Pensar as coisas, pensar sobre o que se pensou e assim sucessivamente. Pensamento que se dobra sobre si mesmo, reflexão. A razão rumina a existência. Absortos, matutando, isto é filosofar. Pense conosco!

Acima, Caipira Picando Fumo
J. F. Almeida Júnior
Óleo sobre tela, 1893
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo





26 de abr. de 2010

TEXTO III: Filosofia: em Nome da Razão

Rodrigo Rodrigues Alvim
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01. Atente-se para a seguinte consideração:


TODO TRIÂNGULO, NUM PLANO, TEM A SOMA DOS SEUS ÂNGULOS INTERNOS IGUAL À SOMA DE DOIS ÂNGULOS RETOS.



02. Tal consideração se dá não por força de nossa capacidade de experiência, pois, em primeiro lugar, não podemos inspecionar todos os triângulos empiricamente inumeráveis e, em segundo lugar, um plano rigorosamente plano (desculpe-me a redundância) jamais nos foi dado através dos nossos sentidos.

03. Sendo isso verdade, NÃO PODEMOS FORNECER PROVAS EMPÍRICAS CABAIS DA AFIRMAÇÃO INICIAL.

04. (I) Certamente vários ditos triângulos já nos foram dados através dos nossos sentidos e muitos outros nos poderão ser assim oferecidos, sem, contudo, pretenderem-se a totalidade dos ditos triângulos. Neste momento mesmo, podemos colocar para dentro do nosso campo visual um ou mais ditos triângulos, porém sempre em número limitado, justamente porque o nosso campo visual é limitado. E ainda que contemos com a ajuda de nossa memória, obtendo a soma de todos os ditos triângulos que também foram vistos em nosso passado, ainda assim não possuiremos a totalidade dos ditos triângulos. Mais amplamente, diríamos que podemos ver muitas coisas, mas não tudo; podemos estar ouvindo muitas coisas agora, mas sem a pretensão de que seja tudo o que presentemente emite som... E isto se aplica a todos os nossos demais sentidos.

05. (II) Não somos capazes de traçar uma linha reta sequer numa folha de papel, muito menos um plano. Podemos aí traçar algo como que uma reta ou como que um plano, mas não uma reta ou um plano preciso. Faltam-nos condições concretas para tanto, por mais que estejamos usando materiais ditos de precisão. A precisão aqui é um ideal, aliás, é uma ideia: tão-só em nosso pensamento somos capazes de traçar figuras perfeitas. E tanto mais as coisas dadas aos nossos sentidos se aproximam dessas nossas ideias, tanto mais as chamamos pelos mesmos nomes que atribuímos a essas ideias das quais se aproximam. Dessa maneira, digo que esta minha moeda é circular não porque o seja fielmente, mas porque sua forma se aproxima da ideia que tenho de “infinitos pontos equidistantes de um mesmo ponto central”, algo que não construo senão mentalmente.

06. A consideração inicial se dá, portanto, por outra capacidade que não a de experiência, mas por aquela que comumente denominamos “razão”. Noutros termos, temos a consideração inicial por intuições intelectivas e não por intuições sensíveis. Ademais, na consideração original, somos conduzidos à unidade, à universalidade: “Todo triângulo...” E isto é um conceito e não uma imagem. Os nossos sentidos, contrariamente, nos conduzem à diversidade e à imagem, uma vez que se trata de um triângulo ou equilátero ou isósceles ou escaleno, reto ou não reto nestes dois últimos casos, numa ou noutra dimensão, etc.

07. Essa distinção entre considerações advindas de nossa capacidade de experiência ou da nossa capacidade de razão pode levar-nos ao equívoco de que a “abstração” das nossas declarações racionais as faz empiricamente inúteis. Sim, um equívoco! Para nos manter próximos da consideração inicialmente feita, tomemos como exemplo o teorema que atribuímos àquele que convencionamos o primeiro filósofo do Ocidente: Tales. Embora intuído racionalmente, sua aplicabilidade a desafios advindos de nossa inserção no mundo se fez desde o tempo do próprio Tales, a antiguidade, como a mensuração da altura das construções de elevadas proporções ou o cálculo da distância de embarcações em alto mar.

08. Nesse sentido, as afirmações dos assim chamados primeiros filósofos de que toda diversidade presente no mundo são compostos do(s) mesmo(s) elemento(s) – seja água ou ar ou quatro elementos ou cento e dezoito ou em número e qualidade indeterminados – é uma proposição universal (“toda diversidade...”), ou seja, algo que se propõe por força de razão e não de experiência. E ainda que essa proposição se pretenda inferida de experiências de decomposições de muitas coisas, “muitas”, por maior que seja o número que queira expressar, não significa “todas” e a decomposição da qual trataram aqueles filósofos estava muito além do empiricamente possível, mas estava bem entendido (pela razão): se há um mínimo de extensão, porque extenso, pode ser novamente dividido. Esta tendência ao infinito só pode ser um dado de razão, pois os sentidos humanos, por seus limites, só apreendem dados limitados. Se tal divisão que tende ao infinito é uma experiência ainda, não é mais, portanto, uma “experiência sensível”, mas uma “experiência de razão”, fundante da filosofia ocidental.

EXERCÍCIOS DE RAZÃO OU GINÁSTICA DO PENSAMENTO OU AINDA SIMPLES CURIOSIDADE

Por força de razão (lógica), como vimos antes, algo extenso, se subdividido, resultará em duas partes extensas, cada qual podendo novamente ser decomposta, porque extensa, em duas outras partes extensas e, assim, sucessivamente, ao infinito, pois as partes resultantes sempre são extensas e o mínimo de extensão nunca poderá ser o mínimo, pois, também extenso, poderá ser decomposto. O não-divisível (a-tomo) não existe então.

Por igual força de razão, entretanto, o não-divisível (a-tomo) tem que existir, pois, do contrário, estaremos dizendo que tudo o que existe é composto do que não existe, o que é um absurdo (lembremos das lições de Parmênides).

O átomo, finalmente, levando em consideração ambas as forças de razão aqui apresentadas, existe e não existe, o que também é um absurdo.

Será que o extenso não é tudo o que existe? Será que existe outra categoria de realidade (o não-extenso, não-espacial)? E, caso exista, poderá dar origem a algo do que carece, a algo de extensão? Dizer hoje que a matéria é energia condensada seria algo assim? De que categoria é a realidade atualmente chamada subatômica?

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