Pensar as coisas, pensar sobre o que se pensou e assim sucessivamente. Pensamento que se dobra sobre si mesmo, reflexão. A razão rumina a existência. Absortos, matutando, isto é filosofar. Pense conosco!

Acima, Caipira Picando Fumo
J. F. Almeida Júnior
Óleo sobre tela, 1893
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo





26 de dez. de 2011

TEXTO XVIII: Elementos de Lógica Simbólica

Rodrigo Rodrigues Alvim

P, Q, R... Cada consoante significa uma sentença simples.

P – Chove.

Q – Sinto-me mal.

R – O país é complexo.

Essas sentenças simples formam as sentenças complexas através das relações que estabelecem entre si, relações essas que podem ser:

- por conjunção, que representamos pelo ponto (.). Ex.: P . Q (lê-se comumente “P e Q” – Chove e sinto-me mal);

- por disjunção, que, sendo inclusiva, representamos pelo vê (v), do latim vel (ou), e, sendo exclusiva, significamos pelo duplo vê, por “vv” (w). Respectivos exemplos: P v Q (lê-se comumente “P ou Q” – Chove ou sinto-me mal) e P w Q (lê-se geralmente “Ou P ou Q” – Ou chove ou sinto-me mal);

- por condição (ou implicância), que representamos por uma seta (). Ex.: P → Q (lê-se convencionalmente “Se P, então Q” ou “P implica Q” – Se chove, então sinto-me mal);

- por bicondição (ou equivalência), que representamos por seta em mão dupla (). Ex.: P ↔ Q (lê-se convencionalmente “P se e somente se Q” ou “P equivale a Q” – Chove se e somente se sinto-me mal).

Há ainda um símbolo importante, que é o da negação, para o qual, em geral, usamos o til (~) como signo. Assim, se o valor de verdade da sentença simples P (Chove) é “verdadeiro” (V), então o valor de verdade de ~P (Não chove) é necessariamente “falso” (F). Se “falso” é o valor de verdade de P, então “verdadeiro” é o valor de verdade de ~P.

Esses são os símbolos básicos da Lógica Matemática, que, somados às tabelas de verdade básicas de cada uma das relações possíveis, a seguir, permite-nos equações lógicas mais complexas.



Após a leitura deste texto, aconselha-se a leitura do Texto VIII (Exercícios Iniciais de Lógica Simbólica), dentro da categoria Lógica.



18 de dez. de 2011

TEXTO XVII: Moral ou Ética?

Rodrigo Rodrigues Alvim

01. Há quem prefira dizer que não há nenhuma diferença significativa ou decisiva, para os nossos dias, entre "Ética" e "Moral". No entanto, há inegavelmente uma distinção histórica, que se constata a partir da etimologia desses termos: "Ética" é uma palavra de origem grega e "Moral" é uma palavra de origem latina. Pode-se, pois, esperar que isso arraste consigo todo um patrimônio cultural, distintos em certa medida, do qual gostaríamos de destacar a tendência maior dos gregos à abstração, ensejada pela atividade racional, comparativamente aos romanos, muito mais pragmáticos, em vista dos seus interesses indisfarçáveis de expansão e complexidade sócio-política.

02. Por isso mesmo, percebem alguns que "Moral" é um termo muito mais destinado às determinantes do comportamento habitual, cotidiano e não propriamente reflexivo. Seria mais adequadamente destinado aos costumes, advindos de uma educação que cada um recebe desde tenra idade, através do convívio familiar, escolar, religioso, etc., e que, por isso mesmo, remete-nos imediatamente à nossa cultura, ao nosso modo de agir, partilhado e rotineiro, e, diríamos, aparentemente espontâneo. Logo, uma vez que somos seres gregários, não há como alguém ser "amoral". Quanto ao adjetivo "imoral", trata-se de uma característica que se atribui, numa dada sociedade, àqueles que contrariam, por seus atos, ao comportamento padrão ou dominante.


03. "Ética", por sua vez, implicaria uma reflexão (sempre muito importante aos filósofos gregos) sobre essas determinantes dos nossos atos correntes ou, como de outro modo poderíamos dizer, implicaria um ato de pensamento sobre a nossa "Moral": um ato de consciência propriamente dito. Não obstante para muitos isso pareça um "distanciamento da vida", é exatamente essa abstração (e "metafísica") que como que nos aparta de nós mesmos, condição sine qua non para que nos exerguemos tal e qual somos, bem como que há outros modos de ser. Esse processo de "estranhamento" de nós mesmos, vendo-nos como outro ao lado de outros ainda, nos leva indelevelmente a nos reconhecer que somos assim, mas que podemos ser diferentes, que agimos comumente dessa forma, mas que podemos, agora, reconhecendo outras possibilidades de ação, escolher ser diferentes: somos, portanto, livres!

04. Essa nossa condição particularíssima levou-nos à concepção de que estaríamos no centro ou no ápice de tudo o que se encontra no mundo (e que é o mundo), uma tendência que marcará praticamente a nossa história.

05. Antropocêntricos e antropomórficos assim, nós podemos nos surpreender com a hipótese de que talvez não sejamos o animal por excelência, mas, ao contrário, talvez sejamos exatamente o animal que, por assim dizer, "não deu certo", pois falta-nos instintos pelos quais os demais animais se mantêm na vida e, por isso mesmo, já deveríamos ter desaparecido da face do nosso planeta, não fosse o curioso fato de que, na medida em que os fomos perdendo, ocorreu em nós uma capacidade inusitada, a qual denominamos "razão" ou "pensamento" ou "consciência", dentre outros termos mais.



06. Se tormarmos os instintos como respostas que a própria natureza misteriosamente incutiu nos animais às demandas que a própria natureza lhes faz, tal natureza, qual algo pronto e acabado, não se encontra no homem, o que permitiu com que este se visse mais como um ente diante da natureza do que como um ente na natureza. Na ausência de tais respostas como que prévias e determinantes dos atos do gênero humano (ou da espécie humana), o homem, em suas diferentes respostas aos mesmos desafios naturais, vai se compreendendo, muito paulatinamente, não como uma simples amostra de uma categoria, mas como "pessoa" que se faz segundo as suas decisões - uma singularidade.

07. Ainda que todas as coisas estivessem predestinadas, não seriam assim ao homem, que, como parte de tudo o que acontece e assim limitado, escolhe sempre dentro dos limites que então possui, em situação. E diante dos desafios que a vida lhe impõe, não tem como não escolher (se mesmo não escolher é , paradoxalmente, uma escolha que se faz).

08. Nessa crise instituida por possibilidades (afinal, mesmo diante de um único caminho, pode-se optar por não trilhá-lo), o homem inevitavelmente faz escolhas, mas jamais escolhas inevitáveis; fazendo escolhas, cada um se torna o que é. Ademais (como sublinhava Sartre), cada qual é o único responsável pelas escolhas que fez, pois mesmo quando eu faço o que outros me disseram, fui eu quem escolhi fazer o que esses outros me disseram - sem subterfúgios. Finalmente, é preciso observar que cada ato de escolha que se faz há de ecoar como igual juízo de valor que se faz, pois como que "dentre tudo o que ora se me dispõe, escolho precisamente isso!"

09. Nesses termos, tudo-que-sou sou por mim, não havendo distinção entre os meus atos e aquilo que eu chamo de "minha interioridade". Tudo-que-sou sou por mim e não por outrem. Daí que, numa abordagem certamente pragmática, o grande ideal sociopolítico é a internalização da lei em cada indivíduo. Agir assim, mediante lei que me é externa, sempre implica sanções, positivas ou negativas, no intuito de se garantir. Por isso mesmo, se um cidadão age em conformidade com a sociedade (e principalmente com o seu Estado), à qual fisicamente se insere, melhor que o seja como sendo por valores próprios. Formar as consciências, este tem sido o ideal de toda comunidade humana. A lei (externa) é apenas um atalho para esse "panótico", um recurso nada ideal para se alcançar os fins da unidade sistemática da ação social. Comumente, direitos são sanções positivas ao cidadão, que é cidadão simplesmente porque e enquanto cumpre os seus deveres [internalização do que dele a sociedade quer - e faz querer como se fosse, antes, querer do próprio cidadão, pois, como dissemos, não há real distinção entre a "interioridade" (o querer, as convicções...) e a ação; portanto, é querer mesmo do próprio cidadão]. Rigorosamente,não são os valores sociais que se impõem ao sujeito, quando este já os assimilou; ele, este sujeito, é tais valores e tal cidadão.


10. Se por questões "morais" podemos nisso incidir, somente a "ética", enquanto capacidade de reflexão sobre os nossos atos e de suas determinantes, pode nos deixar entrever alguma possibilidade de real liberdade sociopolítica, pois importa, como dissemos antes, naquela nossa capacidade de tomarmos distância da condição a que imediatamente estamos mergulhados, permitindo-nos, inclusive e assombrosamente, que questionemos a nós mesmos quanto ao que somos (equivalente de nossas escolhas). Idealizarmo-nos, nesse sentido, contra o que estamos sendo é o que mais ameaça o status quo e a cultura de massa. Logo, ser "ético" não é, por natureza, ser "politicamente correto", porém é revolver (é revirar) o que está estabelecido, a fim de nos decidir, ainda que seja, mas não necessariamente, por sermos o que contingentemente vem sendo tomado como "politicamente correto". Ser ético, portanto, é revolver o que somos e não somos, para decidir outra vez e sempre, pelo mesmo ou por outra coisa, conscientes dos motes de nossa decisão ["hipotéticos" ou que se quer "transcendentais" ("categóricos"), para usarmos termos consagrados em Kant], que coincide com o nosso bem como "ser-com-os-outros".

11. Dessa maneira, pode-se compreender, preliminarmente, não apenas que a "Moral" é indissociável do humano e que a "Ética" é a tomada de consciência dessa nossa condição, mas também o quanto elas estão correlacionadas, de modo estreito, às questões sócio-políticas, correlação, em não raros momentos, antitética.