Pensar as coisas, pensar sobre o que se pensou e assim sucessivamente. Pensamento que se dobra sobre si mesmo, reflexão. A razão rumina a existência. Absortos, matutando, isto é filosofar. Pense conosco!

Acima, Caipira Picando Fumo
J. F. Almeida Júnior
Óleo sobre tela, 1893
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo





28 de abr. de 2010

TEXTO V: Contra os Sofistas, a Restauração Socrática da Filosofia

Rodrigo Rodrigues Alvim
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01. Muito possivelmente, Sócrates, como qualquer outro jovem ateniense, não só se encantou com a prática sofística como ainda a exerceu, o que teria permitido Aristófanes, em sua comédia As nuvens, apresentá-lo como “charlatão”, que, por algum dinheiro, ensinava “a vencer com discursos nas causas justas e injustas”. No entanto, tal imagem se contrasta radicalmente com a figura de Sócrates que veio a se manifestar nas obras deixadas por Platão e Xenofonte e que se tornou corrente entre nós.

02. Na tentativa de resolução dessa oposição de perspectivas sobre Sócrates, é fecunda a suspeição de que teria ele passado por uma conversão de vida, conversão que o fez abandonar a sofística sublinhada por Aristófanes e abraçar, como missão de vida, a filosofia, momento este destacado pelos seus discípulos.

03. Numa consulta à sacerdotisa do Templo de Delphos sobre o mais sábio dentre todos os gregos, Querefonte ouviu o nome de Sócrates, seu amigo de infância, a quem correu para noticiar tal oráculo. Uma vez que a porta-voz dos deuses não poderia estar enganada, Sócrates entrou em crise, pois, apesar de sua aparente sabedoria, sua consciência nunca deixou de lhe acusar sua profunda ignorância. Como essa sua íntima reflexão também não poderia estar enganada, inquietou-lhe a grande contradição entre o que lhe dizia a sua própria consciência e o oráculo dos deuses.

04. Curiosamente, foi a autodetecção socrática de sua fundamental ignorância, quando os deuses, opostamente, nele apontavam sabedoria, que o levou a concluir que a única coisa que lhe distinguia daqueles que então se julgavam “sábios” (sofistas) era o seu reconhecimento de tantas dúvidas que tinha. Daí inferiu que era ele realmente o mais sábio tão-só por ser o único a se confessar abertamente ignorante. “Só sei que nada sei” se tornou, assim, a única confissão possível de Sócrates para lhe garantir a veracidade tanto do oráculo divino quanto da sua sincera introspecção.

05. Certamente, quem já se julga sábio, não busca mais saber: eis o sofista. Mas quem se julga ignorante, busca a sabedoria: eis o filósofo. Essa conversão de Sócrates da sofística à filosofia, pretende ele estendê-la aos demais sofistas, assumindo isso como tarefa de sua existência, vocação de seu daimon (uma espécie de voz interior, conforme Sócrates, a própria consciência). Para tanto, Sócrates vai maturando no decorrer de sua vida um comportamento, um procedimento que pode ser descrito como antes fiz em outro lugar:

O procedimento filosófico socrático é comumente apresentado em dois momentos interpenetrantes que lhe são constitutivos. O primeiro momento é denominado ironia e o segundo, maiêutica.

a) [...] A ironia se realiza quando o sujeito “toma-se sobre si” que nada sabe, [...]. Daí Sócrates só se reconhecer o mais sábio – segundo o pronunciamento da sacerdotisa do templo de Delfos – por se reconhecer não sábio e, nesse sentido, tão somente um amante, um pretendente, um amigo do saber: um filósofo! Eis o que o arrebata dos sofistas à filosofia. Dizer “só sei que nada sei” coloca, quem assim se assume, na busca sincera e incansável da verdade, defendendo-se de toda fixação em erro. Ao mesmo tempo, dizer “só sei que nada sei” coloca, quem assim se assume, em atitude de verdadeira escuta do que se diz, de quem se diz. Implica, portanto, em momento de acolhimento da alteridade e de sua compreensão. Nesta sua posição, nada cabe a Sócrates senão perguntar o não compreendido por contradição. Sumamente, a ironia não passa de um apontamento de contradições. Ou seja, o interlocutor de Sócrates, na tentativa de se fazer compreender, passa em revista a si próprio e expõe de si mesmo também contradições que o fazem incompreensível. Na esperança de rapidamente desfazer-se de tais contradições, instaura outras mais, percebendo em si um avolumar de componentes de ser e de pensamento completamente excludentes. Neste emaranhado por ele próprio confessado, sente-se vítima da ignorância, que o faz considerar, por fim, que nada sabe: “só sei que nada sei”. Neste momento, morre mais um “sábio” para gestação de mais um filósofo.

b) A
maiêutica, que etimologicamente significa “parto”, tem por sustentação e contínuo essa krisis instaurada pela ironia: incide em um momento “doloroso” de “desconstrução”, concomitante a uma gestação, suprassumidas numa concepção: trata-se de um “parto de ideias”, antes contraditas, agora compossíveis de uma unidade. Mais do que um momento crítico, é ela um momento autocrítico. Daí que Sócrates dá à luz não como parturiente de ideias aos homens, mas como parteiro de ideias dos homens, pois todo esforço do parto cabe a quem concebe, bem expresso no “conhece-te a ti mesmo”. A crítica no procedimento filosófico socrático não é ato que vem de fora, mas de dentro de quem pare: contra os sofistas que vivem de agregados de informações corriqueiras e agradáveis, de “senso comum”, Sócrates apela para que nada saia de nós sem que realmente seja nosso, ou seja, sem que passe pelo crivo de nossa consciência, de nossa crítica, avessa e depuradora de incoerências. Grávidos do mundo, cabe a cada um de nós a gestação de todas as coisas colhidas, fazendo-as como que nossas (re-conhecimento), transformando-as no maior e mais perfeito dos compossíveis (identidade do múltiplo), no esforço sempre renovado de gerar as entidades pelas quais Sócrates sempre chamou à luz: dentre tudo o que tomamos por verdade, o que é “a Verdade” pela qual tomamos tudo isso? Crítica forte, fonte e berço de filhos sãos.

Importa perceber que esse procedimento filosófico socrático tem o diálogo como a sua condição de possibilidade, pois, intuitivamente, cada ser humano considera-se clara e plenamente consciente de si próprio. É, pois, ao querer se fazer compreender a outrem que alguém se expõe igualmente para si mesmo, percebendo-se agora uma unidade de dobras, uma identidade que, embora constituída de mediações continuadas, busca perfazer-se agora de modo paulatino, isto é, pretensamente sem quaisquer saltos. E ao se expor, pela inquietação das incompreensões que possa suscitar, necessariamente se refaz (por exclusão e por criação, por conservação e por mudança), reparações no constante intento do melhor dos compossíveis, no constante intento do melhor “‘conhecimento’ de si mesmo”. Como os sofistas bem perceberam em relação às cidades-Estados gregas, um homem fechado em si mesmo tende inevitavelmente a tomar-se como “universal”, absolutismo promotor de ações intolerantes e violentas.


06. Com esse seu procedimento, Sócrates perambulava pelas ruas de Atenas em busca de sofistas acompanhados de seus discípulos, filhos da aristocracia ateniense, que, como dissemos em texto anterior, não eram impelidos à verdade, mas instigados ao domínio dos instrumentos de persuasão, decisivos nos debates políticos. Se Sócrates pensava estar, assim, contribuindo para a devida formação do homem grego, muitos o interpretaram como um perturbador da ordem: os sofistas se sentiram publicamente humilhados e, por extensão, a aristocracia ateniense percebeu ameaçados os meios pelos quais seus privilégios poderiam ainda se manter, mesmo na democracia nascente.

07. Para conter Sócrates, que já se encontrava com os seus quase setenta anos de idade, a aristocracia de Atenas tentou desacreditá-lo na polis, movendo contra ele um processo, no qual era acusado de “impiedade”, ou seja, de não crer nos deuses da cidade (de não observar os bons costumes), e de “corrupção da juventude”. Levado ao tribunal, não pretendiam os juízes matá-lo. Mas, para desacreditá-lo definitivamente, sentenciaram-no à pena de morte, após ter o próprio Sócrates feito a sua defesa, e esperavam que ele, por fim, suplicasse uma pena compensatória (direito assegurado a todo réu ateniense), pena esta que já estariam predispostos a aceitar, qualquer que fosse, uma vez que, por ela, Sócrates estaria se submetendo ao juízo, reconhecendo sua culpa e marginalizado. Entretanto, o inesperado aconteceu: Sócrates diz não poder apresentar uma quantia em dinheiro como contrapena, pois, por se considerar ignorante e dizer que a verdade enquanto universal era um bem já de todos, jamais cobrava de seus discípulos, com faziam os sofistas. E se aceitasse a proposta de seus discípulos que pretendiam pagar por ele, considerava Sócrates que a sua contrapena estaria como que caindo injustamente sobre seus discípulos. Enfim, como contrapena, Sócrates propôs que fosse sustentado no Pritaneu (lugar da cidade destinado aos heróis de guerra ou aos atletas vencedores em jogos das Olimpíadas). Sócrates, dessa forma, não somente reafirmou sua inocência, mas sugeriu que suas atitudes foram de grandes benefícios à sua cidade.

08. Só restou ao tribunal ou condenar Sócrates à morte (um homem incômodo, mas não injusto) ou destiná-lo ao Pritaneu como um herói de Atenas (quando a intenção foi menosprezá-lo). Para evitar a humilhação de si mesmos, os juízes tiveram que manter a sentença capital: a morte de Sócrates por ingestão de cicuta.

09. Sócrates, antes de cumprir sua pena, passou alguns dias preso, pois um navio de Atenas havia partido para prestar culto ao deus Apolo, no Templo de Delphos, e era costume não praticar execuções na cidade enquanto esse navio não retornasse. Por isso, houve grande expectativa de que Sócrates fugisse, não somente por parte de seus familiares, amigos e discípulos, mas também daqueles que o haviam condenado e que, mesmo assim, não desejavam que uma pena tão radical a um justo ficasse sobre os seus ombros. Todavia, Sócrates recusou terminantemente fugir: de um lado, porque, como cidadão ateniense, insistia que não se pode transgredir as leis e determinações da polis; de outro lado, porque tal atitude poderia colocar em dúvida a sua inocência quanto aos crimes dos quais foi acusado e sentenciado.

10. Nesse ínterim entre a sua condenação e o seu último gole, seus discípulos foram diariamente com ele se encontrar para ainda conversar sobre os mais diferentes assuntos, inclusive sobre a própria morte, muito vivaz à medida que as horas se passavam. Enfim, veio a taça e Sócrates tomou o veneno.


11. Paradoxalmente, o mal da trágica perda de Sócrates foi o que nos trouxe outro, até então, improvável bem da filosofia: Platão. Um dos discípulos de Sócrates, Platão estava ali, mas destinado à prática política, visando dar continuidade à importância de sua família que, outrora, já tinha oferecido à cidade alguns dos seus mais notáveis governantes. No entanto, decepcionado com essa prática que veio a condenar o seu mestre, convenceu-se naquele momento de que não poderia haver nenhuma política adequada, se não fosse dedicado o preciso tempo à busca da sabedoria, isto é, do Bem, do Verdadeiro e do Justo. E, mesmo mais tarde, quando Platão tentou, por duas vezes, implantar as suas ideias políticas, veremos que fora completamente infeliz.

PARA PENSAR:

1) Como Sócrates não nos deixou nada escrito, as interpretações que dele se pode fazer são muitas. No entanto, a que teve maior divulgação foi a que o tem por um homem que abriu mão de sua própria vida (do que hoje denominamos vida privada) em favor dos “bons costumes” e das “leis da cidade”, que se querem (universalmente) justas. Para ele, numa interpretação de seu discípulo Platão, ao filósofo não é prioritário as diferentes justiças que vigoram nesse ou naquele Estado (como destacavam os sofistas), mas, sim, o que as faz, apesar de suas diferenças, pretenderem-se todas afins à mesma Justiça. Ou seja, ao filósofo cabe atentar-se à concepção do Justo (pelo exercício da “maiêutica”), a partir do qual chamamos de justiça o que ocorre nesse ou naquele Estado. Talvez, por isso, Sócrates ter afirmado, conforme Plutarco, que não era ele nem ateniense, nem grego, mas um “cidadão do mundo”. Por isso, também, questões como “Mas o que é a Justiça?” ou “Mas o que é a Verdade?”, Justiça ou Verdade com sua primeira letra maiúscula, passaram a ser designadas de “questões socráticas”, aquelas que nos remetem não à diversidade do que imediatamente nos é dado, porém à sua unidade conceitual, não ao relativismo das coisas, mas à sua mais funda convergência de essência. Admitindo que seja isso mesmo, pode o “conhece-te a ti mesmo” ser apresentado como uma defesa do “subjetivismo”, isto é, de que cada um tem a sua opinião do que é verdadeiro e que, portanto, todas as opiniões, por mais opostas que sejam entre si, fundamentalmente se equivalem? Justifique a sua resposta.

2) Conforme a obra platônica Apologia de Sócrates, “uma vida não suscetível de exame não vale a pena ser vivida”. Para Sócrates, pois, é preciso refletir a própria vida, num movimento de tomada de distância de si mesmo para autocriticar-se, evitando-se, dessa forma, incoerências, depurando-se delas, ultrapassando-se a si próprio permanentemente. Nessa possibilidade de se fazer, de ser responsável pelo seu próprio ser, o filósofo (o homem que reflete, antes de tudo, sobre si mesmo) se depara com questões “éticas”. O que somos não é fruto de um “destino” inelutável, traçado pelos nossos antepassados ou mesmo por entidades transcendentes a nós mesmos (os deuses, por exemplo)... “O que devo?” passa a ser uma questão para a minha própria consciência, para a minha razão. Caso isso seja sustentável, pode-se admitir que nisso Sócrates se faz herdeiro dos sofistas, uma vez que o seu olhar se desloca das questões da physis (do “cosmos”) dos primeiros filósofos para as questões humanas, como a política, por exemplo?

27 de abr. de 2010

TEXTO IV: Contra os Primeiros Filósofos, a Contribuição dos Sofistas à Cultura do Ocidente

Rodrigo Rodrigues Alvim
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01. Era difícil entre os gregos antigos de diferentes poleis encontrar alguém que desejasse livremente deixar a sua terra natal. Muito pelo contrário, expatriar-se era geralmente uma dura penalidade aplicada àqueles condenados pela sua cidade-Estado. No período mesmo dos primeiros filósofos, temos o caso de Pitágoras de Samos, que, apesar de suas lendárias viagens, é certo que, por questões políticas, foi expulso de sua cidade berço, bem como de Crotona, onde teria fundado a sua escola (a “primeira universidade do mundo”), e terminou os seus dias em Metaponto; temos igualmente o caso de Empédocles de Agrigento, que se exilou, igualmente por motivos políticos, na região do Peloponeso. Sair dos muros da cidade era, de fato, arriscado e, apesar das viagens atribuídas aos primeiros filósofos, isso não era freqüente entre as gentes comuns. Ademais, comparado ao trânsito que se atribuiu aos pensadores seguintes, chamados sofistas, parece que ao intercâmbio comercial de outrora não houve intercâmbio cultural em semelhante proporção.

02. Com o surgimento desses novos pensadores, surgirá concomitantemente o relativismo, segundo o qual uma coisa é em relação à perspectiva que se adota. Nos precisos termos daquele que é apontado como o pai dos sofistas, Protágoras, “o homem é a medida de todas as coisas...” Protágoras logo percebeu que uma aparente mesma coisa é tomada distintamente em diferentes cidades, mas com semelhante convicção de se estar tratando da coisa em si mesma e não de uma interpretação da coisa conforme determinada cultura. Não poderíamos, se assim for, ter a pretensão da coisa mesma, do mundo como tal, porém tão-somente daquilo que da coisa ou do mundo se diz e se diz de modo tanto mais partilhado, isto é, socializado.

03. Essas ponderações feitas desde Protágoras incidirão na conclusão de que o que tomamos por verdade não passaria das palavras mais persuasivas proferidas a seu respeito. Daí, quem é mais hábil com as palavras acaba persuadindo os seus ouvintes de que o que diz sobre a coisa é a coisa precisamente. A boa oratória ou a eloquência, uma capacidade humana, é a chave para a “verdade” do mundo. Opostamente aos filósofos anteriores, a verdade da physis não se encontra em seu(s) elemento(s) arquetípico(s) – universal(is), se assim for(em) –, mas a “verdade” é culturalmente construída, ou seja, ela é interpretação humana amplamente aceite, consensualmente estabelecida, politicamente legitimada. E se são possíveis diferentes culturas e interpretações, a universalidade da verdade do mundo não passaria de engodo.

04. Por tudo isso, Górgias, outro sofista de renome, estabelecerá suas três teses: 1) não é; 2) ainda que algo, não seria passível de ser conhecido; 3) ainda que algo e conhecido, não seria passível de ser comunicado. Significamos por essas três teses que, primeiramente, nada é rigorosamente em si e por si mesmo (só temos interpretações); em segundo lugar, se algo existisse, não nos seria dado como tal ou, como tal, não seria precisamente conhecido por nós; em último lugar, se algo existisse e fosse por nós conhecido, não teríamos como transmiti-lo a ninguém, pois o que nos garante que interpretamos (ou decodificamos) as palavras alheias pelas mesmos sentidos a elas atribuídos por quem as emitiu? Por exemplo, se alguém nos diz de sua dor, ora sentida, podemos compreendê-la? Compreender é o mesmo que sentir? E se nos diz que essa dor é saudade de sua mãe? A saudade que sente de sua mãe é o mesmo que a saudade que eu poderia sentir ou já senti da minha mãe, por hipótese ou noutro tempo quando dela estive apartado? Como saber fielmente o que ele sente e tenta traduzir em palavras?

05. Já seria suficiente o exposto para percebermos que os sofistas deslocaram o olhar dos investigadores posto na “natureza” para o que hoje tomamos por “cultura”. Nesta última estaria toda obra humana, mas também o conhecimento da “natureza”, pois, como vimos, também o conhecimento da natureza é, para os sofistas, obra humana e não a própria natureza. A atenção se desloca das coisas naturais para o que é constituído na polis. Seria o homem se descobrindo a si mesmo?

06. Além desse grande feito dos sofistas, relembremos – pois já abordado – que foram eles que promoveram o primeiro grande intercâmbio cultural da história do Ocidente. Agrega-se, por terceiro, que são eles destacados como os primeiros educadores cônscios disto, porquanto a habilidade para a construção da “verdade” pode ser ensinada e adquirida: é ela a própria sofística, isto é, a maneira pela qual as palavras pareçam ser verdadeiras, uma vez que palavras verdadeiras só poderiam se pretender simplesmente verdadeira (e não somente aparentemente) se houvessem as coisas enquanto tais para nós, o que, antes vimos, não existem.

07. A educação é, portanto, para os sofistas, o meio privilegiado através da qual cada sociedade mantém a sua interpretação geral de mundo, de tal sorte que tanto a tolerância às diferentes interpretações quanto o diálogo entre as múltiplas "medidas" dadas às coisas passam a ser condições de possibilidade para a partilha dos diversos significados culturais. Isso vai se contrapor à consideração, naquela época amplamente difundida, de que o conhecimento e as habilidades (virtudes) eram inatos e peculiares à aristocracia. Com a consideração de que o conhecimento e as habilidades (virtudes) são adquiridos mediante educação que se recebe, o saber passa a ser acessível, em tese, também aos não aristocratas.


08. Essas características aqui levantadas da prática sofística concorrerão para que a cidade-Estado de Atenas, em seu momento áureo, concentrasse um número jamais visto de seus representantes. Viajantes, os sofistas encontrarão melhor acolhida nessa cidade que ensaiava a primeira democracia da qual temos notícias. Nenhuma família da sua aristocracia ousava, então, colocar-se acima das demais. Noutros termos, as famílias aristocráticas atenienses se tinham por iguais entre si e, por isso, os destinos da cidade, as leis da polis deveriam ser esclarecidas no livre debate entre elas, homens livres, em praça pública. Sendo que, por cada discurso, cada cidadão almejava convencer ou persuadir os demais de que as suas palavras conferiam o melhor para a cidade, o domínio das palavras se tornou o principal instrumento da democracia, fazendo com que rapidamente os filhos da aristocracia buscassem o convívio com os sofistas, a fim de se exercitarem nesse domínio, o que, paralelamente, fez com que esses pensadores, apesar de estrangeiros (portanto não cidadãos) acumulassem prestígios e bens materiais nessa cidade

09. O relativismo interpretativo culminará, paradoxalmente, na arte de fazer parecer natural e universalmente real ou verdadeiro o que rigorosamente não se tem como assim garantir, segundo o movimento sofístico original. Já na antiga Atenas, o relativismo interpretativo há de se declinar no uso aristocrático de fazer parecer interesse de todos (públicos) aquilo que só expressa interesses de poucos (privados ou particulares), mas de poucos que dominam as técnicas retóricas para assim iludir os restantes.

10. “Sofista” significa etimologicamente “sábio”. Se não foram os próprios sofistas que assim se denominaram a si mesmos, torna-se certo que eles apreciaram tal denominação, visto que assim permaneceu e não se trata de nome pejorativo. O problema que daí surgiu foi que os ares de sabedoria não se afinaram muito bem com o relativismo que estava na base do movimento sofístico, pois o saber arrogado ou suposto não poderia ter fundamento no conhecimento das próprias coisas, múltiplos temas sobre os quais os sofistas se apresentavam especialistas, escondendo por detrás disso a simples conveniência, sobretudo à medida que os interesses da aristocracia ateniense passaram a ser, por fim, os seus interesses também: fazer com que muitos dos velhos interesses privados da aristocracia aparecessem como o bem de todos, universal. A denúncia dessa contradição dará vida a três filosofias que se desenharão diferentemente, apesar de tanto em comum. São elas, a filosofia de Sócrates, a filosofia de Platão e a filosofia de Aristóteles, os três principais pilares do pensamento antigo da Grécia.

26 de abr. de 2010

TEXTO III: Filosofia: em Nome da Razão

Rodrigo Rodrigues Alvim
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01. Atente-se para a seguinte consideração:


TODO TRIÂNGULO, NUM PLANO, TEM A SOMA DOS SEUS ÂNGULOS INTERNOS IGUAL À SOMA DE DOIS ÂNGULOS RETOS.



02. Tal consideração se dá não por força de nossa capacidade de experiência, pois, em primeiro lugar, não podemos inspecionar todos os triângulos empiricamente inumeráveis e, em segundo lugar, um plano rigorosamente plano (desculpe-me a redundância) jamais nos foi dado através dos nossos sentidos.

03. Sendo isso verdade, NÃO PODEMOS FORNECER PROVAS EMPÍRICAS CABAIS DA AFIRMAÇÃO INICIAL.

04. (I) Certamente vários ditos triângulos já nos foram dados através dos nossos sentidos e muitos outros nos poderão ser assim oferecidos, sem, contudo, pretenderem-se a totalidade dos ditos triângulos. Neste momento mesmo, podemos colocar para dentro do nosso campo visual um ou mais ditos triângulos, porém sempre em número limitado, justamente porque o nosso campo visual é limitado. E ainda que contemos com a ajuda de nossa memória, obtendo a soma de todos os ditos triângulos que também foram vistos em nosso passado, ainda assim não possuiremos a totalidade dos ditos triângulos. Mais amplamente, diríamos que podemos ver muitas coisas, mas não tudo; podemos estar ouvindo muitas coisas agora, mas sem a pretensão de que seja tudo o que presentemente emite som... E isto se aplica a todos os nossos demais sentidos.

05. (II) Não somos capazes de traçar uma linha reta sequer numa folha de papel, muito menos um plano. Podemos aí traçar algo como que uma reta ou como que um plano, mas não uma reta ou um plano preciso. Faltam-nos condições concretas para tanto, por mais que estejamos usando materiais ditos de precisão. A precisão aqui é um ideal, aliás, é uma ideia: tão-só em nosso pensamento somos capazes de traçar figuras perfeitas. E tanto mais as coisas dadas aos nossos sentidos se aproximam dessas nossas ideias, tanto mais as chamamos pelos mesmos nomes que atribuímos a essas ideias das quais se aproximam. Dessa maneira, digo que esta minha moeda é circular não porque o seja fielmente, mas porque sua forma se aproxima da ideia que tenho de “infinitos pontos equidistantes de um mesmo ponto central”, algo que não construo senão mentalmente.

06. A consideração inicial se dá, portanto, por outra capacidade que não a de experiência, mas por aquela que comumente denominamos “razão”. Noutros termos, temos a consideração inicial por intuições intelectivas e não por intuições sensíveis. Ademais, na consideração original, somos conduzidos à unidade, à universalidade: “Todo triângulo...” E isto é um conceito e não uma imagem. Os nossos sentidos, contrariamente, nos conduzem à diversidade e à imagem, uma vez que se trata de um triângulo ou equilátero ou isósceles ou escaleno, reto ou não reto nestes dois últimos casos, numa ou noutra dimensão, etc.

07. Essa distinção entre considerações advindas de nossa capacidade de experiência ou da nossa capacidade de razão pode levar-nos ao equívoco de que a “abstração” das nossas declarações racionais as faz empiricamente inúteis. Sim, um equívoco! Para nos manter próximos da consideração inicialmente feita, tomemos como exemplo o teorema que atribuímos àquele que convencionamos o primeiro filósofo do Ocidente: Tales. Embora intuído racionalmente, sua aplicabilidade a desafios advindos de nossa inserção no mundo se fez desde o tempo do próprio Tales, a antiguidade, como a mensuração da altura das construções de elevadas proporções ou o cálculo da distância de embarcações em alto mar.

08. Nesse sentido, as afirmações dos assim chamados primeiros filósofos de que toda diversidade presente no mundo são compostos do(s) mesmo(s) elemento(s) – seja água ou ar ou quatro elementos ou cento e dezoito ou em número e qualidade indeterminados – é uma proposição universal (“toda diversidade...”), ou seja, algo que se propõe por força de razão e não de experiência. E ainda que essa proposição se pretenda inferida de experiências de decomposições de muitas coisas, “muitas”, por maior que seja o número que queira expressar, não significa “todas” e a decomposição da qual trataram aqueles filósofos estava muito além do empiricamente possível, mas estava bem entendido (pela razão): se há um mínimo de extensão, porque extenso, pode ser novamente dividido. Esta tendência ao infinito só pode ser um dado de razão, pois os sentidos humanos, por seus limites, só apreendem dados limitados. Se tal divisão que tende ao infinito é uma experiência ainda, não é mais, portanto, uma “experiência sensível”, mas uma “experiência de razão”, fundante da filosofia ocidental.

EXERCÍCIOS DE RAZÃO OU GINÁSTICA DO PENSAMENTO OU AINDA SIMPLES CURIOSIDADE

Por força de razão (lógica), como vimos antes, algo extenso, se subdividido, resultará em duas partes extensas, cada qual podendo novamente ser decomposta, porque extensa, em duas outras partes extensas e, assim, sucessivamente, ao infinito, pois as partes resultantes sempre são extensas e o mínimo de extensão nunca poderá ser o mínimo, pois, também extenso, poderá ser decomposto. O não-divisível (a-tomo) não existe então.

Por igual força de razão, entretanto, o não-divisível (a-tomo) tem que existir, pois, do contrário, estaremos dizendo que tudo o que existe é composto do que não existe, o que é um absurdo (lembremos das lições de Parmênides).

O átomo, finalmente, levando em consideração ambas as forças de razão aqui apresentadas, existe e não existe, o que também é um absurdo.

Será que o extenso não é tudo o que existe? Será que existe outra categoria de realidade (o não-extenso, não-espacial)? E, caso exista, poderá dar origem a algo do que carece, a algo de extensão? Dizer hoje que a matéria é energia condensada seria algo assim? De que categoria é a realidade atualmente chamada subatômica?

25 de abr. de 2010

TEXTO II: O Berço da Filosofia Ocidental

Rodrigo Rodrigues Alvim
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01. Embora haja todo um cabedal de pensamentos que denominamos “filosofia oriental”, a filosofia de que ora trataremos se restringirá aos limites do que chamamos Ocidente.

02. Indiscutivelmente, já havia intercâmbio entre os povos antigos, mas, pouco a pouco, os gregos passaram a desenvolver um modo de pensar incomum em meio à predominância da cosmovisão religiosa, expressa em imagens e narrativas míticas. Ao lado, pois, da arte, do mito e da religião, a filosofia se construiu, tentando depurar a autoridade aristocrática da tradição pelos filtros públicos da razão.

03. Tal movimento, contudo, insistimos, não é abrupto: trata-se de um longo processo histórico e indefinido. A filosofia não substitui a arte, o mito e a religião e nem é substituída pela ciência. Todos estes são diferentes modos humanos de se compreender e de se expressar “a realidade”. Se se relaciona geralmente a filosofia à razão, a religião à autoridade e a arte ao sentimento, isto é somente uma questão de ênfase. Autoridades (no sentido de princípios norteadores), sentimentos e razão são dimensões do ser humano constantemente ativos, apesar de suas alternadas predominâncias. Na modernidade, particularmente com o advento da “nova ciência”, sublinhou-se, também e ainda mais, a importância da experiência para uma adequada compreensão e expressão da realidade.

04. Se a filosofia é comumente apresentada como avessa à autoridade, deve-se bem entender que se trata de se fazer avessa à autoridade arbitrária (como historicamente marcou a imagem mítico-religiosa de mundo). Afinal, há como sustentar que a própria filosofia tem por sua autoridade a razão. Esta razão, no entanto e como já vimos, não pertence a alguns homens apenas, mas a todos igualmente. É precisamente essa universalidade, associada ao fato de que também há uma unidade na dinâmica dos acontecimentos, que denunciará os frágeis fundamentos das muitas discriminações existentes entre os homens e mantidas pelas imemoriais tradições mítico-religiosas. É por isso que, muitas vezes, vemos a filosofia em entrechoques com o mito e a religião. Desde então, toda compreensão mítico-religiosa que não tiver a capacidade de se traduzir em termos racionais será repudiada pela filosofia e sentenciada supersticiosa. Ou, em termos mais amplos, tudo o que não passar pelo crivo da razão (crítica) será apontado pela filosofia como quimera. E uma vez que cada um de nós é dotado de razão, cada um tem igual autoridade para inspecionar a solidez do que culturalmente herdamos dos nossos antepassados.

05. No sentido do que até aqui escrevemos, conseguimos retroagir maximamente a filosofia aos gregos antigos dos séculos VI ao IV a. C. De fragmentos de escritos destes ou sobre estes homens, percebemos já traços característicos do que denominamos “razão”. Deste modo, consensualmente a comunidade filosófica se volta para Tales, da cidade-Estado grega de Mileto, como o primeiro filósofo do Ocidente. Tales afirmava que a água é a origem ou o princípio (arché) de todas as coisas existentes no mundo. Não obstante a aparente simplicidade de sua afirmação, ela anunciava um modo revolucionário de tratar o mundo, principalmente por dois aspectos: primeiramente, implicava que a origem do mundo era imanente e, por se encontrar no próprio mundo no qual estamos inseridos, estaria como que ao nosso alcance conhecer, fazendo-nos independentes dos deuses que nos transcendem, porque, até então, ainda dominava a cosmovisão de que tudo o que acontece e nos acontece no mundo era obra do entrecruzamento das vontades caprichosas dos deuses; em segundo lugar, implicava uma redução da multiplicidade à unidade, medida que fazia as coisas comensuráveis entre si, intercambiáveis, e não mais isoladas, irredutíveis manifestações do politeísmo. O teorema matemático que leva o seu nome é igualmente, como qualquer outro teorema, índice de que há uma unidade e estabilidade no mundo, apesar de toda a sua diversidade e mutabilidade imediata.


06. Discípulo de Tales, Anaximandro de Mileto também defendeu uma unidade imanente como origem de toda determinação múltipla do mundo, mas a tomou como algo “indeterminado”, prenunciando a capacidade de “abstração” que perfila a racionalidade, à medida que dispensa cada vez mais o uso de imagens (ou da sua faceta denominada “imaginação”) pela elaboração e articulação de conceitos (próprias de sua faceta denominada “entendimento”).

07. Anaxímenes de Mileto, discípulo por seu turno de Anaximandro, apresenta o “ar”, um elemento que não nos é tão diretamente dado na natureza como a “água” de Tales e nem tão abstrato qual o “indeterminado” de seu mestre, como aquilo de que todas as coisas provêm. Isto o aproxima da tradição mítico-religiosa, conforme a qual é um pneuma, é um “sopro”, é um espírito que inspira, que preenche e que sustenta cada parte constitutiva da vida. Todavia, o tratamento que Anaxímenes dá à sua proposição o distingue das narrativas mítico-religiosas.

08. Assim, essa Escola de Mileto ficou conhecida pela sua defesa da unidade constitutiva da physis. Mas poderia um só elemento justificar toda riqueza que observamos do mundo? Empédocles, da cidade-Estado de Agrigento, pensou que não, propondo quatro “raízes” para a natureza: terra, água, fogo e ar. Além disso, inovou o pensamento filosófico com dois princípios coordenadores dos movimentos dessas “raízes”: o amor, como sua força agregadora; o ódio, como sua força desagregadora. Tudo isso responderia pela mutabilidade que presenciamos na natureza, apesar de imutável em suas bases.

09. Pitágoras, da cidade-Estado de Samos, intuiu e defendeu que tudo era medida, ou melhor, que cada coisa era segundo a sua medida. Portanto, na fundamentação de tudo estava a unidade, o “um” (o ponto), que, se somado a si mesmo, gera, sucessivamente, o dois (a reta: relação entre dois pontos) e o três (o mínimo de plano) e o quatro (o sólido), realidades de que tudo mais é feito: 1 + 2 + 3 + 4 = 10. O dez, portanto, é o número da totalidade e da harmonia, donde o triângulo equilátero, estável pela igual medida dos seus lados, figura por excelência do universo. Pitágoras encantou-se com as relações matemáticas que descobria, percebendo, inclusive, que a harmonia musical também respeitava determinadas proporções numéricas, a “justa medida”.

10. Mas, enquanto Pitágoras compreendia a unidade como indivisível, Anaxágoras de Clazômenas, defensor da existência de uma inteligência que perpassaria todo universo, advogou a divisibilidade ao infinito da unidade. Neste aspecto, Leucipo de Mileto ou Eléia e Demócrito de Abdera concordarão com Pitágoras, mas estabelecerão, além disso, que os “não-divisíveis” (átomos) são distintos entre si por atributos geométricos.

11. Toda essa discussão acerca do(s) elemento(s) imanente(s) de que tudo se origina foi, todavia, entrecortado por uma disputa sobre a condição verdadeira do mundo, que inaugurou, por assim dizer, duas vertentes, entre as quais todos os filósofos vão se distribuindo no decorrer da história em conformidade com as suas tendências. Heráclito de Éfeso, cognominado “o obscuro”, será o aporte da vertente que toma o movimento conflitante (ou dialético) das coisas do mundo como real. Parmênides de Eleia será, no extremo oposto, o aporte da vertente que toma o movimento do mundo como ilusão da verdade, sendo o verdadeiro propriamente dito o imutável, o qual somente a capacidade racional humana alcança, antes ultrapassando o aparente sensível.

12. Dos escritos desses filósofos, hoje só temos fragmentos. Contudo, a partir de outros filósofos ou escritores contemporâneos seus ou muito próximos daqueles tempos, temos o que chamamos de “doxografia” (literalmente, “escritos opinativos” sobre o que tais filósofos disseram). Segue, assim, uma seleção desses fragmentos ou comentários que devem ser lidos para uma compreensão de primeira mão ou de mão mais próxima do tempo dos filósofos que aqui esboçamos:

TALES DE MILETO (624 – 547 a. C.):

A maior parte dos filósofos antigos concebia somente princípios materiais como origem de todas as coisas (...). Tales, o criador de semelhante filosofia, diz que a água é o princípio de todas as coisas (por esta razão afirmava também que a terra repousa sobre a água). (Aristóteles, Metafísica).

Tales e sua escola: o cosmos é um. (Aécio, Sobre a opinião dos filósofos).

ANAXIMANDRO DE MILETO (610 – 547 a. C.):

Afirma que não é a água ou qualquer outro o elementar, mas algo de diferente natureza, ilimitada, da qual seriam formados todos os céus e os cosmos naqueles contidos. (Simplício da Cilícia, Comentários).

ANAXÍMENES DE MILETO (585 – 524 a. C.):

Como nossa alma, que é ar, nos governa e sustém, assim também o sopro e o ar abraçam o cosmos. (Fragmento, único).

HERÁCLITO DE ÉFESO (550/540 – 480/470 a. C.):

Este mundo, igual para todos, nenhum dos deuses e nenhum dos homens o fez; sempre foi e será um fogo eternamente vivo, acendendo-se e apagando-se conforme a medida. (Fragmento, 30).

Descemos e não descemos aos mesmos rios; somos e não somos. (Fragmento, 49a).

Eles não compreendem como, separando-se, podem harmonizar-se: harmonia de forças contrárias, como o arco e a lira. (Fragmento, 51).

A guerra é o pai de todas as coisas e de todas o rei; de uns fez deuses, de outros, homens, de uns, escravos, de outros, homens livres. (Fragmento, 53).

O caminho da espiral sem fim é reto e curvo, é um e o mesmo. (Fragmento, 59).

Imortais, mortais; mortais, imortais. A vida destes é a morte daqueles e a vida daqueles é a morte destes. (Fragmento, 62).

Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reúne-se; avança e se retira. (Fragmento, 91).

A doença torna a saúde agradável; o mal, o bem; a fome, a saciedade; a fadiga, o repouso. (Fragmento, 111).

O pensamento é comum a todos. (Fragmento, 113).

A natureza ama esconder-se. (Fragmento, 123).

A mais bela harmonia cósmica é semelhante a um monte de coisas atiradas. (Fragmento, 124).

O frio torna-se quente, o quente frio, o úmido seco e o seco úmido. (Fragmento, 126).

PITÁGORAS DE SAMOS (571/570 – 497/496 a. C.):

Os assim chamados pitagóricos, tendo-se dedicado às matemáticas, foram os primeiros a fazê-las progredir. Dominando-as, chegaram à convicção de que o princípio das matemáticas é o princípio de todas as coisas. E como os números são, por natureza, os primeiros entre estes princípios, julgando também encontrar nos números muitas semelhanças com seres e fenômenos, mais do que no fogo, na terra e na água, afirmavam a identidade de determinada propriedade numérica com a justiça, uma outra com a alma e o espírito, outra ainda com a oportunidade, e assim todas as coisas estariam em relações semelhantes; observando também as relações e leis dos números com as harmonias musicais, parecendo-lhes, por outro lado, toda a natureza modelada segundo os números, sendo estes os princípios da natureza, supuseram que os elementos dos números são os elementos de todas as coisas e que todo o universo é harmonia e número. E recolheram e ordenaram todas as concordâncias que encontravam nos números e harmonias com as manifestações e partes do universo, assim como com a ordem total. (Aristóteles, Metafísica).

PARMÊNIDES DE ELEIA (530 – 460 a. C.):

[A deusa da Justiça e do Direito:] E agora vou falar; e tu escutas as minhas palavras e guarda-as bem, pois vou dizer-te dos únicos caminhos de investigação concebíveis. O primeiro (diz) que (o ser) é e que o não-ser não é; este é o caminho da convicção, pois conduz à verdade. O segundo, que o não-ser é, e é necessário; esta via, digo-te, é imperscrutável; pois não podes conhecer aquilo que não é – isto é impossível –, nem expressá-lo em palavra.

Pois pensar e ser é o mesmo.

Contempla como, pelo espírito, o ausente, com certeza, se torna presente; pois ele não separará o ser de sua conexão ao ser, nem para desmembrar-se em uma dispersão universal e total segundo a sua ordem, nem para reunir-se.

Pouco me importa por onde eu comece, pois para lá sempre voltarei novamente.

Necessário é dizer e pensar que só o ser é; pois o ser é, e o nada, ao contrário, nada é: afirmação que bem deves considerar. Desta via de investigação, eu te afasto; mas também daquela outra, na qual vagueiam os mortais que nada sabem, cabeças duplas. Pois é a ausência de meios que move, em seu peito, o seu espírito errante. Deixam-se levar, surdos e cegos, mentes obtusas, massa indecisa, para a qual o ser e o não-ser é considerado o mesmo e não o mesmo, e para a qual em tudo há uma via contraditória.

Jamais se conseguirá provar que o não-ser é; afasta, portanto, o teu pensamento desta via de investigação, e nem te deixes arrastar a ela pela múltipla experiência do hábito, nem governar pelo olho sem visão, pelo ouvido ensurdecedor ou pela língua; mas com a razão decide da muito controvertida tese, que te revelou a minha palavra.

Resta-nos assim um único caminho: o ser é. Neste caminho há grande número de indícios: não sendo gerado, é também imperecível; possui, com efeito, uma estrutura inteira, inabalável e sem meta; jamais foi nem será, pois é, no instante presente, todo inteiro, uno, contínuo. Que geração se lhe poderia encontrar? Como, de onde cresceria? Não te permitirei dizer nem pensar o seu crescer do não-ser. Pois não é possível dizer nem pensar que o não-ser é. Se viesse do nada, qual a necessidade teria provocado seu surgimento mais cedo ou mais tarde? Assim, pois, é necessário ser absolutamente ou não ser. E jamais a força da convicção concederá que do não-ser possa surgir outra coisa. Por isto, a deusa da Justiça não admite, por um afrouxamento de suas cadeias, que nasça ou que não pereça, mas mantém-no firme. A decisão sobre este ponto recai sobre a seguinte afirmativa: ou é ou não é. Decidida está, portanto, a necessidade de abandonar o primeiro caminho, impensável e inominável (não é o caminho da verdade); o outro, ao contrário, é presença e verdade. Como poderia perecer o que é? Como poderia ser gerado? Pois se gerado, não é, e também não é, se devera existir algum dia. Assim, o gerar se apaga e o perecimento se esquece.
Também não é divisível, pois é completamente idêntico. E não poderia ser acrescido, o que impediria a sua coesão, nem diminuído; muito mais, é pleno de ser; por isso, é todo contínuo, porque o ser é contíguo ao ser.
Por outro lado, imóvel nos limites de seus poderosos liames, é sem começo e sem fim; pois geração e destruição foram afastadas para longe, repudiadas pela verdadeira convicção. Permanecendo idêntico e em um mesmo estado, descansa em si próprio, sempre imutavelmente fixo e no mesmo lugar; pois a poderosa necessidade o mantém nos liames de seus limites, que o cercam por todos os lados, porque o ser deve ter um limite; com efeito, nada lhe falta; fosse sem limite, faltar-lhe-ia tudo.
O mesmo é pensar e o pensamento de que o ser é, pois jamais encontrarás o pensamento sem o ser, no qual é expressado. Nada é e nada poderá ser fora do ser, pois Moira o encadeou de tal modo que seja completo e imóvel. Em consequência, será (apenas) nome tudo o que os mortais designaram, persuadidos de que fosse verdade: geração e morte, ser e não-ser, mudança de lugar e modificação do brilho das cores.
Porque dotado de um último limite, é completo em todos os lados, comparado à massa de uma esfera bem redonda, equilibrada desde seu centro em todas as direções; não poderia ser maior ou menor aqui ou ali. Pois nada poderia impedi-lo de ser homogêneo, nem aquilo que é não é tal que possa ter aqui mais ser do que lá, porque é completamente íntegro; igual a si mesmo em todas as suas partes, encontra-se de maneira idêntica em seus limites.
Com isto, ponho fim ao discurso digno de fé que te dirijo e às minhas reflexões sobre a verdade; e a partir deste ponto aprende a conhecer as opiniões dos mortais, escutando a ordem enganadora de minhas palavras.
Eles convieram em nomear duas formas, uma das quais não deveria sê-lo – neste ponto enganaram-se; separaram, opondo-as, as formas, atribuindo-lhes sinais que as divorciam umas das outras: de um lado, o fogo etéreo da chama, suave e muito leve, idêntico a si mesmo em todas as partes, mas não idêntico ao outro; e de outro lado, esta outra que tomaram em si mesma, a noite obscura, pesada e espessa estrutura. Participo-te toda esta ordem aparente do mundo, a fim de que não te deixes vencer pelo pensamento de nenhum mortal. (Fragmentos, 2 a 8).

EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO (495/490 – 435/430 a. C.):

É impossível que algo possa ser gerado do que não é, e jamais se realizou nem se ouviu dizer que o que é seja exterminado; o que é sempre estará lá, onde foi colocado por cada um. (Fragmento, 12).

E no Todo nada há de vazio ou de supérfluo. (Fragmento, 13).

Duas coisas quero dizer; às vezes, do múltiplo cresce o uno para um único ser; outras, ao contrário, divide-se o uno na multiplicidade. Dupla é a gênese das coisas mortais, duplo também o seu desaparecimento. Pois uma gera e destrói a união de todos (elementos); a outra, (apenas) surgida, se dissipa, quando aqueles (os elementos) se separam. E esta constante mudança jamais cessa: às vezes todas as coisas unem-se pelo Amor, outras, separam-se novamente (os elementos) na discórdia do Ódio. Como a unidade aprendeu a nascer do múltiplo, assim geram-se as coisas e a vida não lhes é imutável; na medida, contudo, em que a sua constante mudança não encontra termo, subsistem eternamente imóveis durante o ciclo.
Escuta as minhas palavras! Pois o estudo te fortalece o entendimento. Como já disse antes, ao expor o objetivo de minha doutrina, duas coisas quero anunciar. Às vezes, do múltiplo cresce o uno para um único ser; outras, ao contrário, divide-se o uno na multiplicidade: fogo e água e terra e do ar a infinita altura; e separado deles, o Ódio funesto, igualmente forte em toda parte, e o Amor entre eles, igual em comprimento e largura. Contempla-o com o teu espírito, e não permaneças sentado, com olhos pasmos. A ele, julgam-no os mortais enraizado em seus membros, e com ele nutrem pensamento de amor e realizam obras de união; enlevo chamam-no, e Afrodite. E nenhum dos homens mortais sabe que ele se move circularmente entre eles (os elementos). Quanto a ti, escuta a sequência sem equívocos de meu discurso. Pois todos aqueles (elementos e forças) são de igual força e idade quanto à sua origem, embora cada um deles tenha missões diversas, sua natureza particular, predominando, ora um, ora outro, no ciclo do tempo. Fora disto nada se acrescenta e nada deixa de existir. Pois tivessem perecido até seu termo, já não existiriam. E o que poderia aumentar este Todo e donde poderia vir? Como poderiam perecer, pois nada é deles vazio? Não, somente eles são, e circulando uns através dos outros, tornam-se ora isto ora aquilo, e assim para sempre os mesmos. (Fragmento, 17).

DEMÓCRITO DE ABDERA (460 – 370 a. C.):

Em verdade, nada aprendemos que seja infalível, mas somente o que nos vem através da disposição momentânea de nosso corpo e dos (átomos) que nos atingem ou se lhe opõem. (Fragmento, 9).

Há duas formas de conhecimento, uma autêntica e a outra obscura (inautêntica). À obscura pertencem todos os seguintes: a vista, o ouvido, o olfato, o gosto, o tato; a outra é autêntica, daquela completamente separada. Quando a obscura se revela incapaz de ver o menor, ou de ouvir, de cheirar, de degustar, de tocar, fazendo-se necessário levar a pesquisa ao que é mais sutil, então toma-lhe o lugar a forma autêntica, dotada de um órgão de conhecimento mais fino. (Fragmento, 11).

Assim como Leucipo, também Demócrito, seu discípulo, dizia que o cheio e o vazio são os princípios, sendo um existente e o outro não-existente. Pois os átomos são a matéria das coisas e todo o resto se segue de suas diferenças. Estas são três: forma, movimento e ordem. (Simplício da Cilícia, Comentários).

Demócrito diz que em realidade não há cores. Pois o cheio e o vazio, os átomos, são desprovidos de qualidades. Contudo, as composições dos átomos, conseqüentes de sua ordem, forma e de seu movimento, são coloridas. (Aécio, Sobre a opinião dos filósofos).

TEXTO I: Reencontro da Filosofia

Rodrigo Rodrigues Alvim

01. Conta-se que foi Pitágoras de Samos que, confundido com um sábio (sophos, um “sofista” ou detentor do saber), advertiu, pela primeira vez, ser somente e tão-somente um “filósofo” (philo-sophos), isto é, apenas um amigo, um amante, um pretendente ao saber.

02. Como contemporaneamente foi asseverado, “a humildade filosófica consiste em dizer que a verdade não pertence mais a mim que a ti, mas que ela está [a]diante de [todos] nós” (1). Assim, não se pode afirmar adequadamente que se aprende a filosofia, pois esta se traduz em sistemas de pensamento que se acumulam no decorrer do tempo, às vezes uns procurando refutar outros, nem sempre hegemônicos, muitas vezes esquecidos, mas sempre lá, na história sempre inacabada, perenes. Logo, o que verdadeiramente importa é “aprender a filosofar” (2), atitude avessa ao ceticismo radical e ao niilismo, bem como, no extremo oposto, ao dogmatismo e ao fundamentalismo.

03. Mais do que uma tentativa de elevar a dita realidade à consciência – a mesma realidade com a qual as ciências hoje se preocupam fragmentariamente (especializações que lhes atribuem diferentes sobrenomes, tais como ciências exatas, ciências naturais, ciências humanas, e, dentro de cada uma destas, outros sobrenomes mais) –, a filosofia é também e sobretudo a busca do sentido que perpassa e dá unidade ao que, num só termo, chamamos de “vida” ou de “existência” e que o filósofo, desde os primórdios, denomina comumente “ser” ou simplesmente “o que é”. A filosofia se faz a si mesma, então, não como uma tentativa de conhecimento de tudo, mas, podemos dizer, como uma tentativa de conhecimento do todo: se cada ciência busca o conhecimento de um aspecto da realidade, a filosofia almeja compreender, por sua vez, estas diversas atividades científicas e todos os demais modos de compreensão da realidade, pretendendo, pois, a instituição de uma epistemologia, de uma filosofia da ciência, de uma filosofia da religião, de uma estética, de uma ética, de uma antropologia, bem como de uma filosofia da história, de uma filosofia do direito, de uma filosofia social e política, de uma cosmologia, variações sempre atentas ao mais universal e necessário e que atualmente compõem o currículo de um Curso de Filosofia.

04. Numa sociedade demasiadamente complexa como a nossa, num tempo tão acelerado como o nosso, onde, a julgar pelas aparências, “tudo o que é sólido desmancha-se no ar”, nunca se necessitou tanto de homens comprometidos com a filosofia. É por desenvolver esta sua característica de apreender a essência, mesmo de um mundo no decorrer do qual tudo parece soçobrar, que o filósofo é hoje chamado onde a vida se esvai, onde nenhum valor mais convence, onde tudo se eleva difuso e disperso, onde nada mais parece se esquivar da corrupção (ou seja, aos hospitais, às escolas, aos sindicatos, às administrações públicas...).

05. Pensando incansavelmente a realidade, pensando o pensado, ou melhor, refletindo, criticando e autocriticando-se, a filosofia se traduz em processo ininterrupto e jamais cristalizado. Livre por excelência e dialógica, a filosofia enquanto algo pronto e acabado, substantivado, não existe propriamente. Tomar este exercício – o filosofar – como algo precisamente definido é reificá-lo (é coisificá-lo), tentando transformá-lo naquilo que, por princípio, ele não é: um instrumento de manipulação e obtenção de precisos interesses, estes ou aqueles, em nada comprometido com a verdade que se impõe a todos indistintamente. É desta maneira que a filosofia, perdendo a sua autonomia para se tornar serviçal das circunstanciais e, não raras vezes, conflitantes pretensões humanas, recebeu qualificações como “cristã”, “marxista”, “positivista”, etc. Anteriormente a isto, entretanto e muito ao contrário, a filosofia explicita a própria capacidade do homem, diante dos muitos entes, de transcender o seu mergulho na indistinção do que existe, deixando de ser verme entre os vermes. Diante do mundo, por esta transcendência, pode-se, desde então, escolher (ser) isto ou aquilo, desta ou de outra forma.

06. Originalmente e em sentido largo, somos todos filósofos. Difícil é continuar sendo-o ou assim se fazer em sentido mais estrito. Na realidade, a maioria dos homens enfrentaria enormes dificuldades ao tentar justificar, ao termo de sua vida, porque se tornou o que efetivamente foi. Afogada no cotidiano, perceberia tarde demais – caso chegasse mesmo a perceber – que paradoxalmente viveu sem verdadeiramente viver, porquanto nunca se deu a chance de, tomando as justas distâncias de tudo, reconhecer que tudo é fugidio – e também o homem, por inclusão –, que tudo passa como se não passasse... Enfim, ele já estaria filosofando e certamente escolhendo viver o que, de fato, ele gostaria de viver, posto que não temos a eternidade para degustar tudo o que nos é dado em nosso decorrer.

07. Eis, talvez, o maior de todos os mistérios que nos encanta e espanta: termo-nos deixado de ser como que um verme, transcendendo-nos a nós próprios, refletindo-nos a nós mesmos, mistério bem expresso na estupenda exclamação: “Eu sou!” Pois, ainda que materialistas fôssemos, não se faz ainda mais estonteante o fato de que uma parte da matéria tenha a potência de transcender-se a si mesma e a tudo mais e dizer: “Sou!”? Sair de si – como isto é possível? –, dobrar-se sobre si, pensar-se como outro, sendo o mesmo... Tudo isto não escapa aos limites do que categorizamos consensualmente como “matéria”?

08. A reflexão implica a liberdade. Noutros termos, a filosofia resgata-nos da possibilidade de sermos malgrado nosso, como uma coisa qualquer ou como parte de um rebanho. Contudo, é ela uma atividade que deve ser exercida para não se perder e não reincidirmo-nos na inautenticidade, tornando-nos, em clara alusão a Karl Marx, uma mercadoria dentre tantas outras, conforme tendência maior dentro do nosso momento histórico.

09. A vida nos é dada e prontamente tirada desde o momento em que passamos a ser. Fenomenologicamente, não éramos antes e voltaremos a não ser mais. Este ritmo é alheio à vontade humana. Mais cedo ou mais tarde, deixaremos absolutamente de ser esta unidade que cada um reconhece pela partícula “eu”, uma existência por nada, sem sentido, se tudo passa e nada resta. Sendo assim, talvez a maior ousadia humana não seja outra senão se desgastar ou dar a própria vida intencionalmente, assumindo o inevitável como seu, assumindo uma causa que se julgue nobre, dando a vida por algo que subtraímos do absurdo primordial, fazendo-o sentido e gonzo de um mundo agora encantado e pleno de sentido.

10. Infelizmente, poucos são os que hodiernamente reservam tempo ao exercício do filosofar, escapando ao imediatismo que nos consome. E, no entanto, ou quiçá por isto mesmo, nunca, nunca o mundo necessitou tanto de filosofia, de verdadeiros livres pensantes, ou, numa mais breve expressão: de filósofos!

Notas:
(1) HUISMAN, Denis, VERGEZ, André. Compêndio moderno de filosofia: a ação. Tradução de Lélia de Almeida Gonzalez. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1987. v. 1, p. 24.
(2) Mais precisamente, dizia Immanuel Kant que “os alunos devem ir à escola não para aprender pensamentos, mas para aprender a pensar e a conduzir-se.” (Apud PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Tradução de Raimundo Vier. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 191).