Pensar as coisas, pensar sobre o que se pensou e assim sucessivamente. Pensamento que se dobra sobre si mesmo, reflexão. A razão rumina a existência. Absortos, matutando, isto é filosofar. Pense conosco!

Acima, Caipira Picando Fumo
J. F. Almeida Júnior
Óleo sobre tela, 1893
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo





31 de out. de 2011

TEXTO XVI: A Filosofia Grega Vai ao Estrangeiro

Rodrigo Rodrigues Alvim

1. Considerações panorâmicas sobre as filosofias helenísticas

01. A filosofia da antiguidade clássica grega, particularmente sustentada em Sócrates, Platão e Aristóteles, não pode ser dissociada da constituição política da qual gozavam as poleis gregas, precisamente porque eram cidades-estados, ou seja, gozavam de uma autonomia que bem refletia o orgulho grego em relação a sua identidade, distinção e superioridade. Tinham a si mesmos (os helenos) como homens propriamente ditos e os não-gregos como bárbaros, animais e selvagens, tanto mais seus costumes se distanciassem do modus pensandi e do modus vivendi gregos.

02. Esses dados nos permitem compreender o impacto que o mundo helênico sofreu ao submeter-se ao macedônio Alexandre. Embora este, bem educado por Aristóteles, tenha, na realidade, expandido a cultura grega por todo o seu império (não é por acaso que este império fora denominado ulteriormente “helenístico”), tal expansão não foi bem vista pelos gregos (do mesmo modo que, nos seus mitos, os deuses se enfureceram com os titãs que roubaram o fogo divino e o entregaram a criaturas inferiores: a humanidade), ciosos que eram de sua cultura. Na filosofia, este impacto não foi menor. A partir de então, o tema geral dos pensadores em contexto helenístico será precisamente este: como filosofar e viver em nova e estranha condição, porque não mais balizada pela constituição política grega?



03. Caídos os muros das cidades-estados modelos, os filósofos veem-se a si próprios num mundo sem fronteiras, sem as antigas orientações. Ao senso comum ateniense, por exemplo, que naqueles anos de autonomia recorriam à praça para decidirem os seus destinos (o destino da polis, as suas leis), agora, submetidos a um estrangeiro, o imperador macedônio, nem mesmo a este podem recorrer, uma vez que Alexandre, de modo constante, se encontra longinquamente em algum ponto da grande expansão do seu império. Assim, sedentos de novas referências, Zenão de Cítio, Epicuro e Pirro, dentre outros, desenvolverão reflexões que marcarão esse novo tempo, tomando vulto histórico como novas vertentes filosóficas, denominadas, respectivamente, estoicismo, epicurismo e ceticismo, dentre outras, como o cinismo e, mais tarde, o neoplatonismo.



04. É imperativo, pois, observar que as filosofias helenísticas são, antes de tudo, filosofias de vida, ainda que não percam o rigor de pensamento. É notório que os pensamentos de Platão e Aristóteles exigiram uma profundidade conceitual somente alcançada por aristocratas que, distantes do cuidado direto e incessante do provimento das necessidades materiais (manuais), reconheceram a importância desse “ócio” para dedicação às especulações, abstrações e generalidades (às “coisas mais elevadas”, segundo consideravam). As filosofias helenísticas, nesse sentido, são mais próximas do pensamento de perfil socrático, num claro interesse de acessibilidade para todo e qualquer homem, grego ou macedônio, livre ou escravo. Daí que surge a concepção do homem como “cidadão do mundo”, concepção denominada geralmente “cosmopolitismo” (“minha cidade é o mundo”). Por isso que, mais do que pensamentos atrelados a elementos externos como o de origem e naturalidade, as filosofias helenísticas promoverão um movimento de internalização, que nos revela a sua tarefa maior de conduzir o homem à traquilidade de sua alma. Eis o filósofo: aquele que se mantém imperturbável, mesmo em meio às intempéries da vida em seu entorno, como as conquistas ou perdas políticas, o acúmulo de riquezas ou a pobreza, etc.

05. Passemos, agora, a expor algumas peculiaridades introdutórias de cada uma das três maiores vertentes filosóficas helenísticas.

2. O epicurismo

06. O epicurismo enquanto escola filosófica desaparecerá paulatinamente com o advento do cristianismo, principalmente pelo fato de o seu fundador, Epicuro, ter proposto a identidade entre a felicidade humana e o prazer, este último no seu sentido mais amplo e, por isso, também carnal, o que se opõe frontalmente à concepção ascética cristã. Nos fármacos ou remédios que Epicuro apresenta para livrar os homens das perturbações da alma, podemos entrever a recusa de Epicuro a uma outra realidade para o homem, senão esta na qual já nos encontramos. Por exemplo, diz ele que, se os deuses existem, não precisamos temê-los, pois os tomamos distintos de nós, ou seja, como distintos da condição humana, não podendo eles, portanto, ter nada conosco. Noutros termos, se, com precisão, são eles divinos, isto é, fora do humanamente ordinário, então, na verdade, não podem haver conosco. Outro exemplo se encontra no remédio que ele nos apresenta para não nos perturbarmos com a morte, pois se a morte de cada um é tomada como a negação da sua vida, significa, então, que quando ela chegar a alguém, este deixa de ser e, tendo deixado de ser, nada mais pode lhe abater (como quando, por ignorância, pensamos na morte como algo que nos abate). Percebe-se, pois, que, para Epicuro, não há um mundo que transcenda a este, no qual nós nos encontramos, e, mesmo que existisse, não teria a ver com o nosso. Ora, na cosmovisão cristã, prevalecerá a existência de dois mundos, sendo a morte não um fim, mas exatamente a transição humana entre um mundo corruptível e um mundo eterno. Nesses limites, podemos bem observar o materialismo epicurista que não se adequará ao espiritualismo cristão. Para Epicuro, a comunidade humana feliz é a comunidade de amigos, que assim constroem a felicidade num “jardim de delícias”.

3. O estoicismo

07. Como o epicurismo, também o estoicismo como escola filosófica desaparecerá pouco a pouco com o advento do cristianismo. No entanto, isso se dará por razões muito opostas, pois se o cristianismo se apresentou como uma contraposição ao epicurismo, assim extinguindo-o, só venceu o estoicismo, ao seu tempo, à medida que, em geral, conseguiu absorvê-lo. Para Zenão de Cítio, pai do estoicismo, nada no mundo é por acaso. Tudo tem uma razão, porque, antes, o que tomamos por realidade é uma Razão Universal, um Macrocosmo (relembremos que “cosmo” é um termo de origem grega que significa “algo bem ordenado”), no qual o homem, entendido como razão, é um microcosmo. Dizendo melhor, conhecer racionalmente o mundo é reproduzi-lo em mente e, em essência, reproduzir a sua ordem. Logo, somente quem bem compreende o mundo é livre, pois age em conformidade com essa sua compreensão, que, por sua vez, se conforma às determinações do mundo. Tudo o que acontece no mundo tem uma razão. Portanto, tudo o que acontece no mundo acontece necessariamente. Tudo, assim, já está predeterminado e ser livre corresponde em agir segundo essa predeterminação que a razão humana pode compreender. Ser livre, enfim, ao invés de se opor à predestinação é precisamente agir de acordo com o inevitável, porque se o compreende como algo que verdadeiramente não é de outro modo e, por conseguinte, só pode ser assim mesmo. Somente quem não pensa adequadamente o mundo, age em contraposição ao mundo e, consequentemente, sente-se constrangido pelos eventos que são a realidade. É o pensamento que assegura a autonomia e liberdade do homem. As paixões são tendências que desequilibram a reprodução da justiça, do equilíbrio e da ordem que a razão humana microscópica traduz da Razão do Universo. Cada homem, porque dotado de razão, não depende de outrem para ser feliz e alcançar a tranquilidade de sua alma: somos cidadãos do mundo e podemos conhecer as leis que nos destinam, bem como a todas as demais coisas, para agirmos sempre em conformidade com elas.

4. O ceticismo

08. Depois de errar por vários cantos do mundo, perguntando pela sua verdade, Pirro passou a suspender todo e qualquer juízo último e pretensamente universal acerca da chamada realidade, pois refletiu sobre as diferentes considerações que os homens têm acerca dela, que redundaram em diferentes culturas e sociedades, resignando que os limites dos nossos sentidos e da nossa capacidade racional são mui estreitos para se estender às coisas, que não são “mais isso que aquilo”. Restaria-nos, pois, não mais nos deixar perturbar com o intuito de conhecer as coisas mesmas, mas sermos completamente indiferentes à verdade pela suspensão dos nossos juízos, mantendo-nos distantes tanto da afirmação quanto da negação (nada podemos dizer: afasia).

09. Não se deixando perturbar por aquilo que é inapreensível, a alma humana se torna feliz.

10. Frente a várias filosofias dogmáticas (ou seja, defensoras da possibilidade de conhecimento, pelo uso da razão ou pelo uso da sensação), predominou a interpretação do ceticismo como oposição às afirmações dessas filosofias. Nesse sentido, o advento do cristianismo associou o ceticismo ao ateísmo (a começar literalmente pela oposição à sentença “Deus existe” com a sentença, que julgavam “cética”, de que “Deus não existe”). No entanto, como dissemos, o ceticismo pirrônico mantinha-se em igual distância da afirmação e da negação, ou seja, pelos limites de nossas capacidades racionais e sensoriais, não podemos dizer que “Deus existe”, mas tampouco que “Deus não existe”, pois deste último também não há possibilidade de provas lógicas ou empíricas cabais. Duvidar não significa negar, mas suspender o juízo e ser indiferente àquilo sobre o qual não se pode ajuizar definitivamente.

15 de out. de 2011

TEXTO XV: A Filosofia de Aristóteles

Rodrigo Rodrigues Alvim

01. É importante a observação que Peter de Vries, em seu romance Reuben, Reuben, de 1964, fez acerca de Aristóteles: “a prova de seu domínio sobre o homem ocidental é que ele domina o pensamento de gente que nunca ouviu falar a seu respeito”.

02. De fato, desde o seu próprio tempo, século IV a. C., Aristóteles foi impressionante. Um dos mais destacados discípulos de Platão, chegou-se mesmo a esperar que ele viesse a suceder seu mestre à frente da Academia. No entanto, como isso não aconteceu, fundou ele sua própria escola em Atenas, o Liceu, não obstante fosse ele da cidade de Estagira, que ficava ao norte da Grécia de então, vizinha da região da Macedônia. Aliás, Filipe II, rei dessa região e pai de Alexandre, convidará Aristóteles para educar seu filho, este que, mais tarde, conquistará a própria Grécia e se expandirá por tantas outras terras, na construção do primeiro grande império a ser conhecido na parte ocidental do mundo.

03. Também conhecido como “o estagirita”, Aristóteles costumava lecionar passeando com seus discípulos por caminhos ou corredores cobertos (peripatos), o que redundará no recebimento de um segundo cognome, “o peripatético”.


04. Tomando o seu pensamento aqui e ali, pode-se interpretar que Aristóteles se opunha em muito a Platão. Entretanto, de um modo geral, o que se percebe é que as questões que conduzem a sua filosofia são precisamente aquelas estabelecidas pelo seu mestre e que, muitas vezes, suas diferentes respostas a tais questões, visavam a, por princípio, não contestar Platão, mas a atualizar a filosofia ao modo crescente como ela se definia, ou seja, como um discurso que, pouco a pouco, deixa o recurso das compreensões míticas e alegóricas (ainda que simplesmente para se fazer acessível a um público maior) para se deter à compreensão conceitual, ao discurso que, por essa sua distinção, passou a ser denominado, na tradição cultural desta nossa parte do mundo, de “filosófico”.

05. É nesse sentido que esse novo pensamento (logos) será conhecido como lógica, o “instrumento” (organon) do qual o verdadeiro filósofo deve se servir. Essa preocupação de Aristóteles o fez bem observar e sistematizar os meios pelo quais desenvolvemos o poder de convencimento e de persuasão dos nossos interlocutores. (Um esquema dessa sistematização, também formalizada pelos medievais, pode ser vista no texto “Elementos de lógica aristotélica”, neste mesmo Blog, dentro da categoria “Lógica”). Tal sistema argumentativo aristotélico predominou entre nós, quase que absolutamente, até o século XIX.

06. Imediatamente, é possível dizer que Aristóteles recusa o dualismo platônico. Não há, para ele, um mundo para além deste no qual nos encontramos e, tantas vezes, oposto a este, como bem ilustrado por Platão na sua “Alegoria da caverna”. O mundo existente para Aristóteles é este e somente este.

07. Por essa recusa do dualismo ao modo platônico, Aristóteles escreveu que "nada há no intelecto humano que não tenha passado primeiramente pelos sentidos", isto é, que nada há no pensamento humano equivalente ao que Platão tomou por ideias inatas, por dados que já teriam nascido conosco e que nos seriam como que relembradas por sua evidência, ou seja, como algo que não pode ser (pensado) de outro modo e que, não tendo contraditório, só pode, portanto, ser assim mesmo como universalmente se apresenta à razão. Por isso, muitos consentirão que Aristóteles é um empirista, um filósofo que defende que o conhecimento se constrói a partir de dados observacionais ou sensíveis. Todavia, Aristóteles escreveu livros não somente destinados a tratar de entidades da physis, mas também outros, destinados, por sua vez, a tratar de entidades não propriamente “naturais”, mais gerais e abstratas e, contudo, determinantes da própria “física”. Costumava qualificá-las de propriamente filosóficas, pois da atenção de um “conhecimento das primeiras causas e dos primeiros princípios”.

08. Mais tarde, na Biblioteca de Alexandria, por um acaso feliz, essas obras das entidades não propriamente “físicas” serão chamadas de “metafísicas” (da contração dos termos gregos μετα, meta, que significa “depois de” ou “além de”, e Φυσις, physis, que significa físico ou natureza; também da expressão grega metâ tà physikò, que quer dizer “depois dos tratados da física”), pois foram catalogados e colocados detrás dos livros referentes às entidades da natureza imediata. Assim, nas escolas, “metafísica” passou a ser interpretada como tratado de entidades não adequadamente “físicas”.

09. Na sua “metafísica”, que Aristóteles chamava “filosofia primeira”, ele escreve que há causas gerais que nos permitem perguntar, a fim de se conhecer algo, por quatro determinantes que sobre este atuam e o fazem ser o que é: a causa formal, a causa material, a causa eficiente e a causa final. Em expressiva medida, Aristóteles chega a essas causas gerais por uma revisão da literatura filosófica, dando-nos como que uma primeira história da filosofia, da qual se tem registro. Porém, conclui que, antes dele, nenhum filósofo elaborou o seu pensamento a partir dessas quatro causas conjuntamente, sobretudo pela ausência da causa final, que julgou ele pela primeira vez acrescentar às demais. Destaca-se, pois, que a sua filosofia é finalista ou teleológica (telos, em língua grega, significa “fim”): os acontecimentos do mundo se dão porque, em resumo, tudo procura alcançar o seu lugar natural, o seu justo lugar, sua específica finalidade.

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10. Se são causas gerais, podemos perguntar por elas relativamente a qualquer coisa, a fim de conhecê-la. Por exemplo: tomemos uma estátua da deusa Atena no jardim do Palácio de Versalhes. Sua causa formal (como o próprio nome já diz, sua forma) é a deusa Atena; sua causa material (matéria de que a estátua é feita) é o mármore; sua causa eficiente (o que aplica a forma à matéria) é o escultor; sua causa final (finalidade da estátua) é enfeitar um ambiente.

11. Também na sua “metafísica”, pela recusa da dualidade do mundo promovida por Platão, necessitou Aristóteles recolocar e reinterpretar por diferente via o problema do Ser e do devir (ou vir-a-ser), o que atingiu pela elaboração de dois conceitos importantíssimos em seu pensamento, apresentados pelos termos “ato” e “potência”. Para facilitar, podemos fazer a seguinte correspondência:


12. Propôs Aristóteles que as coisas se movem no sentido de atualizarem nelas as suas potências. Logo, há em cada coisa uma inteléquia (o governo de uma inteligência) que a destina a se tornar isso ou aquilo (a sua finalidade). Cada coisa deseja aquilo do qual carece, tendo nela já essa falta que a destina. Desejam as coisas como que voltar para casa, cumprindo a sua natureza ou essência, o que justifica os movimentos, a mutabilidade do mundo. Por outro lado, as coisas já têm o seu “lugar natural”, o que implica reconhecer, enfim, a imutabilidade de tudo e a sua perfeição. Daí a proposição da existência do “Ato Puro”, instância ou entidade na qual não há potência e, por conseguinte, não há movimento. As coisas buscam atualizar em si o que sempre se encontrou realizado no Ato Puro, que, assim, move todas essas coisas sem se mover (pois o movimento significa potência e aqui se trata do Ato Puro). O Ato Puro, perfeito e divino, tudo move por atração, ou seja, é ele completamente indiferente às coisas, sempre imóvel em sua completude. Não há, consequentemente, como confundir esse Deus aristotélico como o Deus criador do mundo e neste interventor que advirá do cristianismo, muito menos com esse Deus que se quer passional, que ama e se deixa atrair pelo mundo.

13. O-que-é, o Ser, portanto, em sua totalidade, é o que é e, sendo a totalidade, não pode ser de outro modo. Ao mesmo tempo, Aristóteles diz que este ser se diz de vários modos, ou seja, cada modo do Ser é um existente possível, um ente como que ao lado de outros modos do Ser, de outros entes. Por exemplo, o ser humano não pode pretender-se o todo existente, o Ser, mas somente um modo do Ser, um modo possível de existência. De forma semelhante, em outro nível, eu sou não o ser humano, mas apenas uma amostra possível de ser humano. Assim, em toda minha transição, procuro aperfeiçoar-me enquanto ser humano, atualizando em mim as minhas potências. Estou dentro da espécie humana e, portanto, ainda que eu alcance a minha perfeição (enquanto um homem), nunca poderei ser outra coisa que ultrapasse a humanidade e, muito menos, o Ser enquanto Ser.

14. Todas essas questões metafísicas são basilares na constituição e compreensão do mundo, da physis, do cosmos. A concepção cosmológica aristotélica dominará as mentes dos homens até o advento de Copérnico e Galileu, ou seja, por dois mil anos. Calcada na experiência imediata, Aristóteles propôs a Terra imóvel, no centro do Universo, em torno da qual transladam, por ordem e dentro de esferas cristalinas perfeitas, a Lua, Mercúrio, Vênus, o Sol, Marte, Júpiter e Saturno. No extremo, até onde a nossa visão alcança, encontram-se as estrelas. Estas são as fronteiras do Universo e são fixas, o que se observa pela manutenção das distâncias entre elas. A finitude do Universo garante a sua perfeição, pois a indeterminação é sinal de imperfeição. Portanto, diferentemente de como se pensará mais tarde, tudo o que é finito e bem definido é perfeito relativamente ao oposto, a tudo o que é infinito e, dessa maneira, indefinido, impreciso. Quanto mais próximo da Terra, mundo sublunar, tanto mais imperfeito, pois em movimentos “retilíneos” as coisas pretendem estar onde não se encontram (potência – movimento – imperfeição). Já no mundo supralunar, os movimentos são circulares, podendo ser tomados como pseudomovimentos, porquanto as coisas se dirigem, em última instância, para o ponto onde já se encontram. Essa concepção cosmológica de Aristóteles será apresentada em linguagem matemática, entre os séculos II e III d. C., por Cláudio Ptolomeu, ficando, desde então, o geocentrismo conhecido como o sistema cosmológico aristotélico-ptolomáico.


15. Não obstante toda essa sabedoria teórica, a filosofia, para Aristóteles, pode igualmente ser traduzida em sabedoria prática, naquilo que reflete sobre a ação dos homens, na ética e na política sobremaneira.

16. A excelência ética ou a virtude se realiza em contextos variados, o que faz com que a justa medida ou termo médio de uma ação humana não possa ser confundido com uma mediana do tipo matemático. Esta mediana equivale a quanto de paixão é razoável numa determinada ação pela qual um ser humano decide. Portanto, em nossos atos não devemos nos exceder e nem ficar aquém dessa mediana. Como as variáveis que se pode enfrentar na vida não podem ser predeterminadas e premeditadas, a ética sugerida por Aristóteles (para a boa educação de seu filho Nicômaco) não poderia ser uma obra de máximas universais de conduta, dadas antecipadamente e de uma vez por todas. Nesse sentido, Aristóteles recomenda que, para saber se se foi prudente, deve-se consultar a comunidade daqueles que são considerados prudentes. Tal sabedoria prática advém da boa educação, que cria em nós o hábito ao agir virtuoso ou para ações justas. Garantir essa boa educação desde tenra idade e de modo constante está diretamente vinculado à participação de uma polis que tanto mais justa possa ser. Entretanto, mesmo na política, Aristóteles não faz defesa de uma cidade-Estado perfeita, como Platão o fez na sua obra A república. Aristóteles enumera três formas de governo possíveis, de algum modo já existentes em alguma cidade-Estado da Grécia de então: a monarquia (o governo de um só), a aristocracia (o governo dos melhores) e o que hoje chamamos democracia. Todas essas constituições políticas devem buscar a felicidade da coletividade, devendo, por isso, cuidar para que não ocorra a sua degeneração em tirania, em oligarquia (governo de poucos) e em demagogia, respectivamente à ordem dada anteriormente.

17. Desde quando a Grécia foi conquistada pelos macedônios, ditos bárbaros pelos helenos, Aristóteles passou a ser visto com desconfiança pelos atenienses, pois fora precisamente ele o responsável pela educação de Alexandre Magno, a quem, agora, estavam todos submetidos. Pela educação recebida, Alexandre ficou marcado pela cultura helênica (o modo dos gregos serem gregos), apresentando-a aos demais povos por ele igualmente conquistados, fundando, assim, o que os historiadores passaram a denominar “cultura helenística” (o modo dos não-gregos serem como os gregos). Mas Alexandre, apesar dos seus grandes feitos, morreu prematuramente, deixando insustentável a permanência de Aristóteles em Atenas. Perseguido, partiu dessa cidade, alegando assim evitar (em memória de Sócrates) que os atenienses cometessem um segundo atentado contra a filosofia. Morreu um ano depois, aos sessenta e dois anos.


O QUE É FILOSOFIA? LEIAMOS AS PALAVRAS DO PRÓPRIO ARISTÓTELES SOBRE ISSO:

“Visto que esta ciência (a filosofia) é o objeto das nossas indagações, examinemos de que causas e de que princípios se ocupa a filosofia como ciência; questão que se tomará muito mais clara se examinarmos as diversas ideias que formamos do filósofo. Em primeiro lugar, concebemos o filósofo principalmente como conhecedor do conjunto das coisas, enquanto é possível, sem contudo possuir a ciência de cada uma delas em particular. Em seguida, àquele que pode alcançar o conhecimento de coisas difíceis, aquelas a que só se chega vencendo graves dificuldades, não lhe chamaremos filósofo? De fato, conhecer pelos sentidos é uma faculdade comum a todos, e um conhecimento que se adquire sem esforço em nada tem de filosófico. Finalmente, o que tem as mais rigorosas noções das causas, e que melhor ensina estas noções, é mais filósofo do que todos os outros em todas as ciências. E, entre as ciências, aquela que se procura por si mesma, só pelo anseio do saber, é mais filosófica do que a que se estuda pelos seus resultados; assim como a que domina as mais é mais filosófica do que a que se encontra subordinada a qualquer outra. Não, o filósofo não deve receber leis, mas sim dá-las; nem é necessário que obedeça a outrem, mas deve obedecer-lhe o que seja menos filósofo.(...). Pois bem: o filósofo que possuir perfeitamente a ciência do geral tem necessariamente a ciência de todas as coisas, porque um homem em tais circunstâncias sabe, de certo modo, tudo quanto está compreendido sob o geral. Todavia, pode dizer-se também que se torna muito difícil ao homem alçar-se aos conhecimentos mais gerais; as coisas que são seus objetos como que estão mais distantes do alcance dos sentidos.(...). De tudo quanto dissemos sobre a própria ciência resulta a definição da filosofia que procuramos. É imprescindível que seja a ciência teórica dos primeiros princípios e das primeiras causas, porque uma das causas é o bem, a razão final. E que não é uma ciência prática, prova-o o exemplo dos que primeiramente filosofaram. O que, a princípio, levou os homens a fazerem as primeiras indagações filosóficas foi, como é hoje, a admiração. Entre os objetos que admiravam e que não podiam explicar, aplicaram-se primeiro aos que se encontravam ao seu alcance; depois, passo a passo, quiseram explicar os fenômenos mais importantes; por exemplo, as diversas fases da Lua, o trajeto do Sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Ir à procura duma explicação e admirar-se é reconhecer que se ignora. (...). Portanto, se os primeiros filósofos filosofaram para se libertarem da ignorância, é evidente que se consagraram à ciência para saber, e não com vista à utilidade.” (Metafísica, Livro I, 2).