenômeno atual e, ao mesmo tempo, para a nossa “má-fé” (13). A “morte de Deus” não irrompia ali como um desejo, à mercê de se concretizar ou não, mas já como um fato, cuja reversibilidade era impossível. Afinal, o que nos é dado pela fé é-nos literalmente dado em algum momento, ainda que este possa solicitar momentos anteriores de busca. O dado pela fé, que coincide com a fé no dado, não é uma conquista por armas próprias, mas como que por armas alheias. Foi por isto que, outrora, muitos a admitiram como excepcionalmente “graça divina”, embora nem aos defensores da liberdade e do esforço humanos, contudo ainda crentes num Deus criador de todas as coisas, tivesse sido possível excluir radicalmente ao dado da fé a marca da “graça do Senhor”.

09. A “morte de Deus” resume o fim da certeza de qualquer coisa que se queira incondicional, isto é, absoluta (14). E se não há mais imperativo absoluto e muito menos um ser onisciente, então tudo é permitido (15). Em suma, ou Deus existe e nós não somos livres ou somos livres e Deus não existe. Na perspectiva laicizante, Jesus ressuscitou, porque a sociedade religiosa, na qual encontrava-se inserido, elevou-o a Deus (a “Cristo”). Já não se trata mais, todavia, da morte de Jesus Cristo, mas da morte do próprio sobrenatural tomado em princípio, de toda transcendência que se imponha à imanência.

10. Esvaziado o mundo do seu sentido pleno, o homem não pode mais escamotear a sua liberdade e, em correlato, a sua responsabilidade, tal como ainda tentavam os homens que, naquela praça, foram subitamente desmascarados pelo “louco”. Refugiar-se na predeterminação alheia é agir de má-fé (16), mas viver sem sentido é participar da insustentável gratuidade nauseante da existência, vivido por Roquentin (17). A fortiori, caberia somente a cada um de nós mesmos - segundo Jean-Paul Sartre (1905-1980) - atribuir um sentido à sua vida (18), que, ao seu termo, a morte, seria completamente suprimido (19).

11. Em verdade, Sartre apenas substituiu a má-fé da aceitabilidade de um sentido último e absoluto num mundo sem Deus pelos projetos existenciais num universo que se sabe antecipadamente sem qualquer sentido em si mesmo, parecendo todavia não perceber que também estes, na dada situação, importam indiscutivelmente em má-fé. Porém, bem visto, a má-fé é sempre de quem já optou pelo caráter ilusório de um sentido primeiro e último à existência humana. Na situação oposta, o homem já se vê mergulhado num mundo de sentido - daí o sentimento de dado e nunca de opção - ainda que tal sentido lhe seja, em grande medida, obscuro e assim esteja como que ainda por ser encontrado em sua plenitude. Sua existência, no entanto, não implicaria em condenação, dado que a ótica sub specie temporis do ser humano lhe dá o sentimento da liberdade, da aventura, do guerreiro e do herói.

IV. A “ressurreição do ‘Filho do Homem’”


12. Entendendo que a existência do homem, ou melhor, de cada ser humano em particular é, diferentemente dos demais entes, sempre anterior à sua própria essência, aos assim denominados existencialistas, sobretudo Sartre, outra coisa não restou, por conclusão, senão igualmente conceber este mesmo homem como um ser de projecto, de uma “escolha original”, a partir da qual todas as suas demais ações se constituiriam, sendo assim possível, a cada um de nós, só, mas “livremente”, construir o seu ser único, a sua “essência” privada.

13. Em princípio, essa tese é, sem dúvida, compatível com um mundo sem Deus. A rigor, ela decorre disso. Entretanto ambos são psicologicamente insustentáveis, bastando apenas - a fim de que todos possam assim também ajuizar - que destaquemos aqui uma inaceitável desatenção de Sartre e de outros pensadores afinados com ele para o uso do termo “pro-jecto”, posto que todo projecto ou escolha somente se institue como tal, ou seja, somente cumpre o seu caráter motriz, prático e formador do homem se se esquece como humano e se apresenta como de outrem, e de outrem maior, do qual a infinitude seria a excelência desejada, porquanto, desse modo, trataria-se, ao mesmo tempo, do absolutamente outro e maior.

14. Feuerbach, que ainda acreditava numa essência do gênero humano, não foi desatento quanto a isso, pelo menos não antes de propor ao homem que não buscasse mais a sua transcendência em Deus, contudo em si mesmo, como se isto fosse realizável:

(...) Toma o homem consciência de si mesmo através do objeto: a consciência do objeto é a consciência que o homem tem de si mesmo. Através do objeto conheces o homem; nele a sua essência te aparece; o objeto é a sua essência revelada, o seu Eu verdadeiro, objetivo. E isto não é válido somente para os objetos espirituais... (...). O ser absoluto, o Deus do homem é a sua própria essência (20).

15. O homem só busca por apelo. Ainda que interior, como expressão, por exemplo, de um desejo seu, este, ainda mais do que qualquer outro, se objetiva no não homem, no fora dele, no outro que tem o que ele almeja e que, por isto, torna-se maior do que o sujeito e ao sujeito se sobrepõe. Objetiva-se então, ipsis litteris, no objeto do desejo. Quando o próprio Feuerbach pergunta: “possui o homem o amor ou antes não é o amor que possui o homem?” (21), esta questão somente se torna um tanto embaraçosa porque deixa revelar um paradoxo, qual seja, o de que apesar do amor ser uma das atividades ou “poderes” distintivos do ser humano, ela denuncia concomitantemente a relativa dependência do eu que ama do não-eu amado, isto é, do "ob-jecto". Conseqüentemente, não obstante essa atividade seja humana e, nesse sentido, reveladora de um poder humano, tal revelação apenas se faz em toda a sua real extensão de modo radicalmente invertido, ou seja, como poder do objeto ou predicado sobre o homem ou sujeito. E, apesar dessa contradição por inversão, não se pode pensar em sua superação sem que ao mesmo tempo se reduza logicamente o grau desse poder. Na esfera da ação, este impedimento se torna ainda mais claro e nefasto, pois a grandiosidade das realizações do homem parece possuir uma relação diretamente proporcional àquele paradoxo ou contradição:

O homem nada é sem objeto. Grandes homens, homens exemplares, que nos revelam a essência do homem, confirmaram esta frase com a sua vida. Tinham apenas uma paixão fundamental dominante: a realização da meta que era o objetivo essencial de sua atividade (22).

16. Com efeito, as considerações finais de Feuerbach e de Sartre é que se tornam abstratas ao homem concreto. Para este, Deus sempre existiu, existe e sempre existirá, jamais deixando dessa forma de ser o objeto maior de seu amor e temor: se seu Deus é forte, ele será forte; se seu Deus é misericordioso, ele será misercordioso (23)... Além de tudo, nada do que interessa ao homem poderia assumir contornos completamente estranhos ao homem. Logo, tudo o que participa do mundo humano, tudo o que existe para o homem é resultado de uma maneira especial de ser dita, inevitavelmente antropomorfizante. Assumir o "fe-noumenon" não significa que o "noumenon" não exista. Por extensão, dizer que criamos Deus à nossa imagem não exclui a possibilidade de que também um Deus nos tenha criado - o próprio Xenófanes, ao mesmo tempo em que desacreditava os vários deuses antropomórficos de sua época, cria e defendia a existência de um único Deus, absolutamente transcendente ao ser humano e, portanto, indizível fidedignamente:

Um único Deus, entre deuses e homens o maior, em nada no corpo semelhante aos mortais, nem no pensamento (24).

17. Mesmo que Deus exista, é-nos assim impossível afirmá-lo em seus verdadeiros atributos. E não estamos aqui parafraseando Agostinho (25), dado que não nos seria menos impossível dizer o que ele verdadeiramente não é. Contudo também não queremos fazer da sétima proposição do “primeiro” Wittgenstein (26) palavras nossas, visto que se deixamos de falar do místico, nem por isso o místico deixa de falar de algum outro modo em nós. Caso Deus exista como causa sui, ainda assim não está em nosso alcance dizê-lo com certeza em sua transcendência, todavia apenas nos dizê-lo a nós mesmos e em nossa imanência, o que, não obstante, nos é igualmente viável na independência de sua existência.


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1) Este texto foi primeiramente publicado como artigo na Rhema, revista de filosofia e teologia, com o mesmo título.
2) Não se pode dizer, inequivocamente, que o Positivismo Lógico negue a existência de Deus, bem como os seus demais atributos. Antes, ele os considera completamente destituídos de sentido, pois não nos remetem a nenhum dado sensível original: “A negação da existência de um mundo externo transcendente seria uma proposição tão metafísica quanto a sua afirmação. Por conseguinte, o Empirismo conseqüente não nega o transcendente, senão que afirma destituídas de sentido, na mesma medida, tanto a negação quanto a afirmação do transcendente. (...). O que o empirista diz ao metafísico não é: ‘As tuas palavras afirmam uma coisa falsa’, mas: ‘As tuas palavras não afirmam nada’. Não o contradiz, mas afirma: ‘Não compreendo o que queres dizer’” [SCHLICK, Moritz. Positivismo e realismo. Tradução de Luiz João Baraúna. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 63-64 (Coleção Os pensadores: Schlick/Carnap)].
3) “Como afirma Minazzi, para o Positivismo Lógico a ‘história’ era definida ‘como um conjunto de fatos completamente irrelevante e incapaz de penetrar a íntima estrutura lógico-formal das verdades que se apresentam, na maior parte das vezes, exatamente como verdades anistóricas, isto é, alheias a qualquer mudança’” (BOMBASSARO, Luiz Carlos. As fronteiras da epistemologia. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 96).
4) Os inúmeros modos, através dos quais as instituições confessionais combatem a secularização caracterizante da modernidade, ilustram, eles mesmos, o grau do seu reconhecimento desse mesmo processo.
5) CHAUÍ, Marilena de Souza. Kant, vida e obra. In: KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. XIV. (Coleção Os pensadores: Kant I).
6) COLOFÃO, Xenófanes de. Fragmentos: Sátiras / Sobre a natureza. Tradução de Anna L. A. de A. Prado. São Paulo: Nova Cultural, 1989. p. 36. (Coleção Os pensadores: Pré-socráticos I).
7) Idem. Ibidem.
8) Idem. Ibidem.
9) FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. Tradução de José da Silva Brandão. Campinas: Papirus, 1988. p. 31.
10) Idem. Ibidem. p. 251.
11) Idem. Ibidem. p. 60.
12) NIETZSCHE, Friedrich, El gay saber. In: Los filósofos modernos. Madrid: Catolica, 1976, v. 2, p. 237.
13) “Ateus”! Assim Türcke denomina todos aqueles que se encontram na praça e que, no entanto, zombam das palavras do louco, pois de fato se encontram armados contra a gravidade de se estar num mundo verdadeiramente sem Deus. Isto se traduz num “auto-esquecimento propositadamente realizado, no qual a autoconsciência humana se manteve presa e abrigada ao longo de séculos”: a metafísica ocidental. (Cf. TÜRCHE, Christoph. O louco: Nietzsche e a mania da razão. Tradução de Antônio Celiomar Pinto de Lima. Petrópolis: Vozes, 1993. p. 72)
14) “Nietzsche identifica essa ‘morte’ do Deus cristão com o término virtual da moral do bem e do mal e de todas as formas de idealismo. É para ele o evento fundamental da história moderna e do mundo contemporâneo”. (STERN, J. P. As idéias de Nietzsche. São Paulo: Cultrix, 1982. p. 56).
15) SARTRE. Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Tradução de Rita Correia Guedes. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 9. (Coleção Os pensadores: Sartre).
16) Idem. Ibidem. p. 19.
17) Roquentin: Protagonista do romance sartreano A Náusea. “A sensação de náusea que o acomete resulta da descoberta de que a sua vida lhe foi dada para nada. (...). Roquentin tenta superá-la, ainda que isto lhe custe viver como os burgueses canalhas de Bouville, aos quais devota enorme desprezo” (PENHA, João da. O que é existencialismo. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. p. 73).
18) SARTRE. Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Op. cit. p. 6.
19) Idem. Ibidem. p. 66-67.
20) FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. Op. cit. p. 46-47.
21) Idem. Ibidem. p. 45.
22) Idem. Ibidem. p. 46.
23) Teoricamente, podemos aqui justificar essa passagem do seguinte modo: mesmo que a atividade geradora do processo seja concedida ao homem, tal concessão não importaria numa completa passividade de Deus no decorrer desse mesmo processo - que, portanto, em Feuerbach, não se completou, mas ficou interrompida numa verticalidade ascendente e finita (“inductione simplice”). A totalidade deste processo importa, pois, num segundo momento, expresso na reversão da relação agente/paciente, na qual, então, Deus agora é quem exercerá sua força modeladora sobre o fazer humano. A não realização deste segundo movimento foi o que levou Marx a denunciar a religião como “o ópio do povo”, após, em consonância com o primeiro dos movimentos, ter encontrado igualmente nela as marcas de um “protesto contra a miséria real”. Todavia, a efetividade deste protesto suprime-se absolutamente, a partir do instante em que toda esperança de superação real de nossa miséria só permite-se dar num mundo após-morte, isto é, pela nossa conformidade com a sua existência, existência da miséria, no mundo atual. De um modo geral, ainda que se reconheça a primazia do “concreto” em relação à “consciência” na origem do movimento histórico, difícil seria manter incólume tal parecer no decorrer do seu desenvolvimento, quando ora um ora outro parece ter o seu tempo de atuação (senão de co-atuação, mútua e recíproca), respeitando, somente assim, de modo irrestrito, a concepção que alimenta todo esse movimento, cuja complexidade acostumamo-nos expor resumidamente pelo termo “dialética”.
24) COLOFÃO, Xenófanes de. Fragmentos: Sátiras / Sobre a natureza. Op. cit. p. 37.
25) AGOSTINHO. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1994. p. 192-193.
26) WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Tradução de Marcos G. Montagnoli; revisão de Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 281. (Coleção pensamento humano).

20 de out. de 2010

TEXTO X: O Espírito na Figura de um Pássaro

Rodrigo Rodrigues Alvim

À Luísa itinerante,
para que não se canse jamais.


I – ESTRANHAS PASSAGENS

Demos asas à nossa imaginação; façamo-nos alados; imaginemo-nos pássaros! Pássaros diversos, cada qual mantendo-se para simplesmente cumprir o modus vivendi instintivo da sua espécie. Voemos mais alto e imaginemo-nos, a seguir, envoltos numa Conferência entre os mesmos de nosso gênero: aves; aves capazes de voar.


O tema de tal Conferência é o mais alto de toda a existência, pois pergunta pelo sentido desta mesma: aos pássaros, o sentido da vida alada. Para reger este diálogo, ninguém melhor do que a Poupa, visto que, em nossa própria iconografia ocidental, é a coruja o símbolo maior da sabedoria, "o pássaro de Minerva (que, segundo a mística-filosófica de Hegel,) só alça vôo ao entardecer", (1) quando todas as coisas já estão como que postas em seu justo lugar, tudo, enfim, podendo ser absolutamente contemplado em sua verdade.

Ao leitor, que assim se fez novamente criança, destina-se um convite para prosseguir-se nesta viagem, da qual o roteiro pormenorizado dá um livro titulado Conferência dos pássaros, (2) arquitetado por um místico-poeta muçulmano, chamado resumidamente entre nós de Attar. Mas como místico-cristão que já fez igual viagem, podemos ter Agostinho por companhia. Esta sua experiência, ele nos testemunhou em suas Confissões (3), relato de uma vida que se tornou obra literária e filosófica.

Antes, porém, algumas advertências necessárias.

É geralmente nos momentos de uma forte transição qualquer, quando toda verdade nos parece engodo, que toda verdade possível paradoxalmente se nos coloca: a vida é uma trama, um infinito emaranhado do qual somos senão um ínfimo e apagado nó, que somente tem relevância para nós mesmos, que o somos, ou para tantos outros nós, que têm em nós um de seus apoios. Como embriagados, estamos todos embebidos deste absoluto: tudo parece então assim mesmo, simples, mas sublime; simples, mas intenso. Logo, como a vida (este brincar que a criança ainda sabe que pode ser assim ou de outra forma - e a melhor forma sempre será aquela em que porventura ninguém se machuque -), aconselho que a primeira leitura deste texto seja feita correntemente, sem os apartes das notas de rodapé. Deixemos tais análises para uma segunda leitura, deixemos para sermos "sóbrios" filósofos depois. Para quem é neo-ingresso neste tipo de conteúdo, perderá um pouco analiticamente, mas para ganhar em muito, por imediato, daquilo que a filosofia ocidental não pode mais modernamente nos dar, porque somente nos deu quando ainda e reconhecidamente próxima das tragédias e dos mitos (4). Não exijam, portanto, de si próprios, nesta primeira leitura corrente, um entendimento conceitual do discurso, porém deixe que este siga seu curso e se discurse sem distâncias críticas. Procure, primeiramente, enfim, compreender "por dentro" (sempre "às avessas" para os racionalistas). Mais tarde, à sua hora, mas somente se quiser, aventure-se num entendimento segundo o qual as coisas podem ser observadas "de fora", porque, antes, nós mesmos já nos teríamos posicionado "de fora" das próprias coisas. Afinal, esta não é uma odisséia menos emocionante para quem a inicia, apesar de também não ser menos decepcionante para quem chegou ao seu termo, ainda se perguntando pelo sentido do que se descobriu.

Se pela imaginação estamos a confirmar a tradição ou a apontar o novo e nele apostar, não é esta distinção que aqui nos importa decidir, depois que já se sabe que mesmo em nossos momentos mais revolucionários ainda ecoa os dizeres que, certa vez, alguém, que se fez conservador, deixou escapar à sua pena... A saber, que mesmo todo preconceito não passa de uma razão esquecida (5).

A quem insistir em continuar esta sua leitura - embora sem muito entender, é bem provável, e mais provável que assim continue -, resta-nos desejar uma boa viagem até ao que é verdadeiramente digno de nossa atenção, morada incomparável a quem resistiu aos múltiplos obstáculos que o presente mundo coloca à realização deste mais alto vôo.


II - A LINGUAGEM POÉTICA DOS PÁSSAROS

Já em meados do século XII da era cristã, período de composição do grande poema filosófico-religioso Mantiq-at-tair (Conferência dos pássaros) de Farid ud-Din Abu Hamid Muhammad bem Ibrahim (Attar), o mundo árabe bem conhecia a filosofia grega, mormente o pensamento de Aristóteles; conhecia-o, aliás, muito antes que o mesmo viesse romper a então sólida cultura medieval do ocidente, assentada na teologia e na filosofia patrísticas, sistematizadas na pena de Agostinho. Apesar da expansão da religião islâmica, a filosofia e a ciência gozaram de uma autonomia entre os muçulmanos então inadmissível entre os cristãos, para quem o grande desafio era compatibilizar o pensamento grego à mensagem de Jesus, a filosofia à religião, a razão à fé. Para os primeiros padres, a filosofia devia se fazer serva ou simples auxiliar da teologia. Desta mesma forma também pensarão os padres ulteriores, muitos dos quais denominados escolásticos, embora Tomás de Aquino, o seu maior expoente, a quem a Igreja confiara a "cristianização" da obra aristotélica, fosse mais otimista no que tange à impossibilidade de um conflito entre o logos e a Revelação. Surpreendentemente, foi a própria Igreja que arquitetou e incentivou a criação dos centros que visavam abarcar todo o conhecimento humanamente adquirido até aquela ocasião, as universidades. E nestas, tolerou a admissão de grandes mestres árabes (6). Porém, enquanto os doutores da Igreja buscavam tecer um discurso lógico acerca de Deus, os seus místicos e os sufis do Islã logo compreenderam que o registro sobre o qual se elevava a fé era inequivocamente o emocional, aquém ou além do qual estaria o registro racional, este, portanto, sempre inapropriado para dizer a experiência humana de Deus, ou melhor, para dizer da revelação do divino ao humano. O próprio Corão, o divino "enlivrado", fez uso de uma língua em sua nascente e que por isto ainda guardava características polissemânticas que, mais tarde, só poderão ser recuperadas pela linguagem poética, assentada antes no registro emocional do que no racional, incomparavelmente naquele primeiro, a ponto de considerar aquele último um reducionismo traiçoeiro para a verdade.

Assim, ciente destes estreitos limites do "milagre grego", certamente melhor expresso na obra de Aristóteles, que bem dissecou os "princípios" da razão, do logos, em seu Organon - a inestimável lógica do Ocidente, a “ferramenta” ou o “instrumento” com o qual a razão trabalha (analisa) e busca explicar e dominar o que é -, Attar recusa o uso deste artifício grego, adotando, entretanto, o que originalmente este povo tem de comum aos demais, recurso das sentinelas de sua origem e de seus heróis, ou seja, dos aedos ao cantarem os seus mitos: a linguagem poética.

Na sua "Invocação", abertura da obra, não são poucas as vezes em que Attar renega a razão como veículo do que se seguirá e, por conseguinte, como filtro de leitura do que se oferece.

Diz Attar que "quando o homem entrou na posse de suas faculdades, confessou sua impotência e foi dominado pelo assombro..." (7). Ora, este "assombro" ou espanto é expressão de um mundo encantado (M. Weber), no qual o homem ainda não se sente senhor do mundo, mas, sim, envolvido por ele, num sentimento inigualável de pertença e de sujeição, ao mesmo tempo que de uma grandeza sua que, entretanto, não tem sua sede em si mesmo, mas para além de si próprio, do qual é apenas partícipe. Consequentemente, tal atitude está longe da razão instrumental que, paulatinamente, mais situa o homem diante da natureza do que nela mergulhado (M. Merleau-Ponty), fazendo-o, enfim, frio e pretensamente dominador, nele finalmente apagando o registro das emoções.

A grandeza infinita e eternidade de Deus para todo além da finitude humana é o que permite Attar escrever, em outra parte, que "o conhecimento e a ignorância (de Deus) são neste caso a mesma coisa, pois não explicam nem descrevem; (...): bem ou mal, eles (os homens) o disseram de si mesmos. Deus está além do conhecimento e além da evidência, e nada pode dar idéia da sua Sagrada Majestade" (8). Se "todas as almas levam uma impressão da imagem da pena", isso é, de Deus, também deve se dizer que "todos fizeram um desenho da pena e dela formaram seu próprio sistema de idéias, do que resultou caírem numa confusão" (9).

Daí, a procura de Deus dar-se-á por um caminho que não satisfaz os anseios racionais, porque antes a razão não satisfaz os requisitos suficientes para essa procura: Deus "não se manifesta abertamente nem mesmo no local de sua habitação, e a esta nenhum conhecimento e nenhuma inteligência podem chegar. O caminho (...). (...), nem pode a razão compreendê-lo: (...)" (10). O próprio caminho ascético, então, será expresso através de uma linguagem poética, imagética e simbólica. Esta será a linguagem dos "pássaros", eles mesmos já expressos por esta mesma linguagem. Attar, todavia, é coerente: não se descreverá sequer poeticamente o achado desta ascese mística, mas tão-somente tal ascese, a rota daqueles que foram capazes, enfim, de "transpor a porta", (11) contemplar e dissolver-se irreversivelmente na Essência de Deus, pois, "quando te houveres aperfeiçoado – escreve Attar –, deixarás de existir. Mas Deus subsistirá", (12) tal como acontecera ao termo ascético da “terceira mariposa” (13). A poesia não é o fiel recurso humano para comunicar a experiência mística tal e qual; parece, entretanto, ser a mais apta e próxima às condições humanas, quando já se dispensou o silêncio.


III - A ROTA ASCÉTICA DOS PÁSSAROS

3.1 - AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS

Se a razão em seus limites sempre se encontra muito distante da infinita riqueza de Deus, também as emoções dela podem igualmente nos afastar, se dirigimos o alvo de nossos sentimentos mais nobres – como o amor, sobretudo –, às coisas criadas por Deus, mas fugazes. Deste parecer vem o preceito da Poupa ao Rouxinol que, amante e amado da Rosa, sente-se detido para perseguir o difícil "caminho" para Deus: "Abandona a Rosa e enrubesce-te por ti mesmo: pois ela se ri de ti a cada nova primavera e depois já não mais sorri" (14).

Em verdade, o amor a Deus deve estar acima de tudo, inclusive acima do amor a si próprio. Percorrer o "Caminho" para o encontro com Deus deve implicar a renúncia à própria vida, conforme as palavras da Poupa à argumentação do Papagaio. (15) Deus deve ser, portanto, a maior e única meta (discurso da Poupa ao Pavão): "Se podes ter o oceano ('o Altíssimo é um vasto oceano'), por que procuras uma gota do alijôfar vespertino ('o paraíso da bem-aventurança terrena não passa de uma gotinha')?" (16).


3.2 - SOBRE UMA APARENTE CONTRADIÇÃO

3.2.1 - Colocação do Problema

Se o registro das emoções é a raiz da fé e da experiência divina, a qual só se comunica o mais aproximadamente de maneira figurativa, como aqui se tentou sustentar, por que a quinta parte da obra de Attar conclui-se afirmando que "os habitantes do Paraíso sabem que a primeira coisa a que devem renunciar é o coração" (17)?

3.2.2 - Resolução do Problema e a Confirmação do Amor a Deus sobre Todas as Coisas

A renúncia ao coração é, em verdade, a confirmação absoluta da mesma na realização do amor extremo que, deixando de se dispensar pelas coisas menores, volta-se somente para o único que está acima de tudo, pois se "a vida foi cedida para que possas, por um instante, ter um digno amigo" (18), o único amigo indubitavelmente digno é Deus, que disse desde Adão: "(...) venha a atar-me somente a mim, seu verdadeiro amigo" (19). Esta é a renúncia do coração do qual fala Attar: ter todo o coração voltado para o Deus único, amando-o sobre todas as coisas.

Apesar da água, como quer o Pato, ou das pedras preciosas, como quer a Perdiz, ou ainda do mar, como quer a Garça, terem o seu valor, a "água não é estável" (20) e "o mar é um elemento sem lealdade" (21) como advertiu a Poupa, nem "o rumo das jóias é eterno", (22) como, ao contrário, defende a Perdiz. Tudo isto é corruptível, somente Deus é eterno. Portanto, somente nele devemos nos fiar e somente ele tem real poder sobre todas as coisas, conforme a parábola de "Mahmud e o Sábio" que a Poupa narra ao "Humay", que se vangloria de sua sombra, ao abrigo da qual se adquire poder sobre a natureza, ou do "Escravo de Prata" que a mesma narra ao Falcão, que se contenta com a simples preferência e companhia dos reis temporários.

Eis, então, resumidamente, no que consiste a defesa da Poupa: ninguém se satisfará pelas contingências do mundo, pois tudo no mundo só se satisfaz em Deus, o verdadeiro amigo. Até o oceano diz: "Sinto-me perturbado, porque estou separado do meu amigo" (23). Nem o ouro é capaz de representar o que deve ser o mais alto propósito da vida, a fim de que esta não se desfaça em vão, segundo disse a Poupa à Coruja (24). Alegar qualquer tipo de limite para ousar buscar a Deus não se justifica, ainda que isto queira assumir a aparência de humildade, como intentou o Pardal (25). Em Deus e somente nele está a completude e, por isso, o sentido de tudo. Nisto reside o amor ao único amigo digno de nosso amor.


IV - A EXPERIÊNCIA ÚNICA DE DEUS

O polimorfo Agostinho, místico do Ocidente cristão, mas também teólogo, isto é, aquele que almeja construir um discurso racional acerca de Deus, antecipa, em sua parte do mundo, o reconhecimento da dignidade relativa das criaturas. Como Attar, do qual a Poupa é a grande porta-voz, Agostinho contraria o pensamento platônico ou afim de que as coisas mundanas são radicalmente negativas. Sendo por Deus criada - como os próprios pássaros são as sombras de Deus, segundo Attar -, a natureza encanta Agostinho. Todavia, esta, na hierarquia dos seres, é, enquanto criatura, menor do que aquele que a criou. As coisas, por si mesmas, não se justificam, nem são causa sui. Relativamente umas às outras ou relativamente a sua causa primeira, todas têm uma "imperfeição ontológica", sem a qual todos seriam a mesma coisa, e esta mesma coisa, igual a Deus.

Logo, também para Agostinho, diante da hierarquia dos seres, devemos negar o menor em favor do maior, que, em última instância, é Deus.

As semelhanças, todavia, entre este cristão dos primórdios do medievo e as construções imagéticas de Attar seguem. Quando os pássaros interpelam a Poupa sobre Deus, fazem-no assentadas no mesmo preceito agostiniano, segundo o qual ninguém busca o que já não possui de algum modo ou, de outra forma, ninguém pode querer conhecer o que desconhece completamente. Afinal requerem os pássaros à Poupa: "Dize-nos alguma coisa sobre esse maravilhoso Ser, nem que seja por meio de um símile, se não, cegos que somos, nada perceberemos do mistério" (26). E a resposta da Poupa há de confirmar a primazia do coração sobre o entendimento neste encalço, assim como a vontade para Agostinho determina inclusive sobre o que nosso entendimento se debruçará. Diz a Poupa: "Na verdade, nenhum olho é capaz de contemplar-lhe a beleza e maravilhar-se dela, nem é capaz de entendimento; não podemos sentir-nos, em relação a Simurgh [a divindade], como nos sentimos em relação à beleza deste mundo. Mas por sua graça abundante ele nos deu um espelho onde ele se reflete, e esse espelho é o coração" (27). Também em todos os lugares, fora dele, Agostinho afirma ter procurado Deus, recorrendo a quase todas as grandes filosofias de sua época, e, no entanto, encontra-o, por fim, no mais íntimo de si mesmo, no coração, sede dos sentimentos, e que lhe faz lamentar:

“Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu lá fora a procurar-Vos! Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. Estáveis comigo, e eu não estava convosco. Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós. Porém chamaste-me com uma voz tão forte que rompestes a minha surdez! Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a minha cegueira! Exalastes perfume: respirei-o, suspirando por Vós. Saboreei-vos, e agora tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me e ardi no desejo de vossa paz” (28).
Ora, em suas "Confissões", este encontro de Agostinho não se faz à luz de qualquer doutrina filosófica, mas, sim, depois de uma ascese, à luz de uma contemplação mística. Agostinho, então, inaugura a "teologia negativa", segundo a qual, pela linguagem lógica e coerente, não podemos edificar a imagem precisa de Deus; podemos comunicar o que ele não é, mas jamais fielmente o que ele é. Haverá, então, três tipos de acesso a Deus, uma direta e duas indiretas: a ascese, a linguagem figurativa e a "teologia negativa", respectivamente, isto é, a mística, a poesia e, somente no mais distante, a razão.

Seguem-se páginas, nas quais Attar elenca uma série de lendas e histórias de sufis devotos, toda ela contada pela Poupa no decorrer do caminho, (29) a fim de que os pássaros nele se mantivessem, mas ao termo do qual, apenas trinta chegam. Trinta! Um número significativo, mas sem importância matemática (si-murgh) (30). E é aqui que se realiza também o cume da aproximação de dois grandes místicos de mundos um tanto estranhos entre si: de tudo se despojando, só lhe restando o mínimo de si, a sua essência, aí Agostinho descobre a divindade. Ou seja, no encontro de si ocorre coincidentemente o encontro de Deus; no encontro consigo, o encontro com Deus. No ápice do vôo dos pássaros, a surpresa é a mesma, e o próprio Attar deve novamente nos dizê-la:

"Quando [os trinta pássaros] se viram totalmente em paz e alheados de todas as coisas, perceberam que o Simurgh se achava ali em sua companhia e que uma nova vida começava para eles no Simurgh. Tudo o que haviam feito anteriormente se apagou. O sol da majestade emitia seus raios, e, no reflexo do rosto de cada um, os trinta pássaros (si-murgh) do mundo exterior contemplaram o rosto do Simurgh do mundo interior. Isso os espantou de tal maneira que não sabiam se ainda eram eles mesmos ou se se haviam transformado no Simurgh. Afinal, num estado de contemplação, compreenderam que eram o Simurgh e que o Simurgh era os trinta pássaros. Quando fitavam os olhos nele, viam que, de fato, o Simurgh lá estava, e, quando voltavam os olhos para si mesmos, viam que eram o Simurgh. E, dando tento de ambos ao mesmo tempo, de si próprios e dele, compreenderam que o mesmo eram eles e o Simurgh. Ninguém no mundo ouviu jamais coisa igual a essa" (31).



V - A IMAGEM DE DEUS EM NÓS

"Todas as almas levam uma impressão da imagem da pena" (32), do Simurgh.

A nossa história expõe-nos incontáveis nomes, que, partindo do pressuposto de que este nosso mundo teve origem, não se cansaram de procurar, nas múltiplas criaturas desta vida, a marca do seu criador. Agostinho, por exemplo, tendia a desdobrar todas as coisas em três como reflexo da trindade divina; René Descartes, muito mais tarde, sustentou, ao seu modo, que a vontade humana, porque infinita, era a própria imagem de Deus em cada um de nós, finitos em entendimento, todavia; os iluministas, defensores da religião natural, por sua vez, advogaram as leis imutáveis da natureza como expressão maior da própria vontade perfeita – e, portanto, fixa – do grande arquiteto do universo...

Tal marca, porém, pode não ser algo, mas, sim (e por que não?), a sua falta, a falta de algo: ausência! Ausência tão ardente no humano de nós que para ele construímos um nome todo especial, quase que próprio... O termo “saudade”. Claro que a saudade cotidiana pede sempre um objeto, um “complemento nominal”, posto que todo aquele que possui saudade, possui-a de alguma coisa (33). Mas isto é expressão apenas de uma saudade que se quer, ansiosamente, saciar-se, nisto ou naquilo, não importa. Importa imediatamente é criar a ilusão de que se sabe perfeitamente o que se fazer para sair de tal ardência de coração e apelo de mente... Contudo, mesmo quem nunca tenha tido nada do que se lembre, busca... Busca no calor de uma saudade que o consome durante toda a vida, que nele está sempre, mesmo que já na ocasião do seu leito de morte, ainda que apaziguado pelo cansaço de quem por longo tempo e intenso esforço se debateu ao encalço... Ao encalço... Ao encalço de quê? – retorna a pergunta. Eis a saudade que em nós habita aparentemente sem que saibamos porquê (ou “pelo que”), uma vez que nenhuma coisa ou pessoa pode definitivamente preencher este “quê”. A saudade é ontológica: simplesmente é raiz em nós. Seu alvo transcende às particularidades das condições que perfilam o mundo em nosso entorno. E, sem este mundo portanto, só nos resta nós mesmos, sem termos aonde pousar para um pouco descansar. Ou, de outro modo, só nos resta continuar voando em viagem adentro de nossas próprias profundezas, na vivaz esperança de que sejamos, um dia, arrebatados e acolhidos no conforto mítico do colo-mãe.

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1) Diz Hegel “que a filosofia chega sempre tarde. Como pensamento do mundo, aparece no tempo somente depois que a realidade tenha consumado seu processo de formação e se ache já pronta e terminada”. E então completa mais adiante: “Quando a filosofia pinta com seus tons cinzentos, já envelheceu uma figura da vida que suas penumbras não podem rejuvenescer, mas apenas conhecer; a ave de Minerva só levanta vôo ao entardecer”. (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich apud LEOPOLDO E SILVA, Franklin et al. História do pensamento: do iluminismo ao liberalismo econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1989. v. 3, p. 532).
2) ATTAR, Farid ud-Din. A conferência dos pássaros. Tradução de Octavio Mendes Cajado. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1993. Esta é a edição “seca” a que nos referimos para as nossas citações. Uma edição integral e comentada é encontrada em ATTAR, Farid ud-Din. A linguagem dos pássaros. Tradução de Álvaro de Souza Machado e Sérgio Rizek. 2. ed. São Paulo: Attar, 1991.
3) AGOSTINHO. Confissões. Tradução de J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
4) A filosofia ocidental, da qual aqui se fala, resume-se naquela que se limitou, ela mesma, a fazer uso exclusivamente da razão dita “instrumental”. O mesmo filósofo que rigorosamente a defendeu na contemporaneidade – ao afirmar que “o método correto da filosofia seria precisamente este: nada dizer, senão o que se pode dizer; portanto, proposições da ciência natural” –, admitiu igualmente “que, mesmo que todas as questões científicas possíveis tenham obtido resposta, nossos problemas de vida não terão sido sequer tocados”, pois o sentido da vida estaria para além do campo da razão instrumental: “Há por certo o inefável. Isso se mostra [mas não se pode dele falar racionalmente], é o Místico”. (WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus lógico-philosophicus. Tradução de Luiz Henrique Lopes dos Santos. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1994. p. 279-281).
5) “O preconceito, veste de uma razão oculta! Esta notável reabilitação [promovida por Edmund Burke em suas Reflexões sobre a Revolução Francesa] impressionará vivamente Taine que, em As Origens, repetirá: o preconceito, ‘espécie de razão que se ignora’, ‘como o instinto, forma cega da razão’. E Barrès, discípulo de Taine, daí tirará uma imagem bem conhecida: ‘Cubramo-nos com nossos preconceitos, eles nos aquecem’”. (CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias. Tradução de Lydia Cristina. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001. p. 229).
6) Deve-se ressaltar que a tolerância da Igreja para os não-cristãos era algo não dispensado aos próprios cristãos, pois tendo estes, segundo ela, e diferentemente daqueles primeiros, nascidos já na verdade, era rigorosamente inconcebível que, uma vez cristãos, não pensassem e agissem em conformidade com os dogmas da Igreja, ou seja, com a verdade absoluta que, uma vez revelada alguém, faz deste seu eterno prisioneiro. Desde então, somente uma vontade má pode romper estas cadeias. (Cf. KAMEN, Henry. O amanhecer da tolerância. Tradução Alexandre Pinheiro Torres. Porto: Inova, 1968. p. 20-22).
7) ATTAR. A conferência dos pássaros. Op. cit. p. 13.
8) Ibidem, p. 14.
9) Ibidem, p. 23, itálico nosso.
10) Ibidem, p. 22.
11) Ibidem, p. 16.
12) Ibidem, p. 19.
13) “Uma noite as mariposas reuniram-se atormentadas pelo desejo de unir-se à vela. Disseram todas: ‘Temos de encontrar alguém que possa dar-nos notícias de nossa busca amorosa’. Uma mariposa foi então até um distante castelo e avistou no interior a luz de uma vela. Ela retornou e contou o que havia visto: pôs-se a fazer a descrição da vela de acordo com sua inteligência. Porém a sábia mariposa que presidia a reunião advertiu que a mariposa exploradora nada sabia sobre a vela. Outra mariposa aproximou-se da luz e tocou com suas asas a chama: a vela foi vitoriosa, e a mariposa vencida. Esta última também retornou e revelou qualquer coisa a respeito do mistério; explicou, segundo sua própria experiência, em que consistia a união com a vela. Porém a sábia mariposa lhe disse: ‘Tua explicação não é melhor que aquela que foi dada por tua companheira’. Uma terceira mariposa voou, ébria de amor, e atirou-se violentamente contra a chama da vela: impulsionada por suas patas traseiras, ela estendeu ao mesmo tempo suas patas dianteiras em direção à chama. Perdeu a si mesma e identificou-se alegremente com a chama; abraçou-a por completo e seus membros tornaram-se vermelhos como o fogo. Quando a sábia mariposa, chefe da reunião, viu ao longe que a vela havia identificado o inseto consigo mesma e lhe havia dado sua aparência, disse: ‘A mariposa conheceu o que queria saber; porém somente ela o compreende e eis tudo’”. (ATTAR. A linguagem dos pássaros. Op. cit. p. 218-219).
14) Idem. A conferência dos pássaros. Op. cit. p. 25.
15) Cf. ibidem, p. 26-27.
16) Ibidem, p. 28.
17) Ibidem.
18) Ibidem, p. 26.
19) Ibidem, p. 28, itálico nosso.
20) Ibidem, p. 30.
21) Ibidem, p. 35.
22) Ibidem, p. 30.
23) Ibidem, p. 36.
24) Cf. ibidem, p. 37.
25) Cf. ibidem, p. 31.
26) Ibidem, p. 41.
27) Ibidem.
28) AGOSTINHO, op. .cit. p. 285.
29) Cf. ATTAR. A conferência dos pássaros. Op. cit. p. 54-139.
30) Si-murgh, em persa, significa “trinta pássaros”; metaforicamente, a própria divindade.
31) ATTAR. A conferência dos pássaros. Op. cit. p. 141-142.
32) Ibidem, p. 23.
33) “A preposição de funciona no sistema de transitividade, isto é, introduz complemento”. (NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000. p. 644). “O complemento nominal vem regido de preposição e refere-se a substantivo e adjetivo de sentido relativo, incompleto”. (MELO, Gladstone Chaves de. Gramática fundamental da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1970. p. 214). Exemplo: “Saudade de torrão natal”. (Ibidem).

18 de out. de 2010

TEXTO IX: Segunda Reflexão: Relação entre Ceticismo e Filosofia


Rodrigo Rodrigues Alvim

01. Tem sido um erro apresentar o ceticismo como avesso à filosofia. Isso pode decorrer do imobilismo último do nosso pensamento binário: ou é ou não é. Assim, enquanto houver dúvida não há saber, mas onde há saber não há dúvida.

02. Muito pelo contrário, penso que o ceticismo é o avesso da filosofia, o que somente pode ser bem compreendido por um pensamento dinâmico ou dialético. O "avesso de" é aquilo que está pelo contrário do que tomamos por direito ou pela parte da frente, mas, não menos, é aquilo que está sempre junto. Se assim é, não há filosofia sem a dúvida, assim como a dúvida só se faz onde acontece um pretenso saber.

03. Neste sentido, tivemos um filósofo e professor no Brasil, Gerd Bonheim, que, certa vez, publicou uma obra introdutória de filosofia (1) que, para mim, expressa muito bem essa tensa interdependência entre o ceticismo e a filosofia. Esclarecendo o processo pelo qual a filosofia se dá, Bornheim faz-nos perceber o momento imprescindível pelo qual se dá movimento ao pensamento: a dúvida, a crítica instauradora da crise. Não fosse isso, engessaríamos nos dogmatismos do senso comum. Porém, bem entendido, não fosse antes alguma certeza, não teríamos do que duvidar. Se a dúvida é o momento negativo do processo filosófico, a certeza é o momento afirmativo desse mesmo processo. O cuidado que devemos tomar, aqui, é não compreender, por um imobilismo disfarçado, a certeza como um absolutamente antes e a dúvida como um absolutamente depois. Afinal, tudo é um processo, no qual, portanto, também a certeza é desdobramento de um momento anterior de dúvida e crise.

04. Outra nota que me importa ainda fazer dessa obra é relativa ao terceiro momento do processo filosófico que, surpreendentemente, Bornheim chamou de “conversão filosófica”. Genericamente, se o primeiro momento dogmático estaria para o senso comum e o segundo, para o ceticismo, o terceiro estaria, por seu turno, para a filosofia: uma nova afirmação após a inspeção crítica. Girando a roda, também essa nova afirmação estaria suscetível a dúvidas que a incidiriam em novas afirmações e assim por diante, ininterruptamente.

05. Ora, esse cenário nos permite compreender como que a filosofia algumas vezes se passa como antagônica ao ceticismo e, noutras vezes, se passa como sendo o próprio ceticismo. Embora necessite de maiores exames, é surpreendente como que nas escolas a crítica é endereçada à filosofia como sua tarefa. No imaginário em voga, o filósofo é o questionador por excelência, o inspetor e examinador dos raciocínios, curiosamente donde provém o temo “cético”. Por outro lado, o filósofo não é visto somente como aquele que interroga, mas igualmente como aquele que inova e apresenta teses novas – o que nos aponta, paradoxalmente, não mais para aquele que tão-só “põe abaixo o estabelecido”, mas para aquele que igualmente “eleva em meio às cinzas”.

06. Como o deus da mitologia greco-romana que devorava os próprios filhos, essa seria a imagem da filosofia. Ou seria como o Ouroboros, a serpente que devora, indefinidamente, a própria calda.


07. Essa razão autofágica deixa-nos assim entrever que uma história da filosofia é inseparável de uma história do ceticismo, quando não se trata de uma só e mesma coisa. Os motivos pelos quais a primeira nomenclatura prevalece sobre a outra são dois, não exclusivamente, segundo o que me ocorre neste instante: de um lado, já se pensa a dúvida, embora não declaradamente como o fez Bornheim, como parte constitutiva mesmo do ato filosófico; por outro lado, acompanhando André Verdan, professor de filosofia na França, em seu livro O ceticismo filosófico, (2) a certeza é sempre mais agradável a uma profunda tendência do homem de buscar um apoio incontestável e solidamente estabelecido à sua existência repleta de adversidades. Talvez seja, aliás, por isso que o cientista político inglês e conservador, Kenneth Minogue, escreveu que “a política sustenta, com dificuldade, o mundo comum no qual podemos conversar uns com os outros; e os filósofos [céticos], que dissolvem a experiência em perspectivas, horizontes, opiniões, valores, dominações, culturas e todo resto, destroem esse mundo comum.” E, conclui, inevitavelmente, que essa política, “dada toda a sua capacidade de ordenar muitos dos caminhos da vida, precisa manter distância dessas aventuras” do filósofo cético e afins. (3) Daí que, de roldão, prefere-se mais o filósofo em seus momentos de afirmação do que em seus momentos de negação, não obstante ambas, a afirmação e a negação, sejam igualmente imprescindíveis ao exercício filosófico e à própria existência uma da outra, conforme antes elucidamos.

08. É assim que a filosofia, somente para ilustrar, pode ser apresentada desde o seu início como negação do estabelecido pela compreensão mítico-religiosa da vida e destacar mais o não-saber socrático do que o seu único saber que leva ao mesmo, isto é, ao não-saber – mais uma vez, a negação dos “sábios” de seu tempo, os sofistas. Mas também estes, podem ser abordados como negação dos absolutismos que ordenam cada um que se encontra fechado em sua cidade-Estado, procedimentos muito anteriores ainda ao período helenístico de incertezas em que nasce precisamente a atitude de pensamento de Pirro e que tomou pela primeira vez, nos cartórios da filosofia, o nome de “ceticismo”.

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1. BORNHEIM, Gerd Alberto. Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais. São Paulo: Globo, 2009. 168 p.
2. VERDAN, André. O ceticismo filosófico. Tradução de Jaimir Conte. Florianópolis: UFSC, 1998. 135 p.
3. MINOGUE, Kenneth. Política: uma brevíssima introdução. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 8.

17 de out. de 2010

TEXTO IX: Primeira Reflexão: Motivos Céticos à Religião e à Ciência

Rodrigo Rodrigues Alvim

01. Inserido no mundo, o homem, crescentemente, passou a situar-se ao modo do que, desde o início da modernidade, denominamos “nova ciência”, ocupando espaços de influência que outrora coube quase que exclusivamente à religião. Por essa transição, também a filosofia, antes atenta aos motivos religiosos, deslocou-se do eixo da ontologia, do que especialmente se denominou “filosofia teológica”, para o da epistemologia, particularmente da teoria do conhecimento científico.

02. Esse fundo da modernidade implicou a nossa concepção do ceticismo como um avesso da filosofia, pois, enquanto esta última é concebida como um otimismo à possibilidade de conhecimento humano do que chamamos de “realidade”, aquele primeiro é tomado pela consideração segundo a qual “de nada temos certeza”. Nesse sentido, não somente “o pretendente ao saber”, que dá nome ao “filósofo”, é desabonado, mas também aquele que se dedica, entusiasticamente, a qualquer tipo de ciência da pretensa “realidade” – o que inclui, por conseguinte, o “cientista” de nosso tempo.

03. O que se pretende aqui destacar, inicialmente, é que o protocolo científico que está na gênese da modernidade e que domina toda a cultura ocidental dos últimos séculos, conforme o qual “o mundo deve ser conhecido por ele mesmo”, obscureceu o fato de que a filosofia nasceu antes como “sentido de vida” do que estritamente como “epistemologia”. E, de roldão, que também o ceticismo é antes uma “filosofia de vida” do que um avesso da filosofia ou uma pronta negação da epistemologia. Noutros termos, os céticos não são o que são por “princípio”, má-fé ou má vontade, mas por fadiga e zelo. Em melhores termos retóricos, os céticos desistem da ciência humanamente inalcançável para viverem a felicidade humanamente possível; não veiculam a filosofia que interessa à ciência moderna, mas ainda veiculam a filosofia que interessa à vida.

À CIÊNCIA

04. Se o conhecimento do mundo nunca é definitivo, toda intervenção no mundo à luz desse conhecimento é inevitavelmente irresponsável. O cético concorda com a “nova ciência” que um conhecimento último das coisas do mundo está para além das capacidades humanas, mas as pragmáticas que amparam a ambos nesse mesmo sentido são completamente distintas, pois somente o cético, por isso mesmo, se detém no imediato e se abstém de juízos últimos. O cientista, por sua vez, assim considera a questão em virtude do interminável encalço das causas últimas que lhe impediriam a faceta operante, técnica ou instrumental do seu conhecimento, tomando – incoerentemente, portanto – o imediato como último (como necessário, universal e definitivo), a fim de por aí estabelecer as suas intervenções. Assim, a coerência da pragmática cética, diferentemente da irresponsabilidade científica, conduz-nos à contemplação, à afasia e à ataraxia (contrárias à manipulação, à profissão e à crítica).

05. Noutros termos, já os iluministas destacavam que a “nova ciência” seria uma feliz conciliação entre “razão” e “experiência”. De fato, concordam os céticos que estas são as duas capacidades estritamente humanas de conhecimento. Contudo, ressaltam não menos que tais faculdades (a de entendimento e de sensibilidade) são, em seus limites, desproporcionais à dimensão do mundo que pretendem conhecer. Na contemporaneidade, o próprio “positivismo crítico” leva em consideração essas ponderações céticas, embora não veem como podemos escapar a essas nossas precondições ontológicas. Sua “demarcação” entre ciência e não-ciência não mais arroga, como os positivistas clássicos, que a não-ciência seja um discurso “sem-sentido”, mas apenas a considera como sentido formalmente distinto do científico. Confirma, ademais, a própria precariedade das precondições humanas que se refletem nas atividades e produções científicas, destacando, assim, o caráter de “provisoriedade” que também marca as teorias científicas. Tal destaque choca-se frontalmente com a aparente segurança que a cosmovisão científica do mundo possui no senso comum ou, antes, nas mentes tradicionalmente positivistas. Nesse sentido, a própria filosofia da história cientificista é uma tentativa de nos fazer esquecer que também a ciência é uma atividade humana e que, assim sendo, carrega consigo, inevitavelmente, os estreitos limites dos poderes humanos.

06. Finalmente, insistimos que ainda é corrente e predominante entre os contemporâneos a concepção de que a ciência é modo de compreensão e expressão de mundo que não se preocupa com as causas primeiras e últimas de seus objetos de investigação (como ainda fazia a filosofia próxima do mito e da religião), mas tão-somente com as causas imediatas dos mesmos. Insistimos, igualmente, que isso se justifica, pois a demora em perpassar e alinhavar todas as coisas a impediria de cumprir precisamente o que lhe dá fama: sua capacidade de pronta intervenção e manipulação do mundo. Em compensação, ela, esta ciência, se pulverizou em “especializações”, o que nos gera a expectativa de que nada lhe poderá escapar. A demanda hodierna de interdisciplinaridade ou transdisciplinaridade deixa transparecer, ao fundo, uma concepção do mundo como unidade ao mesmo tempo em que compensa a sua insistência no trato dos vários modos como este mundo se nos revela.

07. Hoje, entretanto e cada vez mais, a “ciência moderna” se desnuda não como apenas aquela que não sabe das causas primeiras e últimas do que investiga, mas desconhece tanto mais as conseqüências longínquas de cada coisa que manipula. Na verdade, ela só se estende até os efeitos “co-laterais” ao que diretamente lhe importa. Ela mesma se avoluma, presentemente, em descobertas de efeitos nocivos de seus procedimentos passados à natureza e, por inclusão, a cada um de nós, procedimentos estes que outrora lhe pareceu tão inofensivos.

08. Perdidos no imediato de nossas próprias contingências plurais e valorizando-as, esquecemos que, no entanto, estendemos o nosso pequeno mundo para uma última fronteira muito além dele mesmo. Como que por um “efeito rebote”, estamos tomando consciência do quanto nos tomamos como absolutamente responsáveis por aquilo que, na verdade, nunca estávamos em plenas condições de responder. Todavia, isto se faz não por uma cosmovisão menos sistêmica, mas, muito opostamente, reafirmamos a unidade das múltiplas coisas quando precisamente estamos a falar de uma “natureza” que reclama de nossas agressivas intervenções, ampliadas pelas técnicas científicas. As coisas, assim, se reafirmam em cadeia, ou seja, como múltiplas e uma só, ambiguidade que, mais uma vez, expressa a nossa trágica condição.

09. Tratar da ecologia, por exemplo, em nosso tempo tecnocientificista e capitalista é, verdadeiramente, um drama, pois se, por um lado, remete a nossa atenção, sem dúvida, à necessidade de conservação de nossa diversidade de fauna e flora, paradoxalmente atrelada à idéia de cadeia entre tal diversidade, uma vez que é precisamente ela que sustenta a concepção de que somos todos co-responsáveis pela destruição ou conservação da natureza, estejamos direta ou indiretamente lidando com ela, por outro lado o trato da ecologia, alerta-nos ainda mais para o fato de que enquanto nos vemos diante da natureza, como é praxe acontecer na “nova ciência”, estamos imperceptivelmente sendo vítimas de uma concepção de natureza que é simples objeto para a nossa intervenção qualquer, porquanto nada mais é propriamente intocável, mas tudo sofre a manipulação que o transformará em mercadoria, objeto de troca que é demandado e que ao mesmo tempo sustenta a sociedade do “livre” mercado. Eis o paradoxo da nossa própria existência: sentimo-nos diante da natureza (aliás, como senhores dela), mas não menos estamos na natureza (submetidos a ela), expressão de nosso inexorável entrelaçamento com cada ente que conosco compõe esta unidade chamada “vida”. Não há, consequentemente, como esgotá-la sem nos consumirmos fatalmente a nós próprios – inquietação de nossa alma!

À RELIGIÃO


10. Uma vez que as capacidades humanas de conhecimento estão demasiadamente aquém do que pretendem conhecer, o “sentido de vida”, que, para tanto, é necessariamente universal, não se contém nos limites humanos de razão e de experiência. Logo, o universal que se quer ensejado pela razão ou pela experiência não passa de uma ilusão dogmática para os céticos.

11. Brevemente, justificamos que os dados sensoriais que temos apenas nos fornecem as particularidades da vida e que, dessas particularidades, por maior que seja o seu número, não se pode daí inferir uma proposição universal. Também os dados racionais, para serem assim considerados, devem ser inferidos imprescindivelmente de outros dados evidentes por si sós. Se ainda estes últimos também assim não o são, devem ser deduzidos de outros que assim o sejam. Ora, comumente, ou a cadeia cessa em dados ainda não auto-evidentes ou se desenrola ao infinito e logicamente indecisa.

12. Em nosso passado, essa contingência dos dados humanos foi compensada pela primazia dos dados pretensamente não-humanos. Em outras palavras, se humanamente não podíamos nos dar a nós mesmos o incorruptível, pensou-se que somente poderíamos tê-lo caso ele próprio se nos revelasse a nós. A verdade foi, portanto, apresentada como sua revelação àqueles que agora nos a revelam. E, em nossa história recente, a fim de nos reconduzir aos limites do que nos é dado às nossas capacidades naturais, pensadores racionalistas e empiristas reunirão seus esforços para desacreditar as pretensas autoridades dessas verdades reveladas, chamando estas últimas de superstição. Pouco a pouco, ocorre a “democratização” das instâncias de verdade: todo homem é detentor de razão e de experiência; portanto, tudo o que nos é dado por razão e experiência é verdadeiro, não por autoridade de alguns, mas por autoridade de todos os homens, porquanto não há ninguém que seja privado de confirmar, por essas mesmas capacidades que igualmente possui, a veracidade do verdadeiro ou a falsidade do não-verdadeiro. Mas o otimismo da distribuição equânime dessas capacidades logo se desfez e ainda hoje assistimos, na falta de algo melhor, ao governo provisório dos convencionalismos de grupos humanos, casando a epistemologia com as hegemonias políticas.

13. Chegou-se mesmo a denunciar, ainda na metade do século XVIII, que também a “nova ciência” está calcada em conexões habituais e costumeiras, que, no entanto e erroneamente, são-nos apresentadas como conexões necessárias, bem como nas crenças de que o futuro há de se dar tal e qual o passado. A unidade do pensamento foi se dissolvendo em multiplicidade cultural. Bem observando, a modernidade foi multiplicando e consolidando os motivos céticos primitivos, os mesmos que fizeram com que alguns filósofos suspeitassem de que o absoluto não se adequa às condições humanas e que, por conseguinte, não há afinidade entre a verdade universal, humanamente inalcançável, e a felicidade do homem, mas sim entre esta e o abandono daquela. Tal relativismo que comumente antecede ao comportamento cético não se demora, contudo, aí. O relativismo moderno, que em si se demora, tornou-se parte insubstituível do atual modo de produção, pois bem expressa a extensão da novidade que se tem para se consumir num tão breve tempo, fazendo de nossa vida uma insatisfação sem fim, estressante e vã. O relativismo cético, ao contrário, tende a conduzir-nos ao engajamento absoluto da cultura a que pertencemos: se as culturas, se os modos de se pensar e de se ser dos grupos humanos se equivalem, não há porque se desgastar em se querer diferentemente do que já se tem. O relativismo cético, consequentemente, não é inimigo da tradição, como o relativismo de consumo, mas lhe é desenlace para uma vida feliz. O ceticismo pirrônico, ao denunciar os limites das faculdades humanas de entendimento e sensibilidade, reporta-nos ao que somente a tradição nos pode mais facilmente fornecer: os aportes mais seguros para uma vida pacificada.

14. Como parte de nossa tradição, a religião pode ser assim bem guardada. Não é por acaso que Montaigne se manteve coerentemente cético e cristão fervoroso e Pascal, um fideísta advogado de Pirro.

16 de out. de 2010

TEXTO VIII: Exercícios Iniciais de Lógica Simbólica

Rodrigo Rodrigues Alvim

Antes da leitura deste texto, aconselha-se a leitura do Texto XVIII (Elementos de Lógica Simbólica), dentro da categoria Lógica.

Construam as tabelas de verdade dos seguintes enunciados:

p . ~ p







~ (p . ~ p)







Percebam que o resultado alcançado para (p . ~ p), em todas as possibilidades, foi sempre “falso” (F) e para [~ (p . ~ p)], em todas as possibilidades, foi sempre “verdadeiro” (V). Sempre quando um enunciado composto obtiver esse primeiro resultado em todas as suas possibilidades, tratar-se-á de uma contradição; sempre quando um enunciado composto obtiver esse segundo resultado em todas as suas possibilidades, tratar-se-á de uma tautologia. Caso tivermos ambos os resultados, tratar-se-á de uma contingência.

Observem que o segundo enunciado é a fórmula do princípio de contradição (também chamado de princípio de não-contradição), princípio lógico que corresponderia ao princípio ontológico, segundo o qual não pode “algo” ser e não ser ao mesmo tempo e sob a mesma relação: se “algo” designa um objeto, a definição se dá no campo ontológico; se “algo” se refere a uma proposição, a definição se dá no campo lógico (“não , ao mesmo tempo, p e não p”).

Construam agora as tabelas de verdade dos próximos enunciados:

p → p







p ↔ p







Como a tautologia definidora do princípio de não-contradição, estas tautologias imediatamente acima definem o princípio de identidade.

Construam igualmente a tabela de verdade do enunciado abaixo:

p v ~ p







Trata-se também de uma tautologia? Pois bem, este enunciado é a fórmula do princípio do terceiro excluído.

Como próxima tarefa, construam as tabelas de verdade dos três enunciados subseqüentes:

(p . q) → p









~ [p → (p v q)]









~ (p . q)









Pelos resultados obtidos, respondam se cada um dos enunciados acima é “tautológico”, “contraditório” ou “contingente”.









Construam também as tabelas de verdade dos dois novos enunciados:

[(p → q) . p] → q









[(p → q) . ~ q] → ~p









Estas fórmulas supracitadas (ambas tautológicas, como se vê) são chamadas, respectivamente, de “modus ponens” e de “modus tollens”. Comumente, são também apresentadas das seguintes maneiras:

p → q
p
--------
q


p → q
~ q
---------
~ p

Construam a tabela de verdade de (p → q) e marquem, para cada um dos argumentos acima, a única linha onde seria possível observar e demonstrar a necessidade de cada conclusão.













Elaborem as fórmulas (enunciados compostos) dos seguintes argumentos:

p → q
q
--------
p






p → q
~ p
---------
~ q





Construam as tabelas de verdade das fórmulas (enunciados compostos) então elaboradas.














Pelos resultados obtidos, respondam se cada uma das fórmulas (enunciados compostos) acima é “tautológico”, “contraditório” ou “contingente”.





Construam a tabela de verdade de (p → q) e marquem, para cada um desses dois últimos argumentos, as duas linhas pelas quais seria possível observar e demonstrar a contingência de cada conclusão.











Espero que estes exercícios lhes tenham sido mais que uma oportunidade de auto-avaliação. Noutros termos, espero que estes exercícios lhes tenham sido também uma oportunidade de novas aprendizagens.