Pensar as coisas, pensar sobre o que se pensou e assim sucessivamente. Pensamento que se dobra sobre si mesmo, reflexão. A razão rumina a existência. Absortos, matutando, isto é filosofar. Pense conosco!

Acima, Caipira Picando Fumo
J. F. Almeida Júnior
Óleo sobre tela, 1893
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo





15 de abr. de 2012

TEXTO XXX: O Pastor Solitário

Rodrigo Rodrigues Alvim



01. Há, postado no Youtube, uma apresentação de Gheorghe Zamfir, quando ainda relativamente jovem (trata-se do ano de 1977), da música “Einsamer Hirte” (“O Pastor Solitário”), uma música que impacta, nos deixando reflexivos. Geralmente leva-nos a imaginar, como seu próprio título parece imediatamente sugerir, um pastor solitariamente a cuidar do seu rebanho, rebanho que, por sua vez, se perderia sem a orientação do cajado do seu pastor.



02. Já aí, é a solidão do pastor que se destaca, pelo contraste do sentimento de amparo que oferece ao seu rebanho. Que paradoxo! Simplesmente assim, não fosse para alguém que já leu algumas páginas de Friedrich Nietzsche. Neste confronto, a imagem proporcionada pela melodia torna-se ainda mais intensa. Quando não se é homem de liderança, homem resoluto, é preciso confessar que se está muito mais para um em meio ao rebanho do que para pastor, ou seja, que se está vivendo à sombra de alguém que possa decidir por nós, uma sombra muito agradável, pois nos abriga da possibilidade de que respondamos pelas consequências do que se decidiu, quando toda decisão inevitavelmente possui consequências imprevisíveis (condição que nos remete ao nosso fundamental desamparo neste existir). Por tal contorno, a melodia de Gheorghe Zamfir nos faz intimamente reconhecer, sem publicamente confessar, o quanto estamos e (o que é talvez pior) o quanto desejamos permanecer nessa condição de um como tantos, na condição da “massa” humana, que um poeta brasileiro cantou como “vida de gado, povo marcado, povo feliz”. Nessa marca, assinatura de outrem, de nosso senhor, cada qual se protegeria na superfície da vida (que, dessa maneira, passou à mão de outro). Na outra ponta, para que o pastor mantenha o seu rebanho no seu aprisco, tal pastor queixa-se constantemente do peso do seu dever de proteger as suas ovelhas, dessa sua “solidão”, assegurando-lhe a ascendência que tem sobre todos, uma vez que impele a ninguém desejar para si tão pesado fardo. Alguns, finalmente, sentem-se como pastores diante de seu rebanho; quem não tem rebanho sente-se no curral de algum pastor... Não, não é somente isso, mas nunca me ocorreu o que mais.


03. Hoje, porém, acordei diferente: entre o sono e a vigília dessa última noite, ocorreu-me que a real solidão não é a do pastor que dá a vida por suas ovelhas, mas do pastor despojado de qualquer rebanho, pelo qual pudesse se justificar e encontrar sentido para o seu existir. Esse pastor só pode ter ascendência sobre si mesmo e não pode submeter-se a ninguém, senão a si próprio. É essa a verdadeira solidão, é esse verdadeiramente “O Pastor Solitário”. É assim que se nasce, é assim que se morre: somente no meio é que podemos sonhar em ser pastor de um rebanho ou pertencer a um rebanho sob o cajado de um pastor. Nos extremos, o niilismo que, esperava Nietzsche, somente o homem do porvir (o "super-homem") poderia viver assumidamente, de modo a não se deixar perturbar.


04. Há quem neste momento estará simplesmente pensando em autoridades e comunidades religiosas, restrição hoje amplamente usada, principalmente pelos grandes meios de comunicação, para escamotear as nossas imposições e subserviências dentro das nossas múltiplas comunidades ditas laicas e seculares. De um modo geral, no trato do problema que eu aqui coloco, aquelas costumam ser atualmente muito mais honestas do que essas últimas - para escândalo de muitos e desânimo de todos nós.

4 de abr. de 2012

TEXTO XXIX: Análise Lógica do Texto "Instaurare omnia in Christo"

Rodrigo Rodrigues Alvim

01. Por ocasião da Páscoa do ano de 2006, os alunos representantes dos Diretórios Acadêmicos dos Cursos de Filosofia e Teologia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – CES-JF – me pediram algumas palavras escritas para que pudessem ser publicadas num informativo, chamado “Anônimo”, pelo qual eram eles responsáveis. Assim, ao segundo número do primeiro ano deste informativo, que tinha por tema a “renovação”, apresentei o seguinte texto:

“Instaurare omnia in Christo”

(01). Se fôssemos completamente presos à “terra” (1), nem mesmo disto teríamos “consciência”, pois desta a “distância” é uma das características básicas (2). Se fôssemos completamente presos à “terra”, não poderíamos “nos ultrapassar” (3)... Ora, vemo-nos “diante” do mundo, embora nele estejamos mergulhados; vemo-nos “diante” de nós próprios, embora sejamos nós próprios... Logo, como seres conscientes de si e do mundo, ultrapassamo-nos a todo instante (4).

(02). Os antigos gregos assim se compreenderam: animais em posse do “fogo” dos deuses e, por isto mesmo, nem mais totalmente animais, nem totalmente deuses, nem metade animais e metade deuses, mas um terceiro: homens (5)!

(03). A tradição judaico-cristã foi mais direta: somos à imagem e semelhança de Deus (6).

(04). Por não estarmos completamente presos à “terra”, esta “distância” nos faz para nós próprios e, portanto, livres – livres inclusive para nos entregarmos completamente à “terra”. Logo, se assim é, quem “responde” por nossa “entrega” somos nós mesmos.

(05). Livres e conseqüentemente responsáveis, podemos conscientemente mudar a nós próprios. Entretanto, quem muda a si mesmo conscientemente se reconhece naquilo que antes fora e, por conseguinte, continua sendo, em alguma medida, o que outrora se fora. Somos, pois, um rastro, um “superar-conservando”, uma “suprassunção” por excelência (7).

(06). Quanto a nós, cristãos, penso que não devo perder a memória do “homem velho”, a fim de exaltar a atualidade do “homem novo” (8), que é antes “re-nascendo” que prontamente nascido. E, com os meus irmãos de fé, eu guardo a íntima esperança de que a nossa renovação em Cristo, numa Páscoa tão infinita quanto Deus, possa contagiar e renovar a “terra”.

(1) Alusão a Friedrich Nietzsche.
(2) Gerd Bornheim e outros.
(3) Friedrich Nietzsche em questão.
(4) Dinâmica da vida humana.
(5) Por exemplo, o mito de Sísifo ou de Prometeu.
(6) Imago Dei, Gn 1, 27.
(7) Antropologia dialética.
(8) Alusão a Paulo de Tarso, Col 3, 9-11.

02. Dias subsequentes à Semana da Páscoa, obtive um dos exemplares do informativo no qual estava publicado este meu pequeno escrito, quando saía de um dos campi do CES-JF, Instituição na qual trabalhei como professor de disciplinas filosóficas, dentre as quais encontrava-se a “Lógica”. Carreguei-o comigo.

03. Já noutro momento, estando eu a aguardar, dentro de sala de aula, que os meus alunos terminassem a resolução de alguns exercícios pertinentes à disciplina anteriormente citada, resolvi tomar algo para ler. Como não trouxera nada comigo, senão aquele exemplar do informativo “Anônimo”, acabei lendo-o mais uma vez e mais outra e mais outra.

04. De repente, percebi que já estava eu perscrutando a estrutura lógica do meu texto acima exposto, apesar de sua simplicidade, ou, de outra forma, analisando o encadeamento de pensamento que possivelmente fiz ao constituí-lo. Tal “distração” que encontrei redundou nas considerações que agora passo a apresentar e que, no meu juízo, parecem-me oportuno a quem já leu os Textos VII, VIII e XVIII (que se encontram dentro da Categoria “Lógica” deste Blog), os quais apresentam rudimentos da lógica aristotélica e simbólica, respectivamente. Como temos aí apenas rudimentos lógicos, a análise aqui é também, para uma compreensão possível, bastante rudimentar, mas já permite que se entreveja, com tão pouco, o uso de elementos lógicos para análise ou construção do discurso.

05. Ademais, não poderia eu perder tais condições para isto, porque constantemente relembro aos meus alunos que todos sempre fizeram e fazem uso do que fundamentalmente importa à “Lógica” filosófica, que, enquanto tal, é apenas a chance que encontramos de pensar sobre como sempre pensamos, ou seja, de explicitar o que sorrateiramente sempre nos acompanhou em nossas conversas, seja em nossas discussões familiares, em nossos debates em mesa de bar, em nossas queixas às autoridades públicas, etc. Do mesmo modo, quando escrevi o meu pequeno texto em questão, não o fiz por uma explícita análise lógica, mas como algo que me pareceu livre e espontaneamente coerente. Contudo, o que posso agora constatar é que tal coerência se deu e se mantém tanto mais o que eu disse ou escrevi coincidiu e coincide com os limites, com a estrutura ou com os princípios e as normas da minha própria razão (ainda que nem tudo se reduza tão-somente a isto). Por conseguinte, se bem argumentar faz parte do ofício do filósofo, redigir dominando os recursos lógicos é imprescindível à formação do estudante de filosofia e de todo acadêmico.

06. O título do texto é um imperativo e, como tal, pretende incitar o leitor a uma determinada ação: instaurar, restaurar, renovar “tudo” ou “todas as coisas” à luz da mensagem de Cristo (o “Filho de Deus” e o próprio Deus aos por isto mesmo denominados cristãos). Por “todas as coisas” toma-se “o mundo no qual vivemos”, que, no entanto, para o cristianismo, não é tudo, pois esta religião professa entidades transcendentes ao “mundo no qual vivemos” e existência após morte para o homem. “Todas as coisas” e “mundo no qual vivemos” também são chamados, no texto, de “terra”. Tudo isto está subentendido no texto desde o seu título e pelo público ao qual ele se dirige. Clamar que “todas as coisas” sejam renovadas à luz da mensagem de Cristo significa aceitar que elas assim não se encontram e, portanto, que “todas as coisas” e a mensagem de Cristo se distinguem. Mas significa, ao mesmo tempo, que “todas as coisas” podem se conformar à mensagem de Cristo por obra daqueles a quem o imperativo se dirige, ou seja, por obra dos cristãos, destinatários do texto. Para isto, não podem os homens serem apenas um produto do meio em que vivem, do “mundo no qual vivemos”, da “terra”. Esta disjunção pode ser assim representada:

p – A “terra” é passível de ser renovada à luz da “Boa Nova” cristã.
q – Todos nós somos completamente determinados (“presos”) pela “terra”.

p w q [Ou a terra é passível de ser renovada à luz da “Boa Nova” cristã ou todos nós somos completamente determinados (“presos”) pela “terra”].

07. Como o texto tem por seu título o imperativo “Instaurare omnia in Christo”, estará obviamente na sustentação da proposição p pela negação da proposição q:

p w q
~ q
-------------------------
:. p

08. Neste sentido, a tese que o texto pretende defender é a de que nós não somos completamente presos à “terra”, pois, como observamos no seu decorrer,

~ q g p (Se nós não somos completamente presos à “terra”, então a “terra” é passível de ser renovada à luz da “Boa Nova” cristã).

~ q g p
~ q
-------------------------
:. p

09. Por força disto, o primeiro parágrafo do texto se configura a partir da elaboração de uma argumentação que possa ter como sua conclusão necessária a proposição de que nós não somos completamente presos à “terra”. Largamente, isto ocorreu desta maneira:

Todo completamente preso à “terra” não é capaz de ultrapassar a “terra”.
Ora, (todos) nós somos capazes de ultrapassar a “terra”.
Logo, (todos) nós não somos completamente presos à “terra.

10. Este argumento é válido: 1) possui três termos: um maior (“o completamente preso à ‘terra’”), um médio (“o capaz de ultrapassar a ‘terra’”) e um menor (nós); 2) os termos da conclusão não têm extensão maior do que eles mesmos nas premissas (o sujeito da conclusão é universal e se encontra com igual extensão como sujeito da premissa menor; o predicado da conclusão, encontrando-se numa proposição negativa, é universal e se encontra com igual extensão como sujeito da premissa maior); 3) o termo médio não entra na conclusão (para exercer o seu papel mediador, este termo se encontra devidamente presente em ambas as premissas); 4) o termo médio é universal ao menos uma vez (apesar de sua extensão particular na premissa menor, ele se faz universal na premissa maior); 5) de duas premissas negativas, nada se conclui (somente a premissa maior se faz negativa); 6) de duas premissas afirmativas, não pode haver conclusão negativa (não obstante a conclusão seja negativa e a premissa menor seja afirmativa, a premissa maior é negativa); 7) a conclusão segue sempre a premissa mais fraca (do ponto de vista quantitativo, a conclusão é universal, mas do mesmo modo o são as premissas das quais ela se infere; do ponto de vista qualitativo, da premissa maior negativa e da premissa menor afirmativa, a conclusão é negativa, seguindo, pois, a qualidade mais fraca da premissa maior); 8) de duas premissas particulares, nada se conclui (não é o caso deste argumento, formado por duas premissas universais).

11. Apesar de válido, este argumento não é “perfeito”, ou seja, ele é “inteligível”, mas não o mais claramente inteligível. De outra forma, embora tal argumento respeite as regras lógicas acima, o lugar do termo médio (M) na premissa maior faz com que ele contrarie a sua extensão comparativamente à extensão do termo maior (T), pois este como sujeito e o termo médio como predicado faz com que o termo maior seja considerado menor que o termo médio:

Sujeito 
< 
Predicado

Premissa maior:
Premissa menor:
Conclusão:
T
t
t
< 
< 
< 
M
M
T
Termo maior (T)
menor que o
termo médio (M)

 12. Neste caso, pode-se apenas fazer a conversão simples dos termos da premissa maior, uma vez que esta é uma proposição universal negativa. Recorrendo ao atalho medieval, trata-se do modo CES/A/RE de 2ª Figura (imperfeita) que deverá ser reduzida ao modo CE/LA/RENT de 1ª Figura (perfeita). Desta maneira, obteremos o argumento abaixo:

Todo capaz de ultrapassar a “terra” não é completamente preso à “terra”.
Ora, (todos) nós somos atos ultrapassantes.
Logo, (todos) nós não somos completamente presos à “terra.

13. Em seguida, dos fundamentos da tese, tem-se a expectativa de que alguém poderá suspeitar da premissa menor: (todos) nós somos atos ultrapassantes”. Daí a necessidade de justificação desta proposição, o que ocorre, primeiramente, por uma simples recorrência à autoridade (de Gerd Albert Bornheim), que afirma ser a “distância” uma das características básicas de realização do ato de consciência, o que permite ao texto, ainda nas entrelinhas de seu primeiro parágrafo, rascunhar uma articulação de argumentos mais ou menos assim:





┌ ּּּּ

└→


┌ ּּּּ
└→


Todo se voltar para si ou para outro (mundo) [estar “diante” de...] implica em tomada de distância de si ou de outro (mundo).
Ora, toda consciência de si ou de outro (mundo) implica em se voltar para si ou para outro (mundo) [estar “diante” de...].
Logo, toda consciência de si ou de outro (mundo) implica em tomada de distância de si ou de outro (mundo).

Toda tomada de distância de si ou de outro (mundo) é ato ultrapassante de si ou de outro (mundo).
Ora, toda consciência de si ou de outro (mundo) implica em tomada de distância de si ou de outro (mundo).
Logo, toda consciência de si ou de outro (mundo) é ato ultrapassante de si ou de outro (mundo).

Toda consciência de si ou de outro (mundo) é ato ultrapassante de si ou de outro (mundo).
Ora, cada um de nós é consciência de si ou de outro (mundo).
Logo, cada um de nós é ato ultrapassante de si ou de outro (mundo).

14. Estes argumentos são válidos, porque observam as oito regras lógicas já antes explicitadas e aplicadas em argumento silogístico anterior, e são racionalmente óbvios (ou perfeitos), pois também o termo médio (M) nas premissas de cada um dos argumentos permite o respeito à extensão de todos os termos destes mesmos silogismos. Trata-se em todos os casos do modo BAR/BA/RA de 1ª Figura.

15. Os parágrafos segundo e terceiro do texto são ilustrações histórico-culturais de compreensão de que nós homens não somos completamente presos à “terra”, mas ultrapassamo-la como a nós mesmos. Indiscutivelmente pode ser encarado como recurso retórico de importantes efeitos psicológicos sobre o leitor em favor da tese do autor do texto. Todavia, permite ser cunhado logicamente como imediatamente apresentamos:






┌ ּּּּ
└→



┌ ּּּּ
└→
Os antigos gregos e a tradição judaico-cristã compreendiam o homem como seres ultrapassantes ou transcendentes ao mundo.
Ora a cultura ocidental é produto dos antigos gregos e da tradição judaico-cristã.
Logo, a cultura ocidental compreende o homem como seres ultrapassantes ou transcendentes ao mundo.

A cultura ocidental compreende o homem como seres ultrapassantes ou transcendentes ao mundo.
Ora, nós pertencemos à cultura ocidental.
Logo, nós compreendemos o homem como seres ultrapassantes ou transcendentes ao mundo.

Todo homem é compreendido por nós como seres ultrapassantes ou transcendentes ao mundo.
Nós somos homens.
Logo, nós somos compreendidos por nós (mesmos) como seres ultrapassantes ou transcendentes ao mundo.

16. Resolve-se, enfim, um dilema que assim se expressa:

q – Todos nós somos completamente determinados (“presos”) pela “terra”.
r – Todos nós somos livres.

(q . ~ r) w (~ q . r) [Ou todos nós somos completamente determinados (“presos”) pela “terra” e todos nós não somos livres ou todos nós não somos completamente determinados (“presos”) pela “terra” e todos nós somos livres].

17. Por tudo o que já se desenvolveu até aqui, tal dilema equaciona-se do seguinte modo:

{[(q . ~ r) w (~ q . r)] . ~ (q . ~ r)} g (~ q . r)

18. Conclui-se, pois, que todos nós não somos completamente determinados (“presos”) pela “terra” e que todos nós somos livres.

19. O parágrafo quarto do texto explora tal resultado e infere da dimensão de nossa liberdade a nossa autodeterminação e responsabilidade. Representamo-lo também por um silogismo válido e perfeito de primeiro modo:

Todo aquele que é livre responde pelos seus atos (“entregas”).
Ora, todos nós somos livres.
Logo, todos nós respondemos pelos nossos atos (“entregas”).

20. O quarto parágrafo segue nos desdobramentos lógicos a partir do antes igualmente desdobrado:

Toda mudança voluntária de si mesmo (livre e responsável) é consciência de si próprios como interseção extensiva a  um antes e um depois (“suprassunção”).
Alguns dentre nós mudam-se a si mesmos voluntariamente.
Alguns dentre nós são consciências de si próprios como interseções extensivas a um antes e um depois (“suprassunção”).

21. Este argumento é construído de modo a ser válido: DA/RI/I, 1ª Figura.

22. Todo este suporte lógico visa atender ao que requer a mensagem final do texto, que guarda, em seu mais fundo, a tradicional relação DEUS – HOMEM – MUNDO. Aliás, a filosofia foi, por muitos e longos anos, definida como um tratado destas três “substâncias” ou “naturezas”. Numa perspectiva cristã e otimista, o mundo submete-se à boa vontade humana, que, por sua vez e enquanto tal, só pode coincidir com a vontade santa de Deus, porque perfeita. Finalmente, não é o mundo que determina o homem, mas é Cristo que o contagia no exercício da própria liberdade do homem e, através deste, renova a “terra”. Eis a inabalável “aliança”, a grande PÁSCOA que ininterruptamente se realiza e o banquete dito eterno pelos cristãos.

23. Como propus e desenvolvi aqui uma análise de texto sobretudo numa perspectiva silogística, o material examinado deveria ser agora re-elaborado – caso se pretenda dele uma atenção tanto lógica quanto de estilo literário. Afinal, bem se viu que, tantas vezes, teve-se que recorrer mais ao subtendido do que ao explicitamente dado. Por isto mesmo, a análise aqui feita também não deixou de ser uma defesa do próprio texto, quando se procurou sempre apresentá-lo mediante recursos de silogismos não somente válidos, mas também perfeitos. Apesar disto, não se está aqui comungando de uma tendência que geralmente afirma que um texto mais atento à sua elegância prejudica a sua clareza lógica ou vice-versa. Ao contrário! Como já disse antes, quando produzi o texto aqui examinado, fi-lo sem qualquer esboço de estrutura lógica. Se ele permitiu ainda alguma análise desta ordem, isto se deveu estritamente ao fato de ele ter sido composto por um ser racional e de modo argumentativo. Creio, pois, que, se eu o redigisse novamente agora, não apenas o melhoraria em sua clareza mas igualmente em arte e inspiração.


24. Em nossas considerações cotidianas, também não estamos a prezar por esta clareza lógica. Na verdade, isto demanda tempo – e tempo é precisamente o que atualmente não nos é mais oferecido para pensar. Se “tempo é dinheiro”, a pobreza material do filósofo, que o oferece todo ao pensamento, está devidamente justificada. De certa vez, num programa televisivo, foi pedido a uma filósofa que, rapidamente, dissesse o que pensar sobre determinado ponto da questão então em pauta. Ela não quis se manifestar. Insistiu-se. Fez ela um gesto de passar a vez. Teimou-se, contudo. Então ela disse, sem esconder algum cansaço: se vocês querem saber o que pensar sobre isto, eu preciso de mais tempo e posso dizê-lo depois; se, entretanto, vocês querem apenas a minha opinião, esta sim eu posso lhes apresentar agora.